quinta-feira, 13 de abril de 2023

Angola | OS ZUNGUEIROS DO GOLPE NITISTA – Artur Queiroz

Nito Alves

Artur Queiroz*, Luanda

Portugueses e angolanos publicaram livros sobre o golpe de estado militar em 27 de Maio de 1977. Alguns apresentam-se como “sobreviventes”. Mas contam tantos filmes de terror que têm de explicar muito bem como escaparam. Essas e esses falsários falam em 30 mil mortos. 80 mil. Mais de cem mil. Quem lê, vê ou ouve não quer saber pormenores. Bastam os números terríveis. Mas se cada qual pensasse um pouco saberia que os falsários manipulam, mentem, inventam. 

Luanda ficou com um terço da sua população em 1975 (menos de 80.000 habitantes). Primeiro aconteceu a fuga em massa dos portugueses e angolanos que eram funcionários públicos, operários especializados, técnicos médios e superiores ou profissionais liberais. Quando a FNLA e a UNITA decidiram abandonar o Governo de Transição, em Junho de 1975, os seus representantes no Colégio Presidencial, Johnny Eduardo Pinnock e José Ndele fizeram apelos aos microfones da Emissora Oficial de Angola (RNA) ao “povo do norte” e ao “povo do sul” para abandonarem Luanda imediatamente.

Os dois primeiros-ministros do Governo de Transição provocaram uma catástrofe humanitária na capital. Multidões acumularam-se nos terrenos em frente ao Hospital Militar, para apanharem autocarros com destino ao Huambo e outras rotas do centro e sul de Angola. Não tinham instalações sanitárias. Não tinham água nem alimentação. E ali ficaram dias e dias. Militantes do MPLA tentavam minimizar a catástrofe distribuindo água e comida. Foram mobilizadas carrinhas e camiões particulares para transportarem as pessoas. 

Na estação do caminho-de-ferro do Bungo mais multidões tentavam fugir para o Norte. As pessoas chegavam ao Porto de Luanda e à Avenida 4 de Fevereiro (Marginal) mas também ao Eixo Viário. Os ferroviários organizaram muitos comboios especiais para escoar tanta gente. Mas também foram necessárias as carrinhas e camiões civis para transportarem quem queria fugir da capital. Uma catástrofe humanitária que deixou Luanda com um terço da sua população habitual.

No ano de 1977 o panorama era igual. Ainda que tivessem chegado refugiados do Sul, devido à invasão das tropas do regime racista de Pretória, que traziam às costas Jonas Savimbi e a UNITA. Se durante o golpe de estado e a sua contensão tivessem morrido 30.000 pessoas Luanda ficava deserta. E não ficou. Ninguém deu pela falta do Carlos Pacheco, do Tonet, do Reginaldo Silva, do Fuso e de outros aldrabões da Praceta José Anchieta.

O Carlos Pacheco não só foi libertado mas também ganhou uma bolsa de estudo para se pavonear no Brasil como historiador. Recebeu uma vivenda de primeira na Corimba, ele que era dos Coqueiros. Em 1992 foi comigo e com Mário Pizarro a casa do comandante Ndozi. Lá encontrámos o comandante Rui de Matos. Tenho as fotos desse convívio de amigos. 

O “historiador” não nos disse que foi torturado. Não nos disse que sabia de torturas. Não nos disse que Nito Alves foi atirado ao mar. Só quando uns quantos vigaristas e zungueiros das ossadas decidiram ganhar dinheiro à custa da tragédia do 27 de Maio ele “descobriu” as maldades de Agostinho Neto e seus companheiros. Foi comigo a casa de Fernando Costa Andrade (Ndunduma) e reconheceu a importância da comissão constituída para ouvir quadros técnicos e políticos presos na sequência do 27 de Maio. Agradeceu ao anfitrião. Agora tem outra cara. É triste ver que um amigo mudou de cara, de pensamento, de dignidade, de honra e de coluna vertebral.

O Tonet não era nada. Diz que Costa Andrade correu com ele do Jornal de Angola. Mas em 1977 tinha apenas 18 anos. O chefe autóctone não sabe mas eu vou explicar-lhe. Nesse tempo os jovens só podiam entrar numa Redacção se fossem maiores. E começavam como candidatos (seis meses). No final deste período, se mostrassem aptidões, passavam a estagiários de primeiro ano. No final do estágio prestavam provas e se mostrassem aproveitamento passavam a estagiários de segundo ano. No final eram a jornalistas profissionais do primeiro grupo. Na época existiam três grupos, sendo o terceiro exclusivo para jornalistas seniores. E existiam dois grupos de mérito, o quarto e o quinto. 

Portanto, o Tonet não era jornalista. Nem sequer simpatizante. Não era nada. Iam fazer-lhe maldades para quê? Pois, com 16 anos já era “comandante militar”. Mas em 1977 foi para a TPA como assistente de operador de câmara. Ajudante. À custa do MPLA, claro. Prender o Tonet foi uma estupidez sem nome. Ainda bem que o libertaram. 

