quarta-feira, 26 de abril de 2023

Portugal | MUITOS MIL PARA CONTINUAR UM ABRIL SEM DONOS

Pedro Cordeiro, editor da Secção Internacional | Expresso (curto)

Bom dia!

Antes de mais, um convite: na próxima quarta-feira, às 14h00, teremos Daniel Oliveira e João Vieira Pereira prontos para conversar consigo sobre os discursos do 25 de Abril — os de Marcelo e dos partidos, mas também o de Lula da Silva, que vai ao Parlamento (com a polémica de que temos falado). Junte-se à Conversa, basta inscrever-se aqui.

A Revolução dos Cravos fez 49 anos e este Curto começa por aqueles a quem cabe manter viva a sua chama, que é como quem diz proteger a liberdade que Abril nos trouxe. “A juventude não esqueceu o que aconteceu no passado. E não vai esquecer”, leio num trabalho da camarada Matilde Ortigão Delgado. E outra frase que eu próprio podia subscrever, aqui dita por alguém com menos de metade da minha idade: “Já nascemos livres, mas os meus avós não. Nem os meus pais”.

O tempo apagará inevitavelmente memórias destas, pelo que educar para a democracia e os riscos da sua ausência se torna tarefa de todos quanto a amem, numa altura em que os seus inimigos cada vez menos disfarçam o sonho do recuo a outra era. Talvez por isso, gostei muito de dois textos no “Público”: este de Miguel Esteves Cardoso, a defender que “os 49 anos de democracia são a melhor resposta aos 48 anos de ditadura”; e este de Pedro Norton, a lembrar que Abril, por definição, “não tem donos”. De volta ao Expresso, destaco a prosa de Teresa Violante, para quem “uma revolução inacabada não é uma revolução fracassada”.

Ontem fomos à rua, como o país que festejou o 25 de Abril. Quisermos saber o que é a liberdade para gente muito diversa. Antes do muito participado desfile pela Avenida homónima, em Lisboa (um de muitos festejos populares da revolução), houve sessão solene no Parlamento. A secção de Política esteve atenta a tudo, dos discursos dos partidos aos do presidente da Assembleia da República e do Presidente da República. E gravou até, em plena Avenida, um episódio do podcast Comissão Política.

À tarde o primeiro-ministro abriu as portas da residência oficial, como é costume, e nos jardins de São Bento houve atividades artísticas e recreativas, além de um concerto de Ana Moura. António Costa elogiou Augusto Santos Silva e Marcelo Rebelo de Sousa e pediu menos foco mediático na extrema-direita. Esta protagonizara, de manhã, uma manifestação contra a presença do Presidente do Brasil em Portugal, em que participaram menos pessoas do que os organizadores teriam gostado, e alguns infiltrados que se tornam embaraçosos.

Durante a receção parlamentar a Lula da Silva, a bancada da direita radical encenou uma rábula com cartazes a insultar o convidado e outros com a bandeira da Ucrânia — que talvez não agradem aos convidados desse partido que vêm a Portugal no próximo mês, mais amigos de Vladimir Putin —, acompanhados de gritos e pateadas. O episódio não prestigiou a instituição e motivou justa reprimenda de Santos Silva. Já o veterano dirigente brasileiro desvalorizou a ocorrência como “papelão”, algo “ridículo” e sem relevo na relação bilateral.

Falar de 25 de Abril é, também falar da guerra colonial, que foi um dos motores do golpe militar, como lembrou Marcelo. E cujos combatentes se sentem invisíveis, como leio neste trabalho do Tomás Guerreiro. Retomo, pois, a ideia de deitar luz sobre tudo o que diz respeito à revolução, dos que a fizeram às imagens que deixou e às reflexões que ainda suscita, passando por órgãos que encarnam o regime que Abril nos deu, como o Tribunal Constitucional, onde ontem tomaram posse três novos juízes.

