quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Brasil | O PROJETO AUTOCRÁTICO DE BOLSONARO VISTO EM DETALHE

O cientista político André Singer analisa como o “Mussolini à brasileira” carcomeu a democracia para concentrar poder. O controle da PF e da PGR. Os generais de coleira e a compra do legislativo. O ataque às urnas e as marchas fascistas

André Singer para A Terra é Redonda | em Outras Palavras

“A Itália, fascista ou não, continuava sendo meu país” (Primo Levi)

#Publicado em português do Brasil

Movimento e regime

A verdadeira natureza do fenômeno que transtornou a democracia brasileira, entre 2019 e 2021, só será verdadeiramente compreendida quando o governo de Jair Bolsonaro tiver completado o percurso que lhe couber e for devidamente colocado no contexto mundial que, em certa medida, o explica. Segundo o cientista político Larry Diamond, os indicadores democráticos globais estavam em declínio desde 2006. Na esteira do crash financeiro de 2008, o quadro se agravou e, no quinquênio após 2016, adquiriu caráter de urgência, refletindo-se diretamente no Brasil.

Os fatos são conhecidos. Declarado vitorioso em 8 de novembro de 2016, Donald Trump tornou-se, à frente dos EUA, difusor, assim como o Brexit, de uma era “pós-factual” que, rapidamente, se espalharia pelo mapa-múndi, entrando para a pauta prioritária da ciência política. Desde que Jair Bolsonaro, um ex-capitão paraquedista do Exército e deputado federal obscuro por trinta anos, foi eleito presidente da República, o Brasil viu-se submerso pela vaga vinda do norte, tornando-se um caso relevante a ser decifrado. Escrevendo antes do pleito presidencial, Diamond já identificava “declínio na qualidade e estabilidade da democracia” no Brasil e Stanley (2018) chamou Bolsonaro de “tropical Trump”.

Steve Bannon, principal ideólogo do trumpismo, articulou figuras de distintas origens numa espécie de comintern direitista (BBC, 2018), incluindo Bolsonaro no balaio. O inglês Nigel Farage, impulsionador do Brexit em 2016, a francesa Marine Le Pen, segunda colocada na disputa presidencial de 2017 e o italiano Matteo Salvini, vice-primeiro ministro da Itália em 2018, foram conectados pelo assessor da Casa Branca. Como Trump continuou a comandar uma porção do eleitorado estadunidense, mesmo depois de deixar a presidência, de maneira complementar prosseguiram as atividades de Bannon com o brasileiro ganhando projeção nelas. Bannon chegou a dizer que Bolsonaro e Salvini tinham se tornado “os políticos mais importantes do mundo” e que o pleito de 2022 no Brasil convertera-se no “mais importante da história da América do Sul”.

Teria sido o país atingido por um relâmpago neofascista intercontinental? Como qualquer fato emergente na sociedade, é raro compreendê-lo quando embrionário e incerto. Leon Trotsky registra que os italianos não vislumbraram “os traços particulares do fascismo” quando este apareceu pela primeira vez na face da terra, justamente na pátria de Dante Alighieri, em 1921. “Exceto Gramsci”, excepcional analista, os compatriotas nem mesmo admitiam “a possibilidade da tomada do poder pelos fascistas” e desconheceram que havia “um fenômeno novo que estava ainda em vias de se formar”. Gramsci, entre outras contribuições, notou o aspecto cesarista do monstro, com a personalidade de Benito Mussolini (1883-1945) centralizando as atenções (Antonini, 2021). Trotsky foi pioneiro ao diagnosticar o rasgo bottom-up do nazismo, inédito no campo reacionário.

Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, dois pensadores alemães de inspiração marxista, mas incorporando ideias da psicanálise, perceberam que a capacidade nazista de mobilizar desde baixo relacionava-se com a ativação de camadas inconscientes dos indivíduos, o que transcendia as classes, embora de modo algum as eliminasse. Passadas sete décadas, o filósofo Jason Stanley, da Universidade Yale, observando Trump, fala no uso de táticas fascistas, as quais dispõem de técnicas específicas, entre elas as teorias da conspiração, para destruir os espaços de informação e ruptura com o real.

Na mesma trilha, um segundo filósofo, Peter E. Gordon, da Universidade Harvard, sublinha no trumpismo o método fascista de estimular a raiva contra quem supostamente usurpou a antiga grandeza do povo. Trata-se da estratégia do “scapegoating”, isto é, transformar um grupo específico, no caso os imigrantes, em bode expiatório. Na composição do roteiro aqui encetado, adotaremos estes dois marcadores como guias – a tática da ruptura com a realidade e a estratégia do bode expiatório –, sem pretender que eles esgotem uma definição de fascismo. Trata-se, somente, de destacar traços que, porventura, iluminem procedimentos atuais no Brasil.

O eventual uso de certos meios de agitação e propaganda, entretanto, não resolve o problema de saber a que tipo de regime elas conduzem. Conforme Fernando Henrique Cardoso, ainda pensando com categorias marxistas, “sem a definição de um espaço teórico para uma teoria dos regimes, acaba-­se correndo o risco de confundir […] a própria dominação de classe com o controle de partes do aparelho burocrático”. De acordo com Przeworski, a atual erosão da democracia – incremental, por dentro das leis e dirigida por líderes eleitos – pode resultar tanto em “autocracia, ditadura ou autoritarismo”. A indefinição explica a quantidade de neologismos surgidos nos últimos tempos: “democracia iliberal”, “democratura” e “neoditadura”, por exemplo.

As ações de Bolsonaro no plano do regime nos levaram a resgatar uma passagem de Norberto Bobbio, na qual o filósofo italiano assinala que, para Marx, as instituições representativas da França, depois de 1848, desembocaram no “governo pessoal, ou seja, em uma autocracia”. Referindo-­se à derrocada da Assembleia Nacional, Marx assinala que “na pessoa de Luís Bonaparte”, o Executivo colocou o Parlamento “para fora”, estabelecendo o Segundo Império, regime que o sobrinho de Napoleão encarnou por duas décadas.

A autocracia, entendida como forma de autoritarismo que se caracteriza pelo “governo pessoal”, pareceu-­nos corresponder ao norte de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2021, período que analisamos nas linhas a seguir. Diferente dos regimes resultantes dos golpes militares dos anos 1960 e 1970, em que o aparelho estatal “podia também estar na mão de um grupo”, o presente projeto parece concentrar-­se em um indivíduo que, no vértice da máquina pública, substitui uma “convenção”, “assembleia” ou “partido revolucionário”.

Se uma vez, eventualmente vitorioso, tal regime adquiriria conotações fascistas, com o surgimento de um “partido único de massa hierarquicamente organizado”, de uma orientação imperialista e de uma “tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou do Estado […] a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais”, só o tempo, talvez, dirá. Por ora, as evidências nos parecem suficientes para falar em autocratismo, o que coincide com estudos internacionais que identificaram uma terceira “onda de autocratização”, começando em 2017 – a primeira teria ocorrido entre 1926 e 1942 e, a segunda, entre  1961 e 1977. Mas é claro que, ao usar técnicas fascistas de mobilização, as chances de conversão a tipos de governo que atualizem aqueles dos anos 1930, justificadamente, ligam os sinais de alerta históricos.

Este trabalho sugere que, na experiência brasileira entre 2019 e 2021, houve uma combinação entre pressão autocrática e mobilização fascista. Pesquisado e escrito enquanto o mandato de Jair Bolsonaro estava in fieri, buscou­-se extrair dos acontecimentos, tomados como base empírica, sentidos possíveis, sabendo que um verdadeiro esquema interpretativo terá que ser obra coletiva. Deixa­-se para pesquisas posteriores a necessária comparação com hipóteses concorrentes. O roteiro exploratório a que se refere o título, portanto, não exclui, necessariamente, outros.

Um autocrata entre os poderes

Na manhã da sexta-­feira, 22 de maio de 2020, o presidente da República reuniu­-se com dois generais chave do ministério: Walter Braga Netto, da Casa Civil, espécie de primeiro-­ministro informal, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, tido como amigo de longa data do mandatário. A ambos teria expressado a decisão de intervir no Supremo Tribunal Federal (STF), que assumira a vanguarda da resistência à autocratização. Cogitava o envio de tropas e destituição dos 11 membros da corte, os quais seriam substituídos por nomeações presidenciais.

Depois de horas de debate, o chefe do Poder Executivo parece ter-­se convencido que os golpes clássicos estavam out of fashion. Emitiu-­se, então, nota assinada por um terceiro general­ ministro, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Nela, o ex­-comandante do destacamento nacional no Haiti advertia o Supremo de que as suas atitudes poderiam “ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

Foi o mais próximo que se chegou de um knock down no pugilato entre Executivo e Judiciário. O fato de o episódio ter terminado em “pizza” é típico do permanente “vaivém” que Fraser identificou no interregno gramsciano mundial. Em meio às incontáveis falas desabridas do presidente, familiares e partidários sobre acionar as Forças Armadas (FFAA) por meio do Artigo n.º 142 da Constituição ou editar uma versão aggiornata do Ato Institucional n.o 5, o texto de Heleno soou como aqueles antigos pronunciamientos de los generales, avisando aos recalcitrantes que os contrapesos constitucionais tinham sumido do tabuleiro.

Deve­-se, neste passo, salientar que “o autoritarismo rastejante, em que o governante eleito gradualmente esvazia o pluralismo político e os freios e contrapesos institucionais” pode, também, a nosso ver, envolver elementos de violência ou ameaça de violência – militar, policial, miliciana etc. –, a depender das circunstâncias. Redigida em meio a uma sequência de manifestações de massa favoráveis ao fechamento do STF, e até do Congresso – abrilhantadas pelo próprio presidente, às vezes chegando a cavalo ou em helicóptero –, a peça de Heleno expunha o suporte dos fardados do Planalto ao chefe do Executivo na briga com o Judiciário. Dois anos depois, no bojo da organização do processo eleitoral, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, reafirmaria o “permanente estado de prontidão das Forças Armadas”, no que foi entendido como reforço à ameaça presidencial de intervir no pleito.

Em 2020, o decano do STF, Celso de Mello, respondeu ao repto helenístico, dizendo que “o pronunciamento veiculou declaração impregnada de insólito (e inadmissível) conteúdo admonitório claramente infringente do princípio de separação de poderes”. Traduzindo: 59 militares – a maioria da reserva, mas alguns da ativa – ameaçavam romper o arcabouço legal, criado para limitar o presidente da República. Na próxima seção voltaremos ao tema dos quartéis.

Por ora, vale notar que o centro do conflito daquele momento era o controle da Polícia Federal (PF). Os presidentes pós­-Fernando Collor de Mello, embora não obrigados por lei, trataram a poderosa PF como órgão de Estado e não de governo. Vale recordar que, em agosto de 1990, durante a execução do Plano Collor, ocorreu invasão da Folha de S. Paulo sob o comando de um delegado da Polícia Federal, em uso intimidatório da instituição. Impedido Collor em 1992, a blindagem da PF, composta hoje de 11 mil servidores espalhados pelo amplo território nacional, foi respeitada por Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff. A abstinência voluntária afastou por duas décadas o receio de que os cidadãos pudessem estar sujeitos ao arbítrio do chefe de Estado.

Bolsonaro, em nítida manobra autocrática, decidiu inverter a praxe e colocar os federais sob o seu talante, o que ficou evidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, publicizada por Celso de Mello como truco ao pronunciamiento de Heleno. O vídeo, em tons chulos, projetava a sombra de uma tirania tosca sobre a nação e confirmava o alerta implícito de Sergio Moro ao se demitir do Ministério da Justiça, um mês antes: o mandatário estava disposto a tudo para aumentar o próprio poder, começando pela tomada da PF. A hesitação da Câmara em instituir o processo de impeachment naquele momento, quando a mesa da Casa ainda não estava aliada à Presidência, cobraria mais tarde um alto preço.

Na troca de comando do Congresso, em fevereiro de 2021, el presidente faria um acerto duradouro com a “velha política”, a qual ele prometera combater na campanha de 2018. Obteve, em câmbio, o bloqueio do centrão ao processo de impedimento, mesmo diante da escalada de ataques à democracia. Em compensação, o presidente da Casa do povo ganhou poder nunca visto, criando­-se uma ambiguidade na relação Executivo-­Legislativo, a qual definiu parcela dos acontecimentos posteriores.

Blindado pelo Legislativo, Jair Bolsonaro foi para cima da Polícia Federal. “A máquina bolsonarista dentro da PF não se limita ao jogo de pressões sobre a cúpula, mas chega a ponto de mudar diretorias regionais e, até mesmo, delegados e agentes. É uma tomada ampla da estrutura”, descreveu o jornalista Allan de Abreu. Ainda assim, focos de resistência se levantaram. A cada avanço autoritário, uma algaravia de setores estatais democráticos, da sociedade civil e da imprensa procurou conter o ímpeto autocratizante. Em setembro de 2021, mil policiais federais assinaram manifesto em apoio ao delegado que dirigia o inquérito instaurado para averiguar a ingerência presidencial na PF. No fim, contudo, o funcionário foi removido e concluiu-se não haver “nenhuma prova consistente” de intervenção.

Em situações distintas, a luta teve melhores frutos. Quando da perseguição a servidores públicos e cidadãos engajados na defesa dos direitos humanos, “fichados” pelo Ministério da Justiça como “antifascistas”, em agosto de 2020, protestos de organismos civis, de núcleos congressuais e pedidos de explicação do STF, amplamente difundidos pela imprensa, obrigaram a paralisar o mecanismo persecutório. Na guerra de trincheiras, verificada de 2019 a 2021, dois inquéritos sobre Bolsonaro ainda sobreviviam na PF quando este texto era concluído (maio de 2022): um que investigava a sua participação nas milícias digitais, unificado por Moraes com o dos ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o que se debruça sobre uma live, de outubro de 2021, em que o mandatário associou a vacina da Covid à AIDS.