Reginaldo Silva diz que começou em Outubro de 1975 na Emissora Oficial de Angola (RNA). Como guarda? O percurso na Rádio era igual. Se é verdade o que diz, só em Maio de 1976 concluiu o período de candidato. Em Maio de 1977 era estagiário de primeiro ano. Alguém com cabeça, tronco e membros prende um estagiário? Claro que não. Foi preso porque, tal como a esmagadora maioria dos apoiantes do golpe de estado, exagerou no apoio e nos ataques ou ameaças aos que não alinharam. Ainda bem que o mandaram para casa. É bêbado da valeta à conta dele. É um trambiqueiro por conta própria. O MPLA adora proteger e promover estes enganos de alma.  

As Cabritas e outros vigaristas portugueses é que me tiram do sério. Já escreveram centenas de páginas sobre o que não sabem. Promoveram mentiras hediondas e todos os anos, por esta altura, voltam à carga. Não sei onde vão buscar dinheiro para lhes pagar. A não ser que sejam tão baratinhos que basta uma sopinha e uma sandes de bifanas. Pobre Pacheco, como desceste para níveis tão rastejantes. Apesar de tudo merecias melhor sorte.

Ontem na TPA um sujeito muito despachado mostrou o museu aberto nas instalações da antiga Fazenda Tentativa (Açucareira). Lá estão armas dos guerrilheiros da I Região Político- Militar do MPLA. Chamaram-lhe Primeira I Região do Norte. O cicerone mostrou uma arma PPSH e disse que foi apreendida aos colonos! Mentira. Era fornecida pelos soviéticos. O guia também mostrou a fotografia de Monstro Imortal: “Este senhor era o comandante da Primeira Região do Norte”. Para não parecer mal também falou do comandante verdadeiro: César Augusto (KIluanje). Chamou-lhe Ngola Kiluanje e não mostrou a sua foto. 

Um desafio: Expliquem por que razão Jacob Caetano (Monstro Imortal) foi despromovido, quando era o comandante da Frente Norte, ainda no tempo da luta armada de libertação nacional. Nas inúmeras conversas que tivemos ele disse-me que foi uma cilada. Como era afilhado de Agostinho Neto, meteram intrigas e acabou demitido pelo líder. Para o seu lugar foi nomeado David Moisés (Ndozi) que se manteve no posto até depois do 25 de Abril de 1974. A Frente Norte tinha duas regiões, primeira (Dembos/Luanda) e segunda (Cabinda). O comandante da I Região era César Augusto (Kiluanje). As historiadoras e os historiadores que escreveram sobre o 27 de Maio nunca o entrevistaram. Mas o heróico comandante está vivo. 

Sobre o 27 de Maio ele defende que, apesar da gravidade do golpe, o MPLA podia resolver o problema com diálogo e castigos aos dirigentes implicados. E mais vigilância sobre os dirigentes burgueses. Nunca os fuzilamentos. Amílcar Cabral criticou duramente os seus camaradas quando soube que alguns membros do PAIGC participantes na luta armada foram fuzilados por alta traição. Dizia ele: É mais revolucionário recuperar do que eliminar quem comete erros”. Estou a citar de memória. Sabem como acabou um dos maiores políticos africanos? Os “recuperados” mataram-no. Os fuzilados não lhe fizeram mal.

Ismael Mateus, beneficiário perpétuo do Orçamento Geral do Estado, escreve hoje no Jornal de Angola que “se nada for feito contra o discurso de ódio e a estratégia de diabolização do outro, em poucos anos voltará a haver novos conflitos que, mesmo que não sejam armados, vão dilacerar do mesmo modo o tecido social do país”. E diz que os próprios movimentos de libertação se “diabolizaram” uns aos outros “ com acusações de tribalismo, traição e neocolonialismo”. Menino, nada disso. Não houve diabolização nenhuma. 

A FNLA usou e abusou do tribalismo. Verdade indesmentível. Olhem para o que aconteceu em Kinkuzu. A UNITA cometeu traições graves. Combateu ao lado das tropas colonialistas. E depois do cessar-fogo com a potência colonial alugou as armas aos racistas de Pretória. Isto é verdade ou mentira? Verdade. Então os traidores é que se diabolizaram. E diabolizam.

“As estruturas do Estado angolano (Governo, Assembleia Nacional e os Tribunais) assistem impávidas e serenas à crescente utilização do discurso de ódio como factor de divisão e de fomento da violência verbal e física, o que fere gravemente as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão”. Senhor Ismael. Não come mais à mesa do Orçamento! Ainda não percebeu que os órgãos de soberania são Presidência da República, Assembleia Nacional e Tribunais? O regime agora é presidencialista e o Governo foi à vida. O Presidente da República é titular do Poder Executivo. Concentra os dois poderes. Come muito muito e depois adormece a escrever.

A UNITA continua a endeusar o criminoso de guerra Jonas Savimbi. A actual direcção até diz que ele lutou pela paz! Eles é que se diabolizam, não precisam de ninguém para os diabolizar. A cidadania exige que sejam denunciados os traidores. E quem odeia a democracia.

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana