quarta-feira, 30 de março de 2022

“QUITA FUZIL”

Martinho Júnior, Luanda

EM 1975 EM ANGOLA, MUITOS DE NÓS FOMOS “QUITA FUSIL”.

A PAZ POSSÍVEL EM ANGOLA, CONSTRUIU-SE TAMBÉM COM A RECOLHA DE ARMAS E A DESMINAGEM EM TODO O ESPAÇO NACIONAL.

A PAZ NO MUNDO VAI PASSAR TAMBÉM PELA DESMILITARIZAÇÃO E A DESNAZIFICAÇÃO, IMPLICANDO A TRANSFORMAÇÃO DAS ARMAS EM ARADOS, NA JUSTA PRODUÇÃO DE PÃO PARA TODA A HUMANIDADE!

Em Outubro de 2004 o desaparecido semanário Actual dirigido por Leopoldo Martinho Baio, levou-me a Cuba, numa viagem emocionante de curta duração, a fim de participar na Bienal dos Correspondentes de Guerra que se realizava em Havana…

Naquela altura, nesse semanário havíamo-nos batido pela “Operação Carlota II” que poderia dar sequência à original, que tanto teve que ver com a libertação da África Austral do colonial-fascismo e do “apartheid institucional” imposto pela “irmandade afrikander” veladamente apoiada pelos interesses do império que se haveria de tornar em “hegemon” unipolar!

Posto em Havana, além de ter participado na Conferência e numa Mesa Redonda dedicada a ela, nas minhas horas vagas empatei praticamente todo o “dinheiro de bolso” na compra de livros e entre eles, consegui uma preciosidade: “Secretos de generales”, da autoria de Luis Baez…

Era um compêndio resultado dum conjunto alargado de entrevistas do autor a muitos dos generais que duma forma ou de outra haviam estado implicados na luta de libertação de Cuba (Movimento 26 de Julho) e de lugares distantes em África e na América!

Foi assim que melhor conheci a epopeia do general de brigada Rafael Moracén Limonta, “QUITA FUZIL”, que agora passou para a eternidade como um dos melhores filhos de Cuba, de Angola e de toda a humanidade, por que toda a sua vida é fonte de inspiração, substantivo exemplo de lógica com sentido de vida!...

O EMBAIXADOR E AS MARGENS DO RIO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Esta pode ser a minha última oportunidade de ser consagrado ao Sagrado Coração de Maria e com essa oportuna consagração conseguir o estatuto de refugiado ucraniano. A Comissão Episcopal de Justiça e Paz, órgão da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), sabe o que é violência. Sabe o que é um ultraje. Mas vou vestir a pele de colaboracionista e dar às senhoras e senhores bispos a perspectiva de um pecador recalcitrante mas que deve ser tomada em conta.

O velho Brecht escreveu um poema que até o soldado motorista do RI20 conhece. Foi por provar que sabe duas estrofes da peça, que o genial escritor foi admitido na Academia Angolana de Letras. Não chegou a fazer o exame das maiúsculas e das minúsculas, que ele trata carinhosamente por gordas e magras, porque os examinadores estavam de férias.

Brecht lembrou aos que só conseguem ver o mundo a preto e branco: Chamam violenta à correnteza do rio que tudo arrasta. Mas ninguém chama violentas às margens que o oprimem. As enxurradas são violentas. Mas as valas de drenagem obstruídas também são violentas. Uma bofetada do engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior num democrata é uma violência e um ultraje. A resposta ao ultraje na mesma moeda é um acto de justiça.

A UNITA proclamou aos sete ventos, no dia seguinte às eleições de 2017, que houve fraude eleitoral. Uma semana depois os seus dirigentes e propagandistas mudaram o disco: Há fraude eleitoral nas eleições de 2022! Todos os dias invocam a fraude eleitoral que aí vem. Violência e ultraje, senhoras e senhores bispos! É uma violência contra os eleitores. É uma violência contra milhares de cidadãs e cidadãos que fazem parte das assembleias e mesas de voto. É uma violência para os militantes e dirigentes dos outros partidos. É uma violência para todas e todos os membros da Comissão Nacional Eleitoral. Também é um ultraje que ninguém pode nem deve tolerar. 

Os militares não estão rastreando oficiais treinados pelos EUA na África

O AFRICOM diz que promove os direitos humanos e o estado de direito, mas não sabe por que os estagiários estão derrubando seus próprios governos.

# Traduzido em português do Brasil

Nick Turse | Responsible Statecraf

Nos últimos dois anos, oficiais treinados nos EUA derrubaram governos da África Ocidental pelo menos quatro vezes. Mas o Comando dos EUA para a África (AFRICOM) não consegue explicar por que e não sabe exatamente com que frequência isso aconteceu.

Na semana passada, líderes seniores do Exército dos EUA e mais de 40 nações africanas se reuniram em Fort Benning, Geórgia, para a 10ª Cúpula das Forças Terrestres Africanas. O tema tinha o título cativante: “Instituições resilientes constroem líderes resilientes”. A experiência, disse o major-general Andrew M. Rohling, comandante da Força-Tarefa Sul-Europeia do Exército dos EUA, África, “seria boa para mostrar uma maneira, a maneira americana, de treinar e formar líderes não apenas em suas tarefas táticas , mas no ethos do Exército dos Estados Unidos, os valores e a disciplina que são uma marca registrada do meu Exército.”   

Esses valores têm faltado na África Ocidental, onde oficiais treinados pelos EUA tentaram pelo menos nove golpes (e conseguiram pelo menos oito) em cinco países da África Ocidental, incluindo Burkina Faso (três vezes), Guiné, Mali (três vezes), Mauritânia e Gâmbia. Os quatro golpes mais recentes de estagiários dos EUA ocorreram em Burkina Faso (2022), Guiné (2021) e duas vezes no Mali (2020 e 2021).

Brasil | INFLAÇÃO, CARESTIA E ELEIÇÕES

A persistência da equipe do aprendiz de banqueiro em menosprezar o fenômeno da retomada da inflação como um assunto sério e com graves consequências em termos sociais e políticos começa a incomodar aquele que é candidato à sua própria reeleição ao Palácio do Planalto.

Paulo Kliass* – de Brasília | Correio do Brasil | opinião

As páginas de economia dos jornalões e as telinhas dos grandes meios de comunicação não conseguem mais deixar de mencionar a escalada de preços que vem ocorrendo em nossa sociedade ao longo dos últimos meses. Ao que tudo indica, até mesmo o quarto ano consecutivo da presença do todo-poderoso-super-ministro Paulo Guedes no comando da economia vai se revelar um desastre completo. Aquele que era saudado por grande parte das elites tupiniquins e dos operadores do mundo do financismo como o redentor de todos os nossos pecados, na verdade vai entrar para a história como o destruidor do Estado e o desmontador das políticas públicas. Mas também vai ficar reconhecido por sua mais completa incompetência para solucionar problemas macroeconômicos básicos em conjuntura adversa. A se confirmarem a expectativas do próprio sistema financeiro para o ano em curso, o quadriênio 2019/22 deverá registrar um crescimento nulo das atividades econômicas medidas pelo PIB.

A persistência da equipe do aprendiz de banqueiro em menosprezar o fenômeno da retomada da inflação como um assunto sério e com graves consequências em termos sociais e políticos começa a incomodar aquele que é candidato à sua própria reeleição ao Palácio do Planalto. Os responsáveis pelo Ministério da Economia e pelo Banco Central insistem em considerar o aumento do IPCA como mera consequência de um aumento desproporcional da demanda sobre a oferta. Assim, a única solução que conseguem enxergar em sua miopia econômica é o esfarrapado recurso ao aumento da taxa oficial de juros. E foi exatamente o que fizeram. Ao longo dos últimos 12 meses, a Selic saiu do patamar de 2% ao ano para chegar aos atuais 11,75%. Mas ao contrário do prometido pelo povo do financismo, a inflação não arrefeceu. Muito pelo contrário, os preços continuaram a subir.

