sábado, 17 de setembro de 2022

O JORNALISMO ANGOLANO EXIGE RESPEITO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As primeiras máquinas de imprimir chegaram a Angola (Luanda) e ao Reino do Congo, no início do século XV. Este acontecimento marcou a História do Jornalismo Angolano que classifiquei, num documento elaborado para as sessões de formação dos jornalistas da Empresa Edições Novembro, “Um Jornalismo de Combate pela Liberdade e a Autonomia”.

Em 1982, Laurence Hallewell publicou em Londres uma obra muito importante sobre a História da Imprensa, onde afirma que no século XVI, chegaram as primeiras máquinas impressoras a África, pela mão dos missionários portugueses, que as instalaram nos seus colégios da Ordem dos Jesuítas, em Luanda e S. Salvador do Congo (Mbanza Congo).

 A arte de imprimir chegou a Mbanza Congo na bagagem de dois mestres tipógrafos germânicos. A “divina arte da imprimissão” atingiu um desenvolvimento extraordinário, no Reino do Congo. Os portugueses chegaram à foz do rio Zaire num momento em que a nobre "arte da imprimissão" já estava muito desenvolvida em Portugal. O rei D. Afonso V, o Africano, recebeu informação da invenção de Gutenberg precisamente no momento em que o mestre impressor abriu ao público a sua primeira oficina. 

Portugal tinha fortes relações comerciais com Nuremberga, donde importava missangas, contas de vidro e artefactos em latão, que trocava por ouro em África e pimenta no Oriente. O Africano era um rei culto e por isso tinha uma importante biblioteca. Quando soube que havia forma de copiar vários exemplares do mesmo livro através da “divina arte da imprimissão”, tratou logo de contratar mestres impressores germânicos que chegaram ao reino menos de cinco anos depois de aberta ao público a oficina de Gutenberg.

Esta foi a base e ponto de partida do Jornalismo Angolano. Mas também da Literatura. A Imprensa Nacional (envio dm anexo o meu trabalho sobre a instituição também para as sessões de formação aos profissionais da Empresa Edições Novembro) imprimiu o primeiro livro de poemas em África “Espontaneidades da Minha Alma”, do benguelense José da Silva Maia Ferreira, e depois a novela “Nga Muturi” (folhetins) de Alfredo Troni.

Vou dar um salto imenso até ao Jornal de Angola, que é o decano dos Media angolanos e fez no dia 16 de Agosto, 99 anos, que passaram despercebidos. Eu gosto de capicuas porque dizem o mesmo, da frente para trás e de trás para a frente. Reparem que o número oito sozinho contra todos, mesmo virado ao contrário dá oito. 

No século XIX nasceu o jornal “A Província”, dirigido por Francisco Pereira Batalha, um jornalista tomado de empréstimo aos Correios e que foi correspondente do então prestigiadíssimo jornal português O Século. Mas já em 1893 havia surgido em Luanda um semanário com o mesmo nome. Em 16 de Agosto de 1923 nasceu o semanário A Província de Angola, periódico que congregou largos recursos financeiros entre entidades bancárias, empresas agrícolas e abastados comerciantes de Luanda. Foi fundado por Adolfo Pina, o seu primeiro director. Começou por ser impresso na velha Tipografia Mondego que ainda existia no início dos anos 60. 

No ano seguinte, a 5 de Junho de 1924, o jornal A Província de Angola começou a ser impresso em oficinas próprias, com casa de obras, e onde ainda hoje funciona. Nesta altura o jornal passou a bi-semanário (Agosto de 1924). Menos de um ano depois da sua fundação, o jornal era o símbolo do jornalismo industrial e o seu quadro redactorial já era profissional.

O jornal “A Província de Angola” foi subindo passo a passo os degraus do sucesso. A partir de 4 de Outubro de 1926, o periódico deu um dos mais importantes passos no seu percurso, passou a diário da tarde, formato tabloide. Mas a 15 de Agosto de 1933, voltou ao formato clássico e passou a ser um diário da manhã. O dia 15 de Agosto era na época o Dia da Cidade de Luanda e por isso, alguns dos momentos mais marcantes da vida do jornal ocorreram no mês de Agosto, altura em que aconteciam as festas de Luanda.

A empresa proprietária do jornal foi fundada em 10 de Julho de 1923 com a designação de Empresa Gráfica de Angola, uma sociedade por quotas. Um ano depois, a empresa foi transformada em sociedade anónima e as acções foram subscritas por Adolfo Pina, Banco Nacional Ultramarino (ainda não existia o Banco de Angola), Companhia do Amboim, Companhia Agrícola do Kazengo e os comerciantes Agostinho Borges da Cunha, José Antunes Farinha Leitão e Manuel do Nascimento Pires.

