Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
Desde 2010 que pagamos mais impostos para salvar as contas do Estado. Foi uma emergência. O Orçamento do Estado para 2023 devia agora responder a outra emergência: salvar as contas dos que defenderam o Estado em 2010. Não é isso que está a acontecer.
Que realidade é que este governo está a ver para negociar um acordo de Concertação Social a quatro anos que quase nada dá aos trabalhadores - e o pouco que promete já prevê que não será cumprido, ao depender de uma evolução positiva da economia?... (E como é que a UGT assinou aquilo?!...)
Que realidade é que este governo está a ver para fazer um Orçamento com o pressuposto de apenas 4% de inflação em 2023 (ninguém acredita, nem o Presidente da República!...)?
Que realidade é que este governo está a ver para achar suficiente enfrentar a subida dos juros à habitação com uma manobra inócua no IRS e uma paternal recomendação ao povo: "Negoceiem com os bancos!"?...
O busílis é este: não se analisou seriamente a hipótese de responder à crise corrente com uma maior ambição nas metas de aumentos salariais.
Se a subida salarial tivesse acompanhado a inflação desde 2010 até ao ano de 2020 quem, antes da chegada da troika, recebesse 899 euros mensais (o salário médio da altura) e tivesse o salário atualizado todos os anos deveria estar a ganhar, uma década depois, 1506 euros. Na verdade, o salário médio dos portugueses em 2020 foi, apenas, de 1042 euros.
Houve, portanto, uma perda média de poder compra do lado do trabalhador, ao fim de 10 anos, de 464 euros mensais nominais. É muito.
Até aceito que fosse irrealista, dada a sucessão de crises (dívida soberana, austeridade imposta pela troika, pandemia e, agora, guerra na Europa), manter no país uma subida salarial que respeitasse escrupulosamente uma regra de acompanhamento da inflação.
Mesmo assim, qualquer mente sã compreende que o fosso cavado entre o que se ganhava em 2010 e o que se recebe hoje em dia é demasiado profundo - e a injustiça disto é amargamente ressentida pela sociedade e refletida no voto zangado.
Esta política de empobrecimento de trabalhadores só foi parcialmente contrariada nos anos da "geringonça", que registaram um aumento médio anual do salário médio de 2,6%, contra uns escassos 0,3% registados nos anos de Passos Coelho.
Oiço imensa teoria económica papagueada há imensos anos a defender essas políticas de baixos salários "para melhorar a competitividade", dizem.
Por acaso, ó ironia, nessa década o país só teve crescimentos acima de 3,5% do PIB no quinquénio final, precisamente quando o salário médio mais cresceu. Se esses cinco anos consecutivos (interrompidos em 2020 pela pandemia e pelo fim da "geringonça") não servem, pelo menos, para duvidar, para problematizar, para refletir um bocadinho sobre todas essas certezas absolutas, então não posso confiar na sanidade desses raciocínios.
Por acaso, ó contradição, se olharmos para a década de Cavaco Silva, de 1985 até 1995, quando houve um ano em que o salário médio até subiu 19%, temos, coincidentemente, o período em que o valor do PIB português mais subiu em democracia, algumas vezes acima de 20% - também este facto não abala as certezas desta gente?....
Talvez pudessem admitir que a economia portuguesa se afunda se não tiver uma população com um poder de compra minimamente aceitável?...
Acham que o país se aguenta quando as pessoas continuarem, depois de dois anos de pandemia, a cortar nas despesas de restaurante, no "take away", na compra de jornais, num novo telemóvel, numa substituição da velha máquina da roupa, na casa alugada para férias, nas roupas, na farmácia, nos cosméticos, no automóvel?
E o que vai acontecer à economia, às empresas, quando as famílias, como já está a acontecer, aflitas, cortarem até nos consumos mais primários e mais básicos? Quando já decidem comprar um pão mais pequeno?... E quando deixarem de pagar a prestação da compra da casa? E quando as empresas, sem vendas por falta de consumidores, despedirem em massa?...
A folha de Excel do ministro das Finanças até deve estar certa, mas não corresponde à interpretação política correta do estado em que o país se encontra - agora, no meio desta guerra e desta inflação, as contas certas são relevantes, mas não podem ser o mais importante: prever um défice de apenas 0,9% e deixar o país na fronteira da fome é mesmo aviltante.
Fernando Medina e António Costa deviam ir a um grande hipermercado, sábado de manhã, falar com as pessoas que lá estão. Talvez assim percebessem, finalmente, que os salários têm mesmo de subir mais e que o acordo de concertação e o Orçamento que fizeram, simplesmente, não prestam.
*Jornalista
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