quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Portugal | ONDE VAI CAIR A CHUVA DE MILHÕES?

Inês Cardoso | TSF | opinião

Tem-se falado muito dos valores únicos de fundos europeus que vão chegar em 2023, mas ainda assim impressiona quando traduzimos os números por miúdos: decompostas as contas inscritas no Orçamento do Estado, estamos a falar de qualquer coisa como 22 milhões de euros por dia. A famosa "bazuca" não é sequer a fatia mais significativa, que se prevê seja assegurada pelo último ano de execução do Portugal 2020, juntando-se a estas duas parcelas o arranque da execução do Portugal 2030.

É sobre estes valores absolutamente históricos que assenta parte do investimento público, que por sua vez é em larga escala responsável pela previsão de crescimento de 1,3% apresentada pelo Governo. Se falhar a capacidade de execução de toda esta chuva de milhões, correremos sem dúvida riscos significativos no cenário macroeconómico. E os alertas estão aí, sendo o próprio presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Pedro Dominguinhos, a falar em "sérios riscos" de falharmos e a pedir a simplificação de processos.

O PRR é um exemplo de como o país continua a optar por modelos centralizados de gestão, mais ainda do que nos quadros regionais, também eles alvo de queixas sistemáticas das comissões de coordenação e desenvolvimento, que sentem limitações e reclamam "maior autonomia de gestão". Apesar dos discursos políticos sobre descentralização e desconcentração, boa parte dos fundos é decidida à cabeça pelo Governo central, que acaba por usar os programas comunitários como suplemento dos orçamentos dos ministérios.

Palavras como assimetrias e desequilíbrios territoriais estão mais do que debatidas, mas continua a parecer existir pouca vontade de mudar o modelo de governação. Não se trata, necessariamente, de retomar o tema da regionalização, que o líder do PSD adiou sine die, aparentemente sem grande inquietação do primeiro-ministro e do presidente da República. As soluções poderão ser outras, mas não deixa de ser inquietante que Portugal se mantenha como um dos países mais centralizados da Europa, depois de tantos estudos mostrarem inequívoca relação entre a existência de níveis próximos de decisão e desenvolvimento económico.

É provável que os territórios ditos de baixa densidade lavrem em equívocos quando tentam competir com polos de atração em parâmetros como a atividade empresarial. Haverá casos pontuais de sucesso, mas regra geral as dinâmicas económicas exigem uma confluência de fatores como a qualificação e investigação, a existência de infraestruturas e tecnologias que assegurem ligações rápidas, redes de interligação entre setores produtivos que estimulem um ambiente competitivo e concorrencial. A excelência atrai excelência, a atividade atrai atividade, emprego e pessoas atraem-se mutuamente.

Quer isso dizer que a batalha está perdida e uma parte do território está condenada ao esvaziamento? Obviamente não. Pelo contrário, o que se exige é a capacidade de pensar em receitas locais, desenhadas à medida dos territórios. O que só será possível quando quem toma as decisões sobre políticas, alocação de recursos, prioridades de investimento e gestão de verbas conhecer a malha fina e trabalhar soluções distintivas para cada local.

Os milhões, por si só, não são garantia de mudança no país que somos e na forma cada vez mais periférica como nos posicionamos no contexto europeu. E não há receitas únicas nem fórmulas mágicas de sucesso. Mas quanto mais forem desenhadas à medida, mais real será a perspetiva de os milhões serem transformadores.

Sem comentários:

Mais lidas da semana