Indissociável da festa da liberdade foi, este ano, a entrega do Prémio Camões de 2019 a Chico Buarque. O músico esperou, mas arrecadou, e maravilhou com as suas palavras, como sempre, numa cerimónia que tive enorme gosto pessoal e profissional em presenciar (não fui só eu, veja o que escreveu Carminho). Permitam-me aconselhar estes trabalhos da Lia Pereira e da Maria João Bourbon sobre o galardoado. Que, recordo, cantará no Porto no final de maio e em Lisboa no início de junho.

Porque coisas que vivi nos últimos dias me dão fé na democracia e esperança nos jovens, termino esta parte do Curto a elogiar uma iniciativa de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa: o Congresso da Democracia reúne naquela escola oradores que vão de Alexandra Leitão a Ricardo Baptista Leite, de Carlos Blanco de Morais a Susana Peralta, de Álvaro Beleza a Carla Castro, entre muitos outros. A moderação cabe a alunos da casa. O que me dá muita esperança nas gerações a quem caberá celebrar e realizar Abril nos próximos 49, 94 ou 490 anos.

Outras notícias

Resgatados Já não há portugueses em Cartum, capital sudanesa que está a ferro e fogo desde um pronunciamento militar há dias. Os camaradas Tiago Soares, Tomás Guerreiro e Rúben Tiago Pereira prepararam este trabalho muito explicativo e falaram com o cônsul honorário de Portugal no país africano.

Recandidato Joe Biden anunciou ontem que volta a concorrer à Casa Branca em 2024 e o nosso correspondente nos Estados Unidos, Ricardo Lourenço, explica os desafios dessa recandidatura. Se a notícia parece aumentar a probabilidade de reedição da contenda com Donald Trump há quatro anos, recupero a entrevista que a Ana França e o David Dinis fizeram a Susan Glasser e Peter Baker, autores de um livro sobre o antigo Presidente, cujo segundo mandato seria, avisam, “uma forma de vingança pessoal”.

Reenterrado No âmbito da reinterpretação do lugar anteriormente conhecido como Vale dos Caídos, o Governo espanhol fez exumar os restos mortais de José Antonio Primo de Rivera, militar fundador do partido fascista Falange. O nosso correspondente em Madrid, Ángel Luis de la Calle, conta como foi e que outras mudanças são de esperar.

Reexplicado A ministra da Presidência considera que a polémica quanto ao parecer sobre despedimentos na TAP é “puramente semântica”, conta a editora de Política do Expresso, Eunice Lourenço.

Recordado Morreu aos 96 anos o músico Harry Belafonte, figura de grande relevo no combate ao racismo. Um texto do jornal “The Guardian” destaca essa vertente do desaparecido e do ator Sidney Poitier.

Reescrito O regime comunista chinês anda a retocar a seu gosto e conveniência a história da pandemia, como escreve a Ana França neste trabalho publicado no site do Expresso.

Frases

“É que da Revolução dos Cravos não ficaram cravos, ficaram sementes. Num solo inóspito, resultado de quase meio século de seca extrema, e cabe-nos a todos nós regá-lo de esperança e luta para que brote a liberdade e vingue a justiça.”
Guadalupe Amaro, veterinária, num texto sobre a sua data preferida

“Há um problema de sub-representação estrutural das mulheres no Tribunal Constitucional”
Luís Filipe Mota Almeida, jurista e investigador associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a apontar um atraso incontornável dos nossos 49 anos de democracia

Podcasts a não perder

Bruno Nogueira conviveu com quatro pessoas da comunidade LGBT para perceber os preconceitos que enfrentam diariamente. Até onde podemos rir? Tabu tem mais um episódio para nos vir dizer o que não deve ser dito, mas tem mesmo de ser ouvido.

