quinta-feira, 1 de junho de 2023

OS OCIDENTAIS RECUSAM A PAZ NA UCRÂNIA

O rosto dele não vos é familiar. No entanto, Li Hui é um dos mais importantes diplomatas chineses. Foi ele que veio propor aos Ocidentais um acordo de paz na Ucrânia. Foi recebido com amabilidade, mas ninguém o quis escutar.

Thierry Meyssan*

Em nome da China, Li Hui veio propor aos Ocidentais fazer a paz na Ucrânia reconhecendo os seus erros. A sua análise é precisa e fundamentada. Mas os Ocidentais não o escutaram. Prosseguem o discurso que estabeleceram durante a Guerra Fria sem descanso : eles são democratas, enquanto os outros, todos, não o são. Mantêm o seu apoio à Ucrânia, mesmo se esta já não tem mais soldados suficientes e perdeu no terreno.

Na semana passada eu lembrava que, pelo Direito Internacional, a venda de armas implica responsabilidade pelo seu uso [1]. Por conseguinte, se os Ocidentais armam a Ucrânia, eles devem garantir que esta só usará as armas para se defender e nunca para atacar o território russo de 2014. Caso contrário, eles entrarão, mesmo sem querer, em guerra contra Moscovo (Moscou-br).

Efectivamente, eles continuam velando a não se tornarem co-beligerantes. Por exemplo, primeiro removeram certos sistemas de armas dos aviões que prometeram à Ucrânia antes de lhos fornecer. Assim, estes não dispõem da possibilidade de disparar em voo, a partir da Ucrânia, mísseis ar-solo contra alvos distantes no interior da Rússia. No entanto, a prazo, os Ucranianos poderiam se munir do material necessário e reequipar com tal os seus aviões.

O truquezinho que consiste em armar a Ucrânia sem lhe dar os meios para atacar Moscovo é hoje desmontado pela diplomacia chinesa. O Wall Street Journal relatou alguns aspectos desses contactos ao mesmo tempo que escondia a base da posição chinesa [2].

Li Hui, que acaba de visitar Kiev, Varsóvia, Berlim, Paris e Bruxelas, pôs dedo o dedo na ferida : com base na «Iniciativa de Segurança Global» e no «Plano de 12 Pontos para a Paz na Ucrânia», publicados pelo Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) em 24 de Fevereiro, ele fez notar a seus interlocutores que os aceitaram que:

– Pelo Direito Internacional, a Rússia tem razão em empreender a sua operação militar especial contra os «nacionalistas integralistas» ucranianos. Não somente isso não é contrário à Carta das Nações Unidas, mas é uma aplicação legítima da sua « responsabilidade de proteger » as populações de língua russa.

– A Crimeia, o Donbass e a parte Leste da Novorossia aderiram legitimamente à Federação Russa por via referendária. Estes antigos Ucranianos constituem desde há séculos um povo muito diferente dos actuais Ucranianos.

Ele sublinhou, no entanto, que a Rússia não estava isenta de erros:

– Ela deve respeitar a decisão de 16 de Março de 2022 do Tribunal Internacional de Justiça (ou seja, o tribunal interno da ONU) que lhe ordenou « suspender » as suas operações militares na Ucrânia, o que tardou em cumprir, mas que respeita actualmente.

Pacientemente, ele explicou que os Ocidentais tinham grandíssimas culpas:

– A de ter instalado depósitos de armas e bases militares da OTAN no Leste em violação da sua assinatura da Declaração de Istambul da OSCE (2013) ;

– A de ter organizado e apoiado um Golpe de Estado em 2014 contra as autoridades legítimas da Ucrânia ;

– A de não ter aplicado os Acordos de Minsk, assinados pela Alemanha e pela França, (2014 e 2015), depois ratificados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ;

– A de ter tomado medidas coercivas unilaterais contra a Rússia em violação da Carta das Nações Unidas (1947).

Ao fazer isso, ele pôs em causa não somente toda a narrativa ocidental, mas a maneira como os seus interlocutores pensam este conflito.

Ele fez-lhes ver que, contrariamente ao que afirmam, os Estados Unidos não desejam a vitória da Ucrânia. Isso significaria que um pequeno país é capaz de vencer a Rússia enquanto os Estados Unidