sexta-feira, 5 de maio de 2023

Portugal | O LADO DESPEITADO DA FORÇA

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

O lado despeitado de Marcelo apareceu. Zangado, desrespeitado, o presidente da República surge a 4 de Maio, dia de "Star Wars" em horário nobre de telejornal, para comentar a afronta de António Costa, sem que deixe de agitar a bomba nuclear da dissolução em todas as entrelinhas.

É difícil encontrar uma declaração de não dissolução de Governo tão evidentemente orientada para a ideia de quero-tanto-mas-não-posso. Se os poderes presidenciais não são matéria da qual Marcelo abdique, resulta também evidente que Belém vive num contexto de mãos atadas. António Costa faz o que faz porque pode. Mesmo quando combina a não exoneração de um ministro com o ministro que apresenta a exoneração.

Costa faz o que faz porque convive, nesta circunstância concreta, com um caso menor. O surto de um funcionário que resolve subtrair um computador ao Estado com violência de "far west" não pode nem deve ser assacado a um ministro. A responsabilidade de João Galamba terá de ser medida pelo seu grau de franqueza, pela medida da sua irascibilidade e pela inquestionável falta de comprometimento institucional que revelou, no momento de ajustar fuso horário, ao demitir a quente um seu funcionário com visíveis sinais de altercação. Considerando o perfil de Pedro Nuno Santos e de João Galamba, o tempo curto de fervura parece ser requisito indispensável para a função de ministro das Infraestruturas no Governo de António Costa.

Tudo o que se passou no Ministério é rocambolesco, embora resida na esfera do que são as pessoas em processos individuais de surto. O que se passou na inenarrável conferência de imprensa de Galamba diz respeito à incapacidade de dezenas de assessores conseguirem assessorar um ministro que não revelou preparação para ouvir e ser, de facto, ministro. Já o que sucedeu na intervenção do SIS é um manual de desproporcionalidade e de histórias por contar. António Costa deu o peito às balas, afrontou Marcelo como nunca ousara e convocou a inversão de humor nas relações até agora distendidas entre São Bento e Belém. A vingança inscreve-se como preceito constitucional. Há um ajuste de contas à ilharga entre PR e PM e nada será como dantes.

Há ilações políticas que a Oposição também terá de tirar, com o PSD na linha da frente das conclusões. É sintomático que Marcelo não sinta Luís Montenegro como uma alternativa e que Montenegro não clame por eleições. Esta pose de Estado é só uma atitude de plástico de quem não encontra soluções nem olhando à direita, nem dentro de si. O bloqueio de Marcelo só se resolve desbloqueando o líder da Oposição.

*Músico e jurista (O autor escreve segundo a antiga ortografia)

Imagem: António Pedro Santos / Lusa

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