Não há uma rua de nome Rui Zink. Foi para isto que se fez o 25 de abril? Júlia Pinheiro recorda-se desse dia com nostalgia enquanto Rita Blanco, em solidariedade com Lula, só fala com sotaque brasileiro. Manuela Serrão oficializou a sua mudança de nome, por favor tratem-na com os pronomes certos. Em semana de liberdade, a língua mais afiada é quem mais ordena. Ouça aqui A Noite da Má Língua.

Antes de partir de Portugal, esta terça-feira, o Presidente do Brasil, Lula da Silva, condenou de forma explícita a invasão territorial da Ucrânia pela Rússia. Mas a ambiguidade das suas palavras nas últimas semanas provocou um pé de vento político e diplomático. O Bloco de Leste permite ficar a par das intenções do líder brasileiro, numa conversa do jornalista Martim Silva com a académica Lívia Franco.

O que ando a ler, ver e ouvir

Domingo passado, dia do livro, peguei num García Márquez que tinha em atraso. “A aventura de Miguel Littín, clandestino no Chile” conta a história verdadeira de um cineasta chileno que, exilado por causa do regime totalitário de Pinochet, se introduziu à socapa no país para documentar o mal que esse tirano fez. É um relato na primeira pessoa, elaborado pelo romancista e prémio Nobel de 1982 a partir do que o protagonista lhe contou. Se ontem o nosso 25 de Abril fez 49 anos, a 11 de setembro próximo fará 50 que um dos homens mais desprezíveis da História roubou o poder ao Governo democraticamente eleito de Salvador Allende.

Três-breves-livros-três de autores austríacos lidos nas últimas semanas: “Foi ele?”, na deliciosa coleção Gato Maltês, é uma novela de Stefan Zweig sobre um mistério doméstico, com os veios psicológicos e de emoções reprimidas que caracterizam a obra do austríaco. A Assírio & Alvim promove-o em tandem com “Novela de xadrez”, narrativa intrigante e escorreita a bordo de um navio. E percebe-se porquê, depois de os ler. Mais contemporâneo, “Uma vida inteira”, de Robert Seethaler, é o que o título promete e muito mais, epopeia muito e pouco épica de um órfão criado nas montanhas e das marcas físicas e morais que carrega.

A agenda teatral inclui os “Lindos dias!” de Samuel Beckett, com encenação de Sandra Faleiro e interpretação de Cucha Carvalheiro e Luís Madureira. Vai no São Luiz até 7 de maio. Do mesmo dramaturgo e entre 4 e 8 do mês, o Centro Cultural de Belém propõe “A última gravação de Krapp”, monólogo encenado por Nuno Carinhas e protagonizado por João Cardoso. De 4 a 12, no Teatro Amélia Rey Colaço (Algés), “Justos entre as nações, o silêncio de Cécile”, de Eduardo Molina, que também encena; No Trindade e de amanhã até 25 de junho, Miguel Guilherme e Luísa Cruz são dirigidos por Diogo Infante na “Peça para dois atores” de Tennessee Williams.

Indo à música, chamam-me atenção na Gulbenkian programas com Brahms e Rimsky-Korsakov pela orquestra da casa, com a violinista Bomsori Kim e o maestro Giancarlo Guerrero, dias 4 e 5 de maio; a “Missa do terramoto a 12 vozes”, de Antoine Brumel, pelo agrupamento vocal belga Graindelavoix; e a Nona Sinfonia de Beethoven, antecedida de cantata de Bach, pelo coro e orquestra locais, direção de Lawrence Foster e os solistas Laura Aikin (soprano), Roxana Constantinescu (mezzo soprano), Christian Elsner (tenor) e Shenyang (baixo).

Saindo da erudita para a popular, destaco o sublime “the record”, do trio Boygenius, formado pelas talentosas Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus. Ouvi Bridgers a solo no ano passado, no Nos Alive, e ficou-me no coração. Agora espero que cá volte com a atual formação. Enquanto aguardo, sugiro que continue a acompanhar toda a atualidade com o Expresso. Até breve e até sempre!

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