quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Angola | MAU JORNALISMO E BOA MILITÂNCIA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente Hakainde Hichilema, da Zâmbia, está de visita a Angola. O noticiário da TPA hoje, às 13 horas, dedicou praticamente todo o espaço ao acontecimento, com estas parcelas: O Presidente João Lourenço falou, num tom fastidioso e monocórdico, durante 21 minutos. O Chefe de Estado zambiano foi mais modesto e falou sete minutos. A conferência de imprensa que se seguiu ficou esgotada com uma pergunta de um jornalista angolano e uma pergunta de um jornalista zambiano. Ao todo a peça durou 52 minutos.

Má notícia para quem gere a televisão em Angola: Não é assim que se faz jornalismo no audiovisual. Não passa pela cabeça do jornalista mais tapado, mais incompetente e mais irresponsável pôr o Presidente João Lourenço a falar durante 21 minutos sobre a visita do seu homólogo zambiano. Fazê-lo, tem o seu quê de loucura irremediável.

Sob o ponto de vista económico é uma tragédia. Um anúncio de 20 segundos, fora de horário nobre, pode custar 5.000 euros. Baratinho. Porque de há muitos anos a esta parte, as tabelas publicitárias na televisão têm descontos de 80 e 90 por cento. Foi assim que os donos da Redacção Única rebentaram com a Imprensa e puseram a Rádio de joelhos. Isto é uma forma insidiosa de censura mas ninguém fala dela. A festança continua porque ninguém trava este atentado gravíssimo à liberdade de imprensa.

Daqui parto para o livro de José Guerreiro, “EU, O MEU PERCURSO, O MEU PARTIDO”. Faço desde já uma declaração de interesses. Sou camarada e amigo do autor. E entre os milhões de angolanos que sabem ler e escrever, devo ser o único que já leu a obra duas vezes. A primeira, durante dez horas consecutivas. A segunda, durante um fim-de-semana. Conclusão: Um livro importantíssimo. Sobretudo para os militantes e dirigentes do MPLA. É a primeira vez que um militante activo fala de uma forma desassombrada e sem auto-censura das suas actividades partidárias.

José Guerreiro prestou relevantíssimos serviços ao MPLA e ao Povo Angolano. Sei disso não por ouvir dizer. É um saber de experiências feito. Não merece que o seu livro seja apresentado como um grito de revolta por ter sido exonerado do cargo de presidente do conselho de administração da TPA ou alguém que entrou em rota de colisão com esta ou qualquer outra direcção do partido. Os conteúdos do livro são importantíssimos e não podem ser fulanizados. Se eu tivesse responsabilidades na organização de massas e na esfera ideológica do MPLA fazia tudo para que cada comité de acção tivesse um exemplar da obra de José Guerreiro. Estimulava leituras colectivas, individuais e discussões sobre o tema.

O instrumento de agressão chamado Club K reduz o importantíssimo livro a uma questão pessoal devido à exoneração do autor do conselho de administração da TPA. E a uma constatação do autor: A TPA é controlada editorialmente pela Presidência da República e pela segurança interna. O noticiário de hoje, às 13 horas, no canal público de televisão prova esta afirmação. Mas sempre foi assim.  

O autor de “EU, O MEU PERCURSO, O MEU PARTIDO” dedica algumas páginas à questão da intolerância no seio do MPLA. A tropa da falsificação e manipulação retirou essa parte do contexto geral para mostrar as garras. José Guerreiro não escreveu um manual escolar ou de edificação moral. Por isso não explica em profundidade essa parte da “intolerância”. Vou explicar eu. O MPLA nasceu como um “amplo movimento” que juntou todas as forças nacionalistas. Mas logo a seguir à fundação surgiu uma corrente revolucionária que defendia a luta armada. Triunfou. A prova disso é o 4 de Fevereiro de 1961 e sobretudo os longos anos de luta armada de libertação nacional, até 2002.

Um movimento revolucionário que atingiu o estádio supremo (luta armada contra o colonialismo) não pode tolerar acções e práticas contrárias ao seu programa. Tem mesmo de ser intolerante. Se assim não for, é derrotado. E a tolerância pode significar perdas de vidas humanas. Como todos sabemos (alguns fingem que não sabem...) apenas uma minoria, esclarecida e corajosa, aderiu à luta armada. Se a direcção do MPLA, em nome da “tolerância” permitisse que essa minoria morresse nas frentes de combate, era a tragédia total. E ainda hoje Angla era uma colónia.

A guerra colonial acabou. Mas a “intolerância” no seio do MPLA continuou. Facilmente se percebe porquê. Desde 25 de Abril de 1974 até hoje, dia 11 de Janeiro de 2022, o MPLA não teve uma fracção de segundo de descanso. Os ataques sucedem-se. Surgem constantemente novos golpes e golpadas. As sucessivas direcções não têm descanso. Há uma espada em riste, sempre pronta a decapitar o MPLA. Daí a tolerância ter pouco espaço. Eu compreendo. O José Guerreiro não. E daí? Continuamos amigos e camaradas. Agradeço-lhe muito o livro.

Um exemplo gritante. O assassino e criminoso de guerra Abílio Camalata Numa deu o nome a um insulto soez, por escrito, no Club K. O traidor a triplicar (traiu a Igreja que o ensinou a ler e escrever, ainda que pessimamente, traiu o criminoso de guerra Jonas Savimbi e trai o Povo Angolano que lhe paga principescamente para insultar e ameaçar) diz que “O MPLA devia ter vergonha pelos 47 anos de governação que formou militantes em vez de cidadãos”.

Sim, o MPLA formou militantes. Graças a essa formação, Angola é independente. Os militantes garantiram a soberania nacional e a integridade territorial. Os militantes formados ao longo de 47 anos são uma muralha intransponível aos golpes criminosos da UNITA. 

Se o MPLA mão tivesse formado militantes, hoje o Povo Angolano estava sob a patorra do regime de apartheid que os sicários da UNITA serviram numa guerra sem quartel contra Angola independente. Os militantes do MPLA continuam a lutar até à vitória final. E essa vitória só é possível quando traidores como Abílio Camalata Numa e organizações terroristas como a UNITA se integrarem no regime democrático.

O MPLA fez muito pelo Povo Angolano, desde a sua fundação. Mas o serviço mais relevante foi ter formado militantes que abnegadamente garantem a todos, liberdade e cidadania. Sem os militantes do MPLA jamais existiriam cidadãs e cidadãos angolanos.

Intolerância sem limites contra os traidores, os genocidas, o banditismo político. A luta continua e a vitória é certa. Juro mesmo!

*Jornalista

1 comentário:

JOEL PALMA disse...

Trata-se de assunto diferente do texto, mas relevante: https://www.oprotagonistapolitico.com.br/apos-mais-de-20-anos-ana-montes-e-libertada/
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64200653

Mais lidas da semana