quarta-feira, 22 de março de 2023

A LUTA PELA LIBERDADE EXIGE DIGNIDADE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Ao longo da minha carreira profissional trabalhei em 32 órgãos de comunicação social, desde a imprensa regional à internacional. Nunca gostei de ficar ancorado muito tempo na mesma redacção e quando me sentia prisioneiro cortava as amarras e partia para outra. De alguns jornais fui despedido porque a entidade patronal alegou que faltei ao respeito aos donos. De um fui despedido porque corri com um administrador da redacção que eu chefiava. Ele foi chantagear e ameaçar os jornalistas em greve e eu dei-lhe umas chapadas e pontapés. Justa causa. No Jornal de Notícias do Porto arranjei uma maka mundial. Já conto.

Numa das páginas de economia saiu uma notícia com este título: “Ele Fugiu para a Liberdade”. Fui ler e era um senhor da Alemanha Democrática que “saltou o muro da vergonha” para Berlim ocidental na então República Federal da Alemanha. Apresentei queixa ao Conselho de Redacção por grave violação dos preceitos éticos e deontológicos. O fugitivo saiu de uma Alemanha para a outra mas um jornalista digno da profissão que abraçou não pode dizer que fugiu para a liberdade. Ele misturou opinião com informação e isso é proibido.

O Conselho de Redacção reuniu com o director do jornal e todos concluíram que eu tinha razão. E por aí ficaram. Exigi que fosse publicado um pedido de desculpas aos leitores e o jornalista se retratasse do crime grave que cometeu contra o Jornalismo. Todos contra mim mas para não me aturarem mais, o pedido de desculpas foi publicado e o propagandista barato disfarçado de jornalista pediu desculpas por ter introduzido “um grão de opinião na notícia”. O artista, mais tarde foi para a RTP e um dia visitou os EUA. Quando regressou já era um agente declarado. Antes recebia por baixo da mesa.

O jornal angolano onde comecei a minha carreira profissional também me despediu sem justa causa e sem pagamento do salário. Ameacei o dono de defenestração. Ele ficou tão nervoso que chamou a polícia e eu fiquei de mãos a abanar mas feliz por ter mandado à merda o patrão. Depois comecei o calvário das colaborações à peça. Fiquei com a entrada cortada nas redacções. Até que o Pedro Moutinho e o Paulo Cardoso me reabilitaram e fui trabalhar com eles para a Voz de Luanda. Um luxo. Aqueles dois génios da Rádio não me despediram mas zangaram-se e acabaram com a emissora, quando ela estava no auge das audiências.

Naquele tempo os radialistas só precisavam dos jornalistas para redigirem textos para os registos magnéticos e pouco mais. A Emissora Oficial de Angola admitiu jovens com o curso complementar do Liceu. Entrei com o Carlos Pacheco e a Fernanda Alpoim. A festa acabou quando o director da rádio pública criou uma Redacção a sério, chefiada pelo Cruz Gomes, que vinha do Jornal do Congo. Grande jornalista! Eu fiquei outra vez a escrever à linha.

Depois do 25 de Abril de 1974 trabalhei com o Zé Maria (Luanda) Brandão Lucas (Equipa) e o Sebastião Coelho (Café da Noite). Um escriba assanhado e nada mais do que isso. Até que fui realizar o programa Contacto Popular na Voz de Angola. Apresentado e produzido pelo José Andrade (artista plástico ZAN). Daí fui convidado para chefe de Redacção da Emissora Oficial e editava o Jornal das 13 Horas. Tudo a correr bem quando o ministro da Informação do Governo de Transição, Manuel Rui Monteiro, e os seus secretários de Estado, Hendrick Vaal Neto e Jaka Jamba, decidiram impor a censura prévia aos noticiários da rádio. 

O director era um bom homem, meu amigo. Aceitou a censura. No primeiro dia, Jaka Jamba e Hendrick Vaal Neto apresentaram-se no gabinete do director, uma hora antes do Jornal das 13, para censurarem as notícias. Recusei. E escondi todo o noticiário já concluído. 

À medida que saíam novas notícias, eu escondia o material. Nós introduzimos a técnica do “pré gravado em directo”. Uma hora antes gravávamos uma parte do noticiário. E enquanto decorria a gravação, eram redigidas as outras notícias. Às 13 horas ia para o ar a primeira bobine gravada e já estava sendo gravada a segunda. Como não houve o pré gravado, às 13 horas o Chico Simons e a Luísa Fançony avançaram em directo. Os censores foram embora. 

Aquilo deu uma maka mundial. Nessa tarde fui ao Bairro de Saneamento onde morava Agostinho Neto, para uma reunião de emergência. Estavam lá Lopo do Nascimento (membro do Colégio Presidencial pelo MPLA) e Luís de Almeida em representação do Ministério da Informação. No fim da reunião ficou decidido que os jornalistas da Emissora Oficial de Angla (hoje RNA) fizeram bem não aceitar a censura. Cheguei à rádio, entrei no gabinete do director e disse-lhe: O problema da censura está resolvido mas perdi a confiança em ti. 

Da Emissora Oficial de Angola (RNA) fui para o Diário de Luanda. Quando Nito Alves mostrou ao que vinha, todos os dias levava com um editorial a denunciar o nitismo/fraccionismo. Fui despedido pelo ministro Filipe Martins, acusado de “sabotador do processo produtivo”, crime que nesse tempo dava trabalhos forçados no Bentiaba ou fuzilamento. Não fui trabalhar nas hortas e salinas de São Nicolau e, como é público e notório, não fui fuzilado.

O muro de Berlim era o muro da vergonha, a barreira que separava o mundo livre da tenebrosa Rússia e do comunismo. A República Federal da Alemanha tinha uma a lei que proibia os comunistas de exercerem cargos públicos! Não sei se a lei já foi abolida ou se acabaram os comunistas naquelas paragens.

Hoje há muros de muitos quilómetros por tudo quando é sítio. O estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) está a erguer um muro com centenas de quilómetros. E hoje foi revelado um número oficial: As autoridades de Washington, de Janeiro de 2020 a Janeiro de 2023 já expulsaram dois milhões de refugiados! Homens, mulheres e crianças que fogem dos seus países transformados em quintais dos gringos e “governados” pelos serventes às ordens.

A República Popular da China pediu ao Tribunal Penal Internacional “que evite ter dois pesos e duas medidas”. Os EUA ameaçaram os juízes do TPI de prisão e sanções financeiras se ousassem perseguir cidadãos norte-americanos “e outros nossos aliados”. Moscovo, educadamente, anunciou a instauração de um processo judicial contra os juízes e o Procurador do TPI. Não respeitaram as imunidades de um Chefe de Estado em exercício de funções. Cada qual que tire as suas conclusões quanto aos comportamentos de um e do outro lado.

Há 32 anos eu estava em Bagdade, Ramadi ou Rutbah levando com mísseis em cima despachados pelo “ocidente alargado”. Não me mataram. Mas morreram milhões de seres humanos e outros tantos fugiram do seu país. Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso são os criminosos de guerra. Impunes. Aplaudidos. Grandes democratas. Ninguém os leva ao TPI.

*Jornalista

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