Essa insistência da realidade em negar os modelitos de planilha dos neoliberais de carteirinha terminou por provocar, ora, vejam só!, uma reação inusitada do Presidente do Banco Central. Para Roberto campos Neto, a grande dúvida permanece sendo a busca de uma explicação razoável para a ausência de crescimento de nosso PIB, mesmo depois de eles terem implementado a agenda das reformas. É provável que daqui a pouco ele também venha a público para colocar a dúvida sobre as razões para tal persistência da inflação, apesar da explosão da taxa de juros. É a tal da teimosia do fenômeno real, que insiste em incomodar as certezas das simplórias explicações de gabinete da tecnocracia.

PETRÓLEO: A ESTRATÉGIA PARA A RECOLONIZAÇÃO

# Publicado em português do Brasil

Desmembramento, captura e privatização total da Petrobrás estão em curso. Caso se completem, Brasil perderá chance de superar regressão produtiva e política em que mergulhou. É possível reverter o processo – mas não sem conhecê-lo a fundo

Antonio Martins* | Outras Palavras

Imagine que você, governando o Brasil, tencionasse privatizar a Petrobrás – objetivo que tanto Jair Bolsonaro quanto Paulo Guedes admitiram perseguir, em mais de uma ocasião. Haveria dois caminhos. Propor claramente a medida, abrindo, com a sociedade, um amplo debate sobre o tema. Ou sabotar a estatal, por meio de políticas que eliminem seu caráter de empresa pública; que a indisponham com a maioria da população; que transfiram seus recursos para especuladores privados; e que, por fim, desintegrem-na, desmembrando de seu corpo subsidiárias e operações essenciais à sua sobrevivência. Nos dois primeiros textos (1 2) desta série, vimos como esta estratégia está sendo executada por meio de políticas como o PPI (que torna extorsivos os preços dos combustíveis) e de um “golpe corporativo” que mudou os estatutos da estatal para transferir, aos acionistas privados, até 97,3% dos lucros da companhia.

Vamos focalizar agora a terceira parte do esquema. Veremos como avançaram, no governo Bolsonaro, o desmanche e a venda fatiada da estatal. E examinaremos o caráter recolonizador deste processo. Se não for freado a tempo, ele eliminará duas alavancas que podem ser indispensáveis para reverter a decadência acelerada do país. O Brasil perderá a riqueza petrolífera do pré-sal, onde pode estar a terceira maior reserva de óleo do planeta. E ficará privado da capacidade da própria Petrobrás para apoiar, como empresa pública, ações cruciais – a transição para energias limpas, a reconstrução da indústria nacional, a recuperação do atraso científico e tecnológico, o controle dos riscos ambientais, os programas de fomento à cultura, entre muitas outras.

* * *

A venda fatiada da Petrobrás é um processo único no mundo. Não há notícia de outra empresa petroleira que, desejando manter-se à tona, tenha se desfeito de tantas operações lucrativas e essenciais à própria integração de suas atividades. Por isso, o mais preciso é chamar o movimento de desmanche. Segundo o Observatório Social da Petrobrás (hoje fora do ar, após ação de censura movida pela estatal), a liquidação já privou a empresa de patrimônio avaliado em R$ 243,7 bilhões. Iniciado no governo Temer (R$ 78,5 bilhões de patrimônio perdido), o processo ganhou enorme velocidade com Bolsonaro (R$ 138,2 bi)1 A Petrobras foi privada, entre outros, da BR Distribuidora e da Liquigás; de duas refinarias, inclusive a RLAM baiana, primeira do Brasil (está programada a venda de mais seis); de duas redes de gasodutos, no Norte-Nordeste (TAG) e Sudeste (NTS); de seis termelétricas. Seu braço petroquímico (sociedade na Brasken, que reúne 29 fábricas no Brasil e 11 nos EUA, Alemanha e México) está sendo extirpado, com alta probabilidade de a empresa passar a controle estrangeiro). Duas de suas usinas de fertilizantes (na Bahia e Sergipe) foram arrendadas, a de Três Lagoas (MS) tem venda compromissada para o grupo russo Acron e a Araucária (PR), está na boca da caçapa.