Por outro lado, o avanço sobre a PF foi somente uma de muitas iniciativas de alargamento dos poderes presidenciais. A nomeação de Augusto Aras, escolhido em 2019 e reconduzido em 2021, como Procurador Geral da República, a quem cumpre, aliás, determinar que a PF investigue as denúncias que chegam ao STF, seguiu padrão semelhante. Bolsonaro, ao nomear Aras, ao contrário de presidentes pós-­Constituição de 1988, desconsiderou a lista tríplice apresentada pela categoria, a qual visava garantir a independência da função. A PGR, com Aras, primou por não praticar ou retardar atos de modo a “favorecer a pessoa do presidente da República”.

Aras, entretanto, buscou fazê-­lo sem romper com “o STF, os políticos e a opinião pública”. Ou seja, o fez de maneira relativamente sutil. Em apoio à tese, Kerche cita o inquérito das milícias digitais, em que o procurador se posicionou favorável à investigação. Seis meses depois, contudo, pediu a suspensão das buscas, atendendo, ainda que de modo retardado, os objetivos do Planalto. Apesar do recuo, o caso seguiu adiante, sendo o mais relevante dos inquéritos contra o presidente.

Sem a pretensão de arrolar o conjunto de iniciativas de alargamento do poder presidencial, o que exigiria, no mínimo, um livro, mencionaremos ainda, a título ilustrativo, a pressão sobre a comunidade universitária, cujo pensamento crítico irritou Bolsonaro desde o início do governo. Aludiremos, também, à ofensiva contra a imprensa, que tem sido a porta de entrada, segundo pesquisas internacionais, da terceira onda de autocratização.

Com a posse de Bolsonaro, a Universidade e a pesquisa pública converteram­-se em alvo sistemático de cortes de verbas. Ao mesmo tempo, houve processos contra professores e enfraquecimento dos “canais de deliberação e negociação”. Até julho de 2021, rompendo a tradição seguida desde o final dos anos 1990 nas 69 universidades federais, Bolsonaro tinha nomeado vinte reitores que não haviam sido os mais votados pela comunidade. Alguns dos escolhidos vieram a constituir uma associação de reitores bolsonaristas.

A liberdade de expressão e informação, direito civil fundamental, foi atacada por meio de restrições ao exercício do jornalismo. De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), “as agressões a jornalistas e a veículos de imprensa” subiram 50% em 2019 e quase duplicaram entre 2020 e 2021. Os 430 casos contabilizados pela Fenaj em 2021 incluem xingamentos – parte deles proferidos diretamente por Bolsonaro –, censura e violência física. Para a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), naquele ano houve um episódio do tipo a cada três dias.

Ao mesmo tempo, gastava­-se recursos públicos para desinformar pelas redes sociais. Foi a utilização sistemática da internet para mentir, caluniar, ameaçar e provocar, além de interferir no processo eleitoral, que se tornou objeto do inquérito das milícias digitais, também conhecido como das fake news, liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, que chegou a suspender o funcionamento do Telegram no território nacional. Houve, igualmente, ações parlamentares: um Projeto de Lei de vigilância sobre o uso das redes foi aprovado pelo Senado em 2020 e, em março de 2022, buscava abrir caminho na Câmara. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, conduzida pelo Senado entre abril e outubro de 2021, concluiu que Bolsonaro comandava o “gabinete do ódio”, uma central de milícias digitais que, conforme veremos abaixo, utilizou técnicas fascistas de comunicação.

Mas segundo o professor de direito Frederico Franco Alvim, em trabalho realizado para o TSE, foi a ofensiva para atenuar “o alcance dos órgãos fiscalizatórios como forma de facilitar, pro futuro, a captura das instituições políticas” que mobilizou a principal energia das “forças de vocação autoritária”. Conforme antecedentes internacionais, “na maior parte das vezes, o autoritário precisa se reeleger ao menos uma vez para conseguir afundar o sistema democrático”, diz o cientista político Oliver Stuenkel. Em diversas situações, “foi a partir do segundo [mandato] que o autoritarismo tirou a luva de pelica e mostrou as suas garras”. Em direção convergente, estudo sobre a África confirma que os novos autocratas operam prioritariamente por maiorias eleitorais (apelando para a fraude em caso de derrota). A tentativa, por sua vez, de “corrigir resultados” é um recurso cujo sucesso depende do carisma do “homem forte”, o qual precisa, mesmo no caso de burla das regras, ser competitivo nas urnas.

