segunda-feira, 5 de junho de 2023

Angola | UMA ESTÓRIA DE BORDEL – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Nas minhas andanças de repórter bati de frente no muro da Justiça. E até fui condenado em primeira instância. As minhas fontes colocaram-me no caminho de uma rede de tráfico de mulheres, sobretudo a partir do Brasil, que tinha como fachada legal uma agência de viagens. Obtive as informações por uma fonte dos titulares da investigação e acção penal. Depois confirmei por uma segunda fonte. Era verdade. Fui então dar voz aos responsáveis da agência de viagens. A gerente era uma senhora brasileira que me recebeu simpaticamente e deu a sua versão do acontecimento.

Agentes da Polícia Judiciária de Portugal tinham entrado na agência e vasculhado tudo para descobrirem provas. A senhora brasileira disse que os “agentes fizeram aqui um grande bordel, uma tremenda bagunça, reviraram tudo e levaram o que quiseram. Mas é mentira, nós não somos a face legal de uma rede de tráfico de mulheres”.

A reportagem saiu com as versões de todos. Uns tempos depois fui chamado ao Ministério Público para ser interrogado na qualidade de arguido. A Polícia Judiciária tinha apresentado queixa contra mim e contra a responsável da agência de viagens, porque os seus responsáveis consideraram as suas declarações ofensivas. Sobretudo quando ela qualificou a intervenção dos agentes como um “bordel”.

A minha defesa apresentou o parecer de um linguista onde explicava que a palavra “bordel” no Brasil pode ter o sentido de balbúrdia, confusão. Os meritíssimos magistrados judiciais não aceitaram os argumentos e condenaram-me por ter publicado uma expressão insultuosa que fere o bom nome da Polícia Judiciária. Safei-me com um recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que me absolveu. A senhora não quis recorrer e teve que pagar uma multa pesada.

O Club K publicou esta notícia: “O Serviço de Investigação Criminal (SIC), executou à queima roupa, na passada sexta-feira, em Luanda, um menor de 15 anos que em vida atendia pelo nome de Domingos Natalício “Kafilungo”. O ocorrido, segundo os familiares, aconteceu no sector Salga, Rua da Vaidade no conhecido Beco do Cantambor, na Ilha de Luanda, depois de os agentes do SIC, o terem retirado de casa de um vizinho, no seguimento de uma confusão entre a vizinhança”.

O Serviço de Investigação Criminal é uma instituição do Estado credora de respeito e consideração. Tem uma função social importantíssima. Mas ninguém ouviu o SIC. O “portal” da UNITA e dos restos do apartheid, que também serve os interesses do Miala, acrescenta isto: “Testemunhas no terreno disseram ao Club-K, que a família do menor tem medo de abrir um processo-crime, uma vez que efectivos da Policia Nacional continuam lá ir a intimidar. O máximo que se conseguiu fazer foi o pai do menor ter pedido encarecidamente que ligassem para o programa Fala Angola da TV Zimbo que até agora não apareceu”.

Ninguém ouviu o SIC. Mas a “notícia” também acusa agentes da Polícia Nacional de intimidarem os familiares do “menor executado”. Eu fui condenado em primeira instância por ter reproduzido a declaração de uma pessoa presumivelmente implicada no tráfico de seres humanos. O crime foi a palavra “bordel”. Nada mais do que isso. Um órgão de comunicação social acusa o Serviço de Investigação Criminal (SIC) de ter executado um menor. Acusa a Polícia Nacional de intimidar os familiares da vítima. E nada acontece. Da Procuradoria-Geral da República nada há esperar. Pita Grós e a sua equipa estão filados na “recuperação de activos” porque isso de ricos só mesmo quem João Lourenço deixar. Da direcção do SIC esperava uma reacção. Mas nada. Também esperava uma reacção da Polícia Nacional. Nada. É o costume. A autoridade do Estado evaporou-se há alguns anos.

Ismael Mateus dá palpites sobre os órgãos públicos da comunicação social. Põe em causa o profissionalismo dos seus jornalistas e dirigentes. Afirma que não têm autonomia do poder político! O que diz esse sabichão desta notícia? Nada. Silêncio total. 

O Sindicato dos Jornalistas nada diz sobre este gravíssimo crime por abuso de liberdade de imprensa. Como se esta “notícia” não ponha em causa a honra e a dignidade de toda a classe. A impunidade dos autores destes crimes gravíssimos (ainda que sejam punidos com bagatelas penais…) leva a opinião pública à generalização. Somos todos iguais. A direcção sindical é conivente com estes crimes contra o Jornalismo e os jornalistas porque Teixeira Cândido vendeu o sindicato à UNITA e a UNITA quer isto mesmo: Demolir a honra e a credibilidade dos jornalistas, dos órgãos de soberania, as instituições públicas fundamentais para a ordem pública e a segurança dos cidadãos.

A ERCA remete-se ao silêncio mesmo quando na “notícia” se mistura opinião do género “em Angola acabou a pena de morte mas a polícia continua a executar cidadãos”. Se o Ministério Público assobia para o lado porque o Miala ainda não deu ordens, a ERCA pode e deve accionar as autoridades competentes.

A Comissão da Carteira e Ética também se remete ao silêncio ante tão grave comportamento no “portal” Ckub K. Porque é ilegal? Porque não tem jornalistas com carteira profissional passada? Seja o que for, é obrigatório que a auto regulação tome uma posição clara de condenação e repúdio.

A “notícia” do clube da UNITA acaba assim:  “Desde que João Lourenço chegou ao poder, as forças de segurança já executaram mais de 100 cidadãos dentre eles activistas, e alegados marginais, sem que o mesmo promovesse justiça apesar de na tomada de posse do seu primeiro mandato ter anunciado que Ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido”. Provavelmente o Presidente da República merece isto por promover o banditismo mediático. Mas o Jornalismo e os Jornalistas não merecem.

O mesmo “portal” dá a seguinte notícia: “A Primeira-Dama da República de Angola, Ana Afonso Dias Lourenço, foi há poucos dias operada numa clínica em Madrid, encontrando-se agora em convalescência (convalescença)”. Gravíssimo. A saúde seja de quem for não está disponível para os jornalistas salvo se houver o consentimento de quem está doente. As doenças fazem parte da História Pessoal de cada um ou mesmo da Esfera do Segredo. Estamos a falar da projecção vital do Direito à Inviolabilidade Pessoal. Publicar uma notícia sobre o estado de saúde de Ana Dias Lourenço é um abuso inqualificável que só num país sem lei nem auto regulação pode acontecer.

*Jornalista

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