GENERAL MORACÉN HERÓI DA LIBERTAÇÃO

O general Moracén foi um dos combatentes da Grande Batalha do Ntó, em Novembro de 1975. Conheci-o em Cabinda e passámos longas horas à conversa, muitas delas com o comandante Margozo. Ficámos amigos. Quando trabalhava no Jornal de Angola deslocava-me a pé e por alturas da Sagrada Família encontrava-o, no regresso da sua corrida matinal. Dois dedos de conversa, ouvíamos as últimas notícias das zungueiras que tinham banca no passeio e cada qual seguia o seu destino. Em 28 de Agosto de 2008 publiquei no jornal a entrevista que vos deixo. Não se admirem por falarmos muito do Presidente José Eduardo dos Santos. Embora quase todos já tenham esquecido, essa é a data do seu aniversário. Como eu sou dois anos mais novo do que ele, ainda me lembro. 

General Moracén herói da libertação

Artur Queiroz*, Luanda

“O Presidente José Eduardo dos Santos é o engenheiro da paz e da unidade dos angolanos”. 

“A Independência Nacional foi um sonho que realizei e ainda me parece irreal”. 

Estas palavras são de Humberto Macedo, angolano nascido na Chibia no ano de 1939 mas cresceu em Fernão do Pó, um território na costa de África onde se falava espanhol. Chegou a Cabinda em 1965 para fazer a luta armada de libertação nacional. Foi companheiro de Hoji ya Henda, Iko Carreira, Kiluanji, Pedalé, Dibala, Ingo, Bula Matadi e outros comandantes da guerrilha. Um dia partiu para um lugar de lado nenhum. Reapareceu em 1975 para ajudar a subir a Bandeira Nacional no dia 11 de Novembro. É um dos heróis da Grande Batalha do Ntó, em Cabinda. Hoje “Macedo” é o general Moracén, adido militar de Cuba em Angola e antigo combatente da Sierra Maestra.

Um homem que fez a guerrilha em 1965 como vê a Independência Nacional?

Com muita emoção, para mim é um sonho realizado, mas como ando sempre a pé pelas ruas de Luanda dou comigo a pensar que ainda estou a viver um sonho. E interrogo-me se é mesmo verdade. Mas a realidade está aí.

É um dos construtores dessa realidade, que significado tem para si?

Sinto um orgulho imenso. Trabalhei com Agostinho Neto e aprendi tanto com ele! Fui companheiro de Hoji ya Henda, Iko Carreira, que na altura era o comandante das forças armadas revolucionárias, Pedalé, Kiluanji, Ingo, Dibala, Ludi, Xyetu e muitos outros. Convivi com essa figura ímpar que é Lúcio Lara. A independência é obra de todos essas companheiros, mas esta Angola de hoje e da qual me orgulho é filha do génio de José Eduardo dos Santos.

Está a falar da paz e da reconciliação nacional?

José Eduardo dos Santos é o engenheiro da paz e da unidade. Sem paz nada pode avançar. Sem a unidade e uma consciência nacional forte nem sequer podemos falar de um país. O Presidente José Eduardo conquistou a paz e a unidade. Dedicou toda a sua vida a esta causa. Costumo dizer aos meus amigos que antigamente eu era mais velho do que ele, mas agora depois de tanto esforço, ele ficou mais velho do que eu.

É a opinião do general Moracén ou do angolano Humberto, da Chibia?

É a opinião dos dois. Eu costumo dizer que o povo angolano teve muita sorte com os seus líderes. Primeiro, Agostinho Neto, o pai da independência, que foi incansável na luta contra o colonialismo, o racismo e o tribalismo. Foi ele que criou a consciência nacional. Depois José Eduardo dos Santos, o engenheiro presidente, que anda há 35 anos a lutar pela paz e a unidade. Ganhou a guerra e agora está a ganhar a batalha do desenvolvimento. É preciso que se mantenha forte e sempre jovem para aguentar os desafios que os angolanos ainda têm pela frente.

Que aspectos destaca no seu percurso?

Tudo merece destaque. Chegou à Presidência em 1979 e teve de dirigir o povo na guerra contra as agressões estrangeiras. Mas foi ele que fez os acordos de Nova Iorque e o acordo de Bicesse, mudando profundamente a sociedade angolana. Temos as eleições de 1992 e aquela vitória estrondosa. Quando Savimbi regressou à guerra, criou condições para que os deputados eleitos da UNITA continuassem a trabalhar no parlamento. Arquitectou o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional com ministros de todos os partidos da oposição. Voltou a ganhar eleições. Está a dirigir o país numa conjuntura internacional desfavorável.

Quais são os efeitos da crise em Angola?

A crise que rebentou há três anos afectou todo o mundo. Mas os seus efeitos em Angola mal se sentem. José Eduardo dos Santos é um líder extraordinário e o mundo de hoje precisa dele. Desejo que cumpra muitos anos de vida para que continue a unir os angolanos, a consolidar a paz e a promover o desenvolvimento social de uma forma harmoniosa. Angola, o continente africano e o mundo não podem dispensar um líder que conhece todos os caminhos que vão dar à paz.

Vamos voltar a Humberto Macedo, em 1965, na região de Cabinda. Qual era a sua missão?

Fidel Castro escolheu um grupo de seis revolucionários do Exército Rebelde para vir combater em Angola, na sequência da reunião que Che Guevara teve com Agostinho Neto, em Brazzaville. Eu fui nomeado o chefe do grupo. Viemos como instrutores, mas também participei nos combates. Estive dois anos no maquis e organizei as colunas Cienfuegos, Camy e Bomboko, que partiram para a I Região. Depois parti para outras missões e só voltei em 1975.

Para participar na Grande Batalha do Ntó? 

Sim, estive nessa batalha. O inimigo foi derrotado quando pensava que tinha caminho aberto para tomar a cidade de Cabinda. Eles diziam que a província por ali era indefensável. Mas nós cavámos quilómetros de trincheiras, acomodámos as tropas e quando eles entraram com todas as suas forças, foram esmagados. A batalha durou três dias e foi uma coisa heróica. O batalhão angolano era comandado por Max Merengue. Entre os oficiais cubanos estava o próprio comandante Espinoza.

Quem eram os dirigentes do MPLA que em 1965 conduziam a luta armada de libertação nacional?

Em Brazzaville encontrei na direcção política Agostinho Neto, o reverendo Silva, Lúcio Lara, Azevedo e o comandante das forças revolucionárias, Iko Carreira.

Participou em muitos combates?

Entrei em todos os que pude. Nessa altura os combatentes andavam sempre a dizer: a luta é longa! Um dia fomos atacar o quartel das tropas portuguesas em Buco Zau. Eu propus abrirmos fogo mas havia camaradas que não queriam, até porque estávamos muito longe e as balas nem chegavam lá. Mas mesmo assim decidi fazer umas rajadas em direcção ao quartel. Um minuto depois comecei a ouvir um tiroteio tremendo, explosões de granadas, um pandemónio. E nós lá do alto a vermos tudo. Virei-me para os companheiros e disse-lhes: afinal a luta é mesmo longa!

Humberto Macedo já foi à Chibia?