Excurso: o papel dos militares

Em um texto como este, é necessário incluir ao menos duas palavras a respeito dos quartéis, pois se o desempenho de Jair Bolsonaro nas eleições é uma das pernas da autocratização, a intervenção militar constitui a segunda. Tendo escolhido a Academia Militar de Agulhas Negras (Aman), onde é preparada a oficialidade do Exército, para se lançar candidato a presidente em novembro de 2014, Bolsonaro sempre pretendeu ser o representante da corporação. Quando, em abril de 2018, o STF teve que decidir se o ex­-presidente Lula poderia ou não disputar aquele pleito, o então comandante da força terrestre, Eduardo Villas Bôas, tuitou que “o Exército Brasileiro” compartilhava “o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. Para bom entendedor, era um veto à candidatura petista, deixando o caminho aberto ao ex­-capitão, que desde meados de 2017 secundava Lula nas pesquisas de intenção de voto.

Depois, em livro de memórias, Villas Bôas revelou que a manifestação fora aprovada pelo Alto­ Comando. Egresso da Aman em 1977, Bolsonaro chegou à presidência quando professores, amigos e calouros da época atingiam o topo da carreira. Eleito o colega, a “turma” foi para o centro dos acontecimentos, com um vice e vários ministros na Esplanada. Formados entre 1969 e 1980, até há pouco conhecidos apenas intramuros, generais como Hamilton Mourão, Fernando de Azevedo e Silva, Edson Pujol, Joaquim Silva e Luna, Octávio Rêgo Barros, Carlos Alberto Santos Cruz, Eduardo Pazzuello, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além dos citados Heleno, Villas Bôas, Braga Netto e Ramos tornaram-­se mandarins da República.

O fato de o jovem Bolsonaro, considerado no mínimo “turbulento”, ter sido expulso do Exército em 1988 foi absorvido pela fama pós­-2015. Pujol, que concluiu a Aman no mesmo ano que Bolsonaro, e foi comandante do Exército entre janeiro de 2019 e março de 2021, disse que a turma sentia orgulho do ex­-aluno, apesar de seu caráter “pitoresco”. O grupo estava unido, ao que tudo indica, em torno da convicção de que era preciso restaurar o papel do regime militar (1964­-1985) na história do Brasil. Em 2018, o vice Mourão, elogiou o coronel Brilhante Ustra, torturador reconhecido, como o deputado Bolsonaro havia feito por ocasião do impeachment de Dilma Rousseff. Em 2019, Pujol disse que seria preciso “agradecer” aos que promoveram 1964, pois impediram que “fosse implantada uma ditadura comunista aqui no Brasil”. Braga Netto, no aniversário do golpe, afirmou que este fora um “marco histórico da evolução política brasileira”.

O coronel da reserva Marcelo Pimentel, conhecedor do ambiente, defende a tese de que uma aspiração de poder moveu, também, a alta oficialidade a se aproximar de Bolsonaro. Talvez tenha razão, pois apesar das dissidências de Santos Cruz, Azevedo e Silva e Rêgo Barros, o maior contingente permaneceu instalado na máquina pública, apesar do caráter autocratizante do governo. Além de ter dobrado a quantidade de postos civis ocupados por membros das Forças Armadas, em relação ao período anterior, Bolsonaro garantiu que os militares fossem “a única carreira do serviço público a ter aumento salarial garantido para 2020, enquanto o congelamento foi a regra geral para todas as demais categorias”, sem falar nos benefícios específicos concedidos aos generais que integram o primeiro escalão.

Os generais “dissidentes”, por sua vez, como Santos Cruz, ex­-secretário de Governo, criticam o “projeto de poder estritamente pessoal” abraçado por Bolsonaro  e falam em “erros grosseiros” da gestão do colega, como fez o ex ­porta-­voz Rêgo Barros. Ao ser demitido do cargo de ministro da Defesa, em fevereiro de 2021, Azevedo e Silva ressaltou ter preservado “as Forças Armadas como instituições de Estado”, o mesmo ponto de vista do ex ­porta­-voz, segundo o qual, “a instituição reafirma­-se como órgão de Estado”.