Após a morte de Adolfo Pina, o jornal “A Província de Angola” passou a ser dirigido e administrado pela dupla António Correia de Freitas/Ervedosa e conquistou um lugar ímpar no panorama da imprensa angolana e portuguesa. O filho de um dos proprietários e administradores, Carlos Ervedosa, nacionalista angolano e que se destacou na edição dos famosos cadernos culturais da Casa dos Estudantes do Império, a partir do início dos anos 60 coordenou e dirigiu um suplemento literário que revelou e divulgou alguns dos mais importantes escritores angolanos. O poeta Jofre Rocha ou o dramaturgo Domingos Van-Dunem são escritores revelados nas páginas do suplemento literário do jornal A Província de Angola. No final dos anos 60, Carlos Ervedosa teve a colaboração directa e permanente do poeta João Abel.

No início do ano de 1975, Ruy Correia de Freitas, director do jornal, com a família Ervedosa ausente em Portugal, vendeu o jornal à FNLA, movimento de libertação angolano. No dia 30 de Junho de 1975, o Ministério da Informação autorizou a mudança de título e passou a chamar-se Jornal de Angola. O primeiro director da nova série foi Fernando Costa Andrade (Ndunduma). Só posteriormente a empresa proprietária foi constituída com a designação social de Edições Novembro EP.

Com o jornal “Província de Angola” nasceu a imprensa industrial, com oficinas gráficas próprias e um corpo redactorial profissional, constituído por jornalistas angolanos e portugueses. Ruy Correi de Freitas, Carlos Ervedosa e o chefe de redacção, Jaime de Figueiredo, entre outros, eram angolanos e oriundos de famílias tradicionais africanas.

O decano da Imprensa Angolana teve um primeiro antepassado: O Boletim Oficial, do governo, que nasceu em 13 de Setembro de 1845. Também dava notícias e tinha publicidade. As elites angolanas sete anos depois lançaram a Imprensa Livre. Em 1852, foi publicado o Almanak Statístico da Província d´Angola e suas Dependências. Só saiu um exemplar. Depois foi editado o jornal literário Aurora. A censura oficial destruiu o projecto. Em 1856, nasceu  o primeiro jornal político de combate ao colonialismo, A civilização da África Portuguesa.

A Imprensa nas colónias portuguesas começou com o jornal Gazeta do Rio de Janeiro (1808). Teve o impulso da Imprensa Régia, fundada pelo príncipe regente, D. João. A corte portuguesa estava na colónia.  O Boletim Oficial (1854) marca o nascimento do Jornalismo em Moçambique. 

Esta chamada à História serve para exigir mais respeito pela Imprensa e o Jornalismo Angolano. Respeito de todos, actores políticos, jornalistas, gestores e consumidores. O primeiro jornal na História da Humanidade nasceu na China, há mais de mil anos. Foi naquele país que surgiu a indústria de papel. O jornal (KInk-Pao) ou Gazete de Pequim era uma espécie de Boletim Oficial como o de Angola. O nosso Jornalismo não tem tanta idade mas existe, desde 1852 (já tem 170 anos), nas trincheiras da liberdade e da Independência Nacional. Para o ano, o Jornal de Angola faz 100 anos. Uma data histórica que, os jornalistas em primeiro lugar, devem honrar e respeitar. Todas e todos. 

Adalberto da Costa Júnior também devia respeitar-se a ele próprio já que não consegue respeitar os jornalistas. Isso ficou hoje muito claro, quando disse a dezenas de profissionais, à entrada da Assembleia Nacional, que os observadores internacionais, nos seus relatórios, concluíram que “as eleições em Angola não foram livres nem transparentes nem justas! Está escrito nos seus relatórios. E vocês não dizem nada!” Até citou o chefe da missão de observadores da CPLP que, segundo o líder da UNITA, disse: “As eleições de 24 Agosto não foram livres, nem transparentes bem justas”.

Todos disseram exactamente o contrário. Mentir assim é doença. Um líder derrotado e que não aprendeu nada com a derrota serve para pouco. Em termos de ética republicana devia ter apresentado a sua demissão no dia em que foram publicados os resultados oficiais. Não o fez. Isso é lá com ele e a UNITA. O grave é que continua a insultar e desrespeitar os jornalistas. Depois reclama espaço mediático e atenção. Não pode. Ele próprio pôs um letreiro na testa dizendo: Não sou credível! E esse é um grande problema para o regime democrático.

*Jornalista

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