Tenho percorrido o país todo e o que vejo é extraordinário. Por todos os lados nascem escolas, centros de saúde, estradas, casas. Mais uma vez tenho que referir o génio de José Eduardo dos Santos. O mundo mergulhado numa crise tremenda e em Angola o Estado Social continua forte e em expansão. Claro que existem dificuldades, sobretudo no mundo rural, onde falta quase tudo. Mas a economia está a crescer e o país melhora a olhos vistos. O que mais me agrada é que vejo os angolanos felizes. Por isso digo que José Eduardo dos Santos faz muita falta a Angola. Os problemas ainda não estão todos resolvidos.

O que pensa da Oposição?

Os partidos da Oposição fazem o seu papel e eu penso que estão a trabalhar bem. Mas sinto uma grande decepção quando leio nos jornais de fim-de-semana aqueles artigos contra os angolanos ricos, ou novos-ricos como eles lhes chamam. Fico triste porque me dá a ideia que eles querem o regresso dos ricos colonialistas e daqueles estrangeiros que durante séculos escravizaram o povo angolano e roubaram as riquezas de Angola.

Tem alguma relação pessoal com o Presidente José Eduardo?

Quando chegou à Presidência trabalhei com ele algum tempo, sou fundador daquela que é hoje a Unidade da Guarda Presidencial. No meu regresso a Angola, como adido militar de Cuba, teve a gentileza de me receber. Tenho pelo Presidente José Eduardo um grande carinho, consideração e respeito.

Como define o político José Eduardo?

Um homem de paz e o construtor da unidade dos angolanos. Ele sabe que sem unidade nada se consegue. Quando cheguei à guerrilha, em 1965, nem sequer existia uma consciência nacional. Hoje Angola não tem problemas de racismo nem de tribalismo. A valentia de José Eduardo dos Santos vê-se na nomeação do general Nunda para comandante das Forças Armadas. Todos sabemos que é um oficial oriundo das forças da UNITA. Mas o Presidente da República confiou-lhe o cargo sem hesitar. Os angolanos devem a paz e a unidade a José Eduardo dos Santos.

Conhece exemplos idênticos em África?

Não há nada igual em África ou  no mundo. O que José Eduardo dos Santos fez em Angola é único. Conheço muitos países africanos que são independentes há mais de 50 anos e não têm uma estrada que ligue o país de Norte a Sul. Angola tem as capitais provinciais ligadas com estradas asfaltadas.

Rafael Moracén Limonta aliás Humberto Macedo 

O general Rafael Moracén Limonta entrou muito jovem para o Exército Rebelde que na Sierra Maestra combatia pela libertação de Cuba. Fazia parte da Terceira Frente, comandada pelo mítico comandante Juan Almeida.
Fez parte de um grupo de combatentes que foi treinado para combater com Che Guevara em África. Quando “El Che” esteve em Brazzaville a conferenciar com Agostinho Neto, recomendou a Fidel que seleccionasse um grupo de combatentes para dar instrução militar aos guerrilheiros angolanos. Moracén foi nomeado o chefe do grupo.
Para que não acusassem Agostinho Neto de estar a recrutar estrangeiros para a luta de libertação, Moracén foi “nacionalizado”. O seu cartão de membro do MPLA diz que é Humberto Macedo, natural da Chibia. Se fosse feito prisioneiro tinha uma desculpa para não falar português: “Fui muito novo para Fernão do Pó onde só se fala espanhol. Quando soube que havia uma luta revolucionária para a libertação de Angola, juntei-me à guerrilha”.
Chegou a Cabinda com 26 anos. Hoje tem 72 e é general das Forças Armadas Revolucionárias Cubanas, desempenhado o cargo de adido militar na embaixada do seu país em Luanda.

*Jornalista

BÚSSOLA PARA A IDENTIDADE NACIONAL E PARA O PATRIOTISMO EM ANGOLA

Martinho Júnior, Luanda

DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO, A FAMÍLIA LARA TEM ASSUIMIDO UM PAPEL PATRIÓTICO IMPRESCINDÍVEL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL ANGOLANA.

O CAMARADA GENERAL PAULO LARA FOI EM VIDA UM DOS EXPOENTES DESSA SAGA, QUE VAI JÁ EM TERCEIRA GERAÇÃO. 

COM A ASSOCIAÇÃO TCHIWEKA DE DOCUMENTAÇÃO É TODA UMA CULTURA DE DIGNIDADE QUE SE ABRE EM BENEFÍCIO DO POVO ANGOLANO E DA PAZ.

01- A família Lara tem assumido um protagonismo central no processo de luta do povo angolano em prol de sua independência e soberania, enquanto autora e narradora da história angolana contemporânea, em busca de identidade nacional, em busca de construção duma pátria capaz de, em colectivo, respeitar todos os seus filhos, em busca de coerência em termos de lógica com sentido de vida, ainda que enfrentando obstáculos e vicissitudes de toda a ordem!

Tem sido assim essa saga eminentemente cultural, assumindo autoria desde as primeiras horas da luta armada contra o colonial-fascismo português, contra o “apartheid”, contra as suas sequelas e contra o neocolonialismo exacerbado pelos impactos do capitalismo neoliberal que nocivamente contamina a relativa paz tão dificilmente alcançada a 4 de Abril de 2002!

Tudo tem sido feito respeitando o povo angolano e os povos do Sul Global!

Tudo tem sido feito vencendo as barreiras que lançam obstáculos à construção da identidade nacional!

Tudo tem sido feito honrando o passado e a nossa história!

Tudo tem sido feito até como fonte inspiradora para outras instituições ávidas de coerência patriótica e clarividência intelectual, com todos os sentidos colocados no povo angolano, nossa incontornável matriz comum!

O Amplo Movimento enquanto patriótica bússola, é por si uma trincheira de coerência que está a atravessar épocas e na família Lara, o camarada general Paulo Lara é um dos artífices dessa trilha, por dentro da essência da trilha da independência nacional, simultaneamente autor e narrador de história, de imenso respeito e amor pelo povo!...

Por essa razão, Paulo Lara se preocupou em transmitir às gerações que se seguem a substância dessa cada vez mais vasta trilha, a primeira das lições do compêndio que se tornou o documentário histórico dos Trilhos da Independência!...

CONTOS POPULARES ANGOLANOS

A Dor da Fome Chegou nas Asas do Feitiço

Seke La Bindo

Mbumba era um verdadeiro chefe da aldeia e fazia tudo para que os vizinhos fossem felizes. Apesar dos seus esforços, a região de Cahembo foi assolada pela fome e a doença. Passou um ano e nada mudou. 

No segundo ano de dor e tristeza, ele resolveu ir a Camba Canga, terra de abundância localizada na foz dos rios Luchico e Luangue. Nessas paragens existia um sábio que sabia tirar os feitiços aos enfeitiçados. Tanta desgraça só podia ser filha de um poderoso feitiço, da mais terrível das maldições.

Tudo começou quando o soba Satxombo foi visitar Satxiuca, uma aldeia dos seus domínios. Quando estava reunido com os velhos, caiu-lhe ao chão um chifre de antílope, onde ele guardava os feitiços. Nessa mesma noite, morreu a mais bela jovem da aldeia. 

Satxombo foi muito criticado, porque um rei não lança feitiços mortais sobre os seus súbditos. Acontece que o povo de Satxiuca reparou que o velho soba estava acompanhado de uma jovem, sua mulher. E durante o óbito, as mulheres cantaram:

- Satxombo uenda nhi mbinga iá uanga! Uambata txengue nzala caívie: Satxombo anda com chifres. Quem se amigou com mulher jovem não sente fome.

Ninguém sabe porquê, mas desde então a fome e a doença caíram sobre aquelas terras. Um dia Mbumba ouviu uma pobre mulher, acompanhada de seus sete filhos, lamentar: 

- Nzala icolaio! A fome dói muito! 

Foi então que decidiu tirar os feitiços a todos os seus conterrâneos. O primeiro a ser desarmado tinha que ser o feiticeiro Ndende, também conhecido por Muaua.

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