Artur Queiroz*, Luanda
Alda Lara colocou a Mulher Angolana no mapa da poesia. A sua vida breve (morreu com 31 anos) foi um longo poema de amor. Uma trova dolente no combate incessante pela liberdade e a dignidade. Em 1965, 30 de Janeiro, fomos ao cemitério do Dondo prestar-lhe homenagem. A acácia rubra que Ernesto Lara Filho tinha plantado à cabeceira da sua campa estava quase uma árvore e já dava sombra mas ainda não espargia pétalas vermelhas sobre a tumba da poetisa. Declamámos os seus poemas.
No grupo iam os poetas Álvaro Novais (Caixa de Fósforos), Joca Luandense e Ernesto Lara Filho que compuseram poemas especialmente para aquele momento. O comandante Leopoldo cantou um sucesso de Belita Palma enquanto o Belini chorava à viola. Se já existisse, tínhamos levado Té Macedo, a diva com voz que chora. Mas mestre Jorge Macedo ainda não tinha filhos. A sua família era a música e a poesia. Seu amor a marimba.
Alda Lara (Aldinha) era médica na barragem de Cambambe e nas horas vagas percorria as sanzalas prestando cuidados de saúde primários às populações. Amava Angola e o Povo Angolano acima de tudo. Entrou na luta pela Independência Nacional como quem respira. Ela, Noémia de Sousa (Moçambique) e Alda Espírito Santo (São Tomé e Príncipe) são as vozes africanas mais sonantes na poesia. E do melhor que existe na Língua Portuguesa. Orlando de Albuquerque, seu marido e também poeta, juntou toda a sua obra em livro, postumamente. Um serviço inestimável à Literatura Angolana.
Neste Março Mulher recordo aquela romagem ao cemitério do Dondo. Do grupo já todos partiram para o reino do nada. Ficaram na minha memória. E escrevo para que Alda Lara, a primeira poetisa angolana de voz universal, entre na memória de alguns. Talvez se multipliquem e alguém se lembre de estudar a vida e obra dessa voz singular da Poesia Angolana. Quando existia o jornal “Cultura” desafiei José Luís Mendonça a dedicar um suplemento a Alda Lara. Não foi possível. Um dia será.
Naquele dia de sol escancarado, Joca Luandense cozinhou no carvão mufetes de kimaia e bebemos maruvo de bordão à porta do cemitério do Dondo, protegidos pela sombra de uma mulemba frondosa. Aos pés do túmulo disse estas palavras de Alda Lara, alinhadas nas notas de uma música que só a poesia conhece:
Meu bergantim foi-se ao mar.../Foi-se ao mar e não voltou,/que numa praia distante,/meu bergantim se afundou...
Meu bergantim foi-se ao
mar!/levava beijos nas velas,/e nas arcas, ilusões,/
que só a mim me ofereci...
Levava à popa, esculpido,/o
perfil, leve e discreto, daqueles que um dia perdi.
Levava mastros pintados,/bandeiras de todo o mundo,/e soldadinhos de chumbo/na
coberta, perfilados.
Foi-se ao mar meu bergantim,/Foi-se ao mar... nunca voltou!
E por sete luas cheias/No areal se chorou...
Depois venham dizer que não avisei. Eu nego e vou avisar mais uma vez. Jornais com 100 anos são uma raridade no mundo. Na China chegam aos mil mas chinês tem mesmo a mania das grandezas. Um jornal é a morada permanente da liberdade. Notícia é nome de mulher, é mãe da sabedoria. Reportagem é rascunho da História. Informação é a vida e comunicar é o melhor de nós. Angola tem muitas línguas e um jornal centenário, o Jornal de Angola. Faz 100 anos no dia 16 de Agosto.
Março Mulher é também o último mês do primeiro trimestre. Escasseia o tempo para comemorar condignamente o primeiro centenário do Jornal de Angola. Essa comemoração tem de passar pela edição de um livro que inclua reportagens das grandes reportagens publicadas pelo menos entre 11 de Novembro de 1975 e hoje. Uma selecção de crónicas nesse mesmo período ou mais lá para trás.
Nas páginas do jornal centenário publicaram crónicas figuras como Luís Alberto Ferreira, Arnaldo Santos, Mário Pinto de Andrade (professor universitário), Belarmino Van- Dúnem, António Luvualu de Carvalho, João Melo e tantos outros. Só citei os vivos. É bom que a obra tenha uma selecção dessas crónicas. E que inclua um texto de cada jornalista da casa. Para a posteridade. Comecem imediatamente que ontem já era tarde.
Angola tem um jornal centenário. E o Jornalismo Angolano, nascido no Século XIX, está na vanguarda dos países de Língua Portuguesa. Quando todos perceberem isso, o lixo mediático reinante nunca mais tem espaço.
*Jornalista
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