terça-feira, 2 de maio de 2023

Angola | Antes Aprender do que Matar a História – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Março Mulher é uma marca que nasceu do Povo Angolano. Não brotou da propaganda. Não cresceu a impulsos de dinheiro. É mesmo nossa, foi alimentada por figuras grandiosas como as Heroínas Luzia Inglês (Inga) ou Maria Eugénia Neto. Hoje é o último dia do Abril Jovem. Mais um marco valioso que assinala os mil sacrifícios consentidos pelos jovens angolanos de todas as gerações que lutaram e lutam pela liberdade. 

Milhares de angolanas e angolanos que aderiram à Luta Armada de Libertação Nacional aprenderam nas fileiras do MPLA que o Homem sem liberdade vale menos do que um cão vadio que todos apedrejam e escorraçam ou, se tiver sorte, sai da vadiagem para ser acorrentado à casota. A marca indelével do Abril Jovem é José Mendes de Carvalho (Hoji ia Henda), comandante da guerrilha, morto em combate na luta contra o colonialismo. 

O patrono da Juventude Angolana tem um percurso de vida que é de todas as gerações. Há muitos anos propus que fossem criados centros de interpretação da Luta Armada de Libertação Nacional. Muito bem. Boa ideia. Mas nunca saiu das boas intenções. Em nome da História Contemporânea de Angola é urgente avançar. Antes que se perca a memória e o passado que nos garante a força para viver o presente e enfrentar os desafios do futuro. 

Na altura apresentei um plano geral: Centros de Interpretação do 4 de Fevereiro, 15 de Março, Frente Norte e Frente Leste. Cada um tem os seus enquadramentos históricos. O 4 de Fevereiro é enquadrado no percurso da Luanda das Fortalezas. Dei o pontapé de saída apresentando o bilhete de identidade das fortalezas de São Miguel, Nossa Senhora da Flor da Rosa, São Francisco do Penedo (Casa de Reclusão), São Pedro da Barra. Mais a memória histórica dos fortes situados onde está hoje o Hospital Maria Pia e a Casa Militar do Presidente da República, que já foi o Observatório Meteorológico João Capelo.

O Centro de Interpretação do 15 de Março é enquadrado forçosamente pela História do Reino do Congo. Também fiz um texto sobre a Divina Arte da Imprimição ao serviço do ensino (cartinhas ou cartilhas) e da religião (catecismos) na “banza do manicongo”.

O Centro de Interpretação da Frente Norte inclui o enquadramento com a Guerra dos Dembos (1872-1920) e a guerrilha do dembo Kazuangongo. Escrevi o texto Pedra Verde onde defendo que a luta de libertação nacional começou precisamente no “País dos Dembos” e só parou em 2002 quando as Forças Armadas Angolanas e a Polícia Nacional puseram fim à rebelião armada de Jonas Savimbi. 

Outro enquadramento é a Fortaleza de Santa Maria em Cabinda, construído em 1783. Produzi igualmente um texto que toca nestes pontos: Ocupação de Cabinda pelos piratas e negreiros ingleses que expulsaram os portugueses. Protesto diplomático do rei D. João V e depois emprego da força armada até à expulsão dos ocupantes. 

O território da colónia voltou à coroa portuguesa mas pouco tempo. Nova ocupação de Cabinda em 1784, pelos piratas e negreiros franceses, comandados por Bernard Marigny. Novo protesto. França devolveu o território quando foi assinada a Convenção de 30 de Janeiro de 1786 com a mediação de Espanha. Foi reconhecida oficialmente a soberania portuguesa sobre Cabinda. Os portugueses ficaram donos e senhores do “comércio da escravaria” em Ponta Negra, Loango, Cabinda e Ambriz.

Centro de Interpretação da Frente Leste. Inclui como enquadramento a Bota do Dilolo com análise do Tratado de Loanda ou Luso-Belga (22 de Julho de 1927) que oficializou a troca dos territórios da Lunda (que era da Bélgica) e do Vale do Mpozo (que era da colónia de Angola). Assim Cabinda foi reduzida a um enclave. Produzi dois textos sobre a matéria. 

O Centro de Interpretação da Frente Leste tem também o enquadramento de Caripande, onde tombou em combate o Comandante Hoje ia Henda, patrono da Juventude Angolana. 

A Transição (do 25 de Abril de 1974 ao 11 de Novembro de 1975) exige o Centro de Interpretação da II Guerra de Libertação com estes enquadramentos: Grande Batalha de Luanda (primeira fase). Grande Batalha do Ntó. Grande Batalha do Luena. Grande Batalha do Ebo (poucos dias após o 11 de Novembro de 1975 mas começou antes). Os Generais Higino Carneiro e Nzumbi publicaram livros onde estes temas são tratados com pormenores. Cessões de leitura comentada destas obras. 

Centro de Interpretação da Reconquista do Norte. Enquadramento: Corvos ao Imbondeiro, Arquivo do Ano Zero (Irmãos Henriques) e do Ministério da Defesa (Óscar Gil e Artur Neves).

Após a Independência Nacional, a Batalha do Cuito Cuanavale e a Guerra pela Soberania Nacional no Sul de Angola, da Cahama à fronteira, levou-me a propor mais um Centro de Interpretação. O Jornal de Angoa publicou uma série de reportagens sob o trema genérico OS MESES QUE MUDARAM ÁFRICA E O MUNDO. Repórteres: “50”, Eduardo Pedro, Pereira Dinis e Adalberto Ceita, os meus repórteres favoritos, e eu próprio. 

Centro de Interpretação da Jamba. Enquadramentos: Os livros dos doutores Jorge Valentim e Bela Malaquias. Obrigatório. Imediato. Antes que morram os actores que testemunharam as fogueiras onde foram queimadas vivas as elites femininas da UNITA. Devemos essa reparação às vítimas. Ao Abril Jovem que hoje termina. Mas sobretudo à História Contemporânea de Angola. Temos de mostrar à Juventude Angolana, das crianças aos jovens adultos, os buracos onde eram encarceradas as vítimas de Savimbi. O terreiro das fogueiras. Os centros de tortura. As casas onde as escravas sexuais e as prisioneiras eram violadas pelos sicários da UNITA. As zonas onde eram escondidos os mutilados de guerra.  Ontem já era tardíssimo. 

Os Media informam que no Zango a prostituição e a droga são usadas para combater a fome. Os deputados e dirigentes da UNITA usam a droga e a prostituição para combater a democracia. Eles próprios dizem que é preciso derrubar o regime! Acontece que o regime é democrático. Estão sempre prontos a disparar contra a liberdade.

Um servente da UNITA e da Irmandade Africâner, Jorge Eurico, implora a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que o livre do Governo. Mais um ignorante que não sabe com quantos paus se faz a canoa da democracia. O eleitorado é que faz mudanças. O bispo terrorista Chissengueti não tem voto na matéria, só consegue enganar os escuteiros católicos. Muito menos têm voto na matéria os membros das associações de malfeitores. Não passarão!

* Jornalista

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