Segundo o cientista político João Roberto Martins Filho, o episódio ocorrido em março de 2021 de substituição na Defesa, em que Pujol também foi removido do comando, provocou abalo na base militar de Bolsonaro. No entanto, até onde se consegue enxergar, os ministros da Defesa e comandante do Exército substitutos, Braga Netto e Nogueira de Oliveira, respectivamente, seguiram com naturalidade as orientações vindas da presidência. Isentaram de punição o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-­ministro da Saúde, que participara em comício bolsonarista (o que é proibido pelo estatuto da força), em junho de 2021; em julho, secundados pelos comandantes da Marinha e Aeronáutica, emitiram nota contra a CPI da Pandemia; na manhã de 10 de agosto de 2021, data da decisão sobre o voto impresso na Câmara, autorizaram um desfile militar com tanques e carros blindados na Praça dos Três Poderes, que o ministro Barroso considerou “episódio com intenção intimidatória”.

Talvez existam, como pensam alguns, duas correntes no interior do Exército: a que prefere manter a força independente do bolsonarismo, segundo expressam os citados “dissidentes”, e a que fechou com o presidente. De acordo com o jornalista Merval Pereira, “o projeto de criar um ambiente que possa levar a uma revolta popular semelhante à que aconteceu nos Estados Unidos depois da derrota de Trump, na eleição de 2020, está sendo cuidadosamente tecido pelo presidente Bolsonaro e por seus apoiadores mais radicais” e “inclui até mesmo altas patentes das Forças Armadas, especialmente do Exército”. Para Martins Filho, o problema é saber quem vencerá o duelo entre as facções. Daí, o justificado temor do que um analista chamou de “paquistanização do Brasil”.

As marchas fascistas sobre Brasília e São Paulo

Na quinta-­feira, 15 de abril de 2021, o plenário do STF anulou as condenações de Lula na Lava Jato, habilitando-­o a competir com Bolsonaro em 2022. Diante da superioridade do ex­-presidente nas pesquisas de intenção de voto, a tática de esmagar a verdade e a estratégia de construir bodes expiatórios foi ativada at full speed pelo gabinete do ódio para evitar a volta do lulismo ao poder. Bolsonaro denunciou uma conspiração entre ministros do Supremo que teria o objetivo de recolocar, de maneira criminosa, Lula na presidência da República. O centro do complô seriam Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes que, por dirigirem o TSE daquele momento até o pleito de outubro de 2022, seriam os encarregados de fraudar o resultado a favor do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).

A campanha bolsonarista de agitação e propaganda iniciada em maio, e que culminou nas manifestações em Brasília e São Paulo no 7 de setembro de 2021, utilizou recursos que, de acordo com as premissas que adotamos, possuem rasgos fascistas.

Tal como nos tópicos anteriores, diversos elementos empíricos poderiam ser elencados, mas, por economia textual, nos fixaremos neste.

A escalada foi resumida por reportagem do site Poder 360. O presidente começou por afirmar, em abril, que só reconheceria eventual vitória de Lula se houvesse “voto auditável”, isto é, impresso. Menos de um mês depois, quando a Câmara criou uma comissão para estudar o assunto, ameaçou que, se não houvesse aprovação da proposta, não haveria eleição. Em seguida, garantiu que o PT só ganharia se houvesse roubo e que, na verdade, a falsificação dos resultados já impedira a vitória de Aécio Neves (PSDB) em 2014 e, dele próprio, no primeiro turno de 2018.

Instado pelo TSE a apresentar provas que fundamentassem tais denúncias, Bolsonaro protagonizou em julho de 2021 longo programa televisivo com o que chamou de “indícios” das supostas adulterações. Em consequência, foi acusado, no STF, de crime contra a integridade do processo eleitoral. A delegada da PF responsável pela investigação do assunto concluiu, igualmente, pela culpa de Bolsonaro na difusão de dados sigilosos, visando comprometer os protocolos de segurança do TSE.

Apesar das evidências contrárias, a “trollagem” nas redes, um tipo de comunicação meio séria meio jocosa, foi multiplicando de maneira incessante a construção fantasiosa de Bolsonaro. Na trollagem, a suposta conspiração era ainda mais assustadora. De acordo com Gajus et al., nos circuitos bolsonaristas da mídia social compartilhava­-se que Lula estaria sendo “preparado pela ‘China comunista’ para ser recolocado na presidência por meio de uma fraude que transformaria o Brasil numa colônia chinesa, com o objetivo principal de escravizar o povo brasileiro”. As fake news davam conta, também, que ministros do STF e deputados estariam sendo chantageados com dinheiro da China “para não aprovar o voto auditável”.

O filósofo Rodrigo Nunes explicou que a alternative right, à qual Trump e Bolsonaro se aliaram, tinha descoberto “as vantagens de assumir a posição de uma das figuras centrais da cultura contemporânea: o troll”. To troll é atirar iscas para pegar trouxas que navegam desavisados pela internet. A especificidade da trollagem é “introduzir ideias ‘polêmicas e ‘controversas’ no debate público de maneira irônica, humorística ou com certo distanciamento crítico, mantendo sempre a dúvida sobre o quanto ali é brincadeira ou para valer”.

Em consequência, o desprezo fascista pela verdade e a construção, igualmente fascista, de bodes expiatórios, surgem na trollagem como se fossem parte de um jogo. A pós-­verdade, que corresponde a desconsiderar os fatos em benefício de versões, fica protegida no troll, pois, a qualquer momento, o autor dirá que era somente piada. Pró-memória: a bufonaria inventada por Mussolini também tornava difícil avaliar se as ameaças eram sérias ou pura canastrice, o que confundia os adversários, desmoralizava a política e avançava, aos poucos, o autoritarismo.

A pós­-verdade se nutre da inexistência da objetividade absoluta. Há sempre uma incerteza a respeito do que acontece. No entanto, são viáveis aproximações da verdade, isto é, há graus de objetividade possível, como aprende o jornalista comprometido com a ética do campo no qual atua. Eis o motivo pelo qual os potenciais autocratas travam uma guerra particular contra a grande imprensa, que lida com padrões de controle da objetividade.

A técnica fascista opera criando uma realidade paralela, com a qual não há chance de diálogo. A febre do QAnon, nos EUA, ilustra a que ponto chega um “sistema delirante” (Adorno, 2020). O público que seguiu as absurdas mensagens do “ser” enigmático que transmitia instruções crípticas pelas mídias sociais, acabou empurrando cerca de 25 mil pessoas a Washington, quando da diplomação de Joe Biden em 6 de janeiro de 2021. O ataque ao Capitólio, com cinco mortos, foi o desfecho do delírio.

No Brasil, a propaganda que falava de um “sistema”, reunindo o STF e a China, para organizar nos subterrâneos o retorno de Lula, tinha o mesmo viés fascista e foi capaz de sensibilizar uma massa considerável no 7 de Setembro de 2021. Segundo Medeiros (2021), que acompanhou de maneira sistemática os protestos na avenida Paulista, o de Bolsonaro foi o primeiro no qual “não conseguimos passar pelo meio da manifestação”, desde as reuniões gigantes de março de 2015 e 2016 pelo impeachment de Dilma, as quais reuniram, respectivamente, cerca 200 e 500 mil pessoas.

De passagem, vale assinalar que a base de classe da marcha sobre Roma (1922) tupiniquim lembrou, também, a do fascismo histórico. Ao analisar o nazismo, Trotsky viu que o medo fazia o comerciante de bairro acreditar, de maneira enlouquecida, em um complô do grande negócio, das finanças judaicas, da democracia parlamentar, dos governos social-democratas, do comunismo e do marxismo para arruiná-lo. Adorno, por seu turno, verificou que o capitalismo levara esse “medo das consequências dos desenvolvimentos gerais da sociedade” aos mais diversos rincões. Enquanto produtores locais temiam a falência ocasionada pela concorrência das macroempresas, o trabalhador receava o desemprego tecnológico.

No fim dos anos 1980, o filósofo Robert Kurz detectou “tendências abertamente reacionárias” na “velha classe operária industrial”. Segundo Kurz, ainda que as “ondas de radicalismo de direita” seguissem “o ritmo das recessões econômicas”, desde o final da década de 1960, o estreitamento do mercado de trabalho, agora determinado pela chegada da microeletrônica, fez aparecer um “ódio exclusionário racista” entre os trabalhadores jovens.

O medo, por sua vez, legitima o ressentimento contra o establishment, o qual, ao propagar uma moral igualitária, forneceria proteção ideológica às populações vulnerabilizadas pelo capitalismo. A raiva se volta, então, contra aqueles que, supostamente protegidos, defendem os direitos de populações carentes, as quais ameaçariam os privilégios, travestidos de direitos, dos cidadãos estabelecidos nas camadas médias. Lembrando­-se que, em diversas formações, os operários passaram a fazer parte do setor intermediário da sociedade. Não por acaso, Moraes, um homem do establishment, foi convertido no bode expiatório do 7 de Setembro de 2021.

Na marcha bolsonarista sobre São Paulo, os dados disponíveis indicavam baixíssima presença de eleitores pobres. No entanto, havia ampla diversidade de faixas intermediárias. Referindo-­se a 2018, o cientista político Armando Boito notou que “o movimento da alta classe média” tinha sido “engrossado” pela adesão “das igrejas pentecostais e neopentecostais à candidatura neofascista de Bolsonaro”, o que lhe abriu a porta para segmentos menos aquinhoados. Em 2021, o eleitorado então obtido continuava parcialmente sensível ao apelo bolsonarista.

Moraes foi escolhido como scapegoat, pois, à frente do inquérito das milícias digitais, mandara prender o deputado Daniel Silveira (PTB-­RJ) e o ex­-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Quando, em fevereiro de 2021, Villas Bôas revelou que o seu twitter de 2018 contra Lula fora redigido com o Alto Comando, Fachin protestou de maneira retroativa, afirmando que era “intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. Silveira confeccionou, então, um vídeo no qual, além de ameaçar fisicamente membros do STF e defender a intervenção das FFAA no tribunal, referia­-se a Fachin nos seguintes termos: “Hoje você se sente ofendidinho […], vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida”. Em meados de agosto, Roberto Jefferson postou vídeo no qual aparecia armado, pedindo que as FFAA apoiassem a intervenção no STF. Preso às vésperas das marchas, Jefferson, e Silveira, foram utilizados como “prova” de autoritarismo do “sistema”, invertendo por completo a realidade, pois era a agitação bolsonarista que recorria à coação.

Alguns elementos colhidos no noticiário o comprovam. Um coronel que comandava sete batalhões da Polícia Militar (PM) no interior de São Paulo, publicou convocação ao ato no Facebook, afirmando ser necessário, para “derrubar a hegemonia esquerdista no Brasil”, usar “tanque, não […] carrinho de sorvete”. Um major da PM de Goiás, também da ativa, cercado por policiais com armas longas, proclamou na TV Record, ligada à Igreja Universal, o lema bolsonarista: “Brasil acima de todos e Deus acima de tudo”. Outro coronel da PM paulista, este da reserva, chamou a enfrentar a entrada “lenta” do comunismo no país. Um terceiro coronel, reservista dos bombeiros do Ceará, conclamou à organização de agrupamentos para invadir o STF e o Congresso.

Além disso, a facilitação de armas e munição a atiradores, caçadores e colecionadores, que visava uma resistência a favor da “liberdade”, como o presidente deixou claro na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, dera resultado. Por meio do que os especialistas chamam de “infralegalismo autoritário”, o governo aumentara, na prática, a circulação de armamento por meio de “15 decretos presidenciais, 19 portarias e 2 resoluções que flexibilizam regras”. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), o registro de armas pulara de 637 mil, em 2017, para 1,2 milhão, em 2020.

Se agrupamentos civis armados, como os que aterrorizaram o Legislativo do Michigan, nos EUA, durante a pandemia, não apareceram no 7 de Setembro, apesar de bolsonaristas terem furado o bloqueio de segurança no Distrito Federal e invadido a Esplanada dos Ministérios na noite anterior, talvez se deva a uma avaliação de conjuntura. Como notou o filósofo Marcos Nobre, o objetivo era apenas preparar a “invasão do Capitólio”, não invadir.

Em suma, enquanto o projeto autocrático dava passos para derrubar a democracia por dentro das instituições, a técnica fascista mobilizava a massa para intimidá-­las desde fora. O pretexto era vingar­-se de uma suposta opressão do “sistema”, buscando isolar o “comandante” do mesmo, Alexandre de Moraes. No palanque da avenida Paulista, Bolsonaro chamou Moraes de “canalha” e afirmou que não respeitaria mais as suas determinações. Quarenta e oito horas depois, ligou para Moraes e emitiu nota em sentido contrário, dizendo ter falado no “calor do momento”.

Sabe­-se que os líderes fascistas projetam uma imagem ao mesmo tempo fraca e forte: “uma mistura de barbeiro de subúrbio e King Kong”. Aparecem como vítimas diante do “sistema” para, no momento seguinte, surgirem fortes, capazes de enfrentar o mesmo sistema. Produz-­se a identificação do oprimido que vira, projetivamente, opressor.

Pode­-se, com justeza, perguntar se o uso de tática e estratégia fascistas por parte de Bolsonaro não prenuncia a instalação de um regime fascista em caso de seu triunfo. Diante dos elementos disponíveis – em que o atual governo não organizou um partido, não deu curso a projeto imperialista nem construiu meios para controlar as relações sociais por vias partidárias ou estatais – acreditamos mais prudente falar de “autocratismo de viés fascista”. Com isso, indica­-se o componente fascista realmente existente, sem avançar sobre outros aspectos do regime autocratizante que nos ameaça, cujos contornos não estão claros.

*André Singer é professor titular do Departamento de Ciência Política da USP. Autor, entre outros livros, de Os sentidos do lulismo (Companhia das Letras).

Publicado originalmente na revista Lua Nova, no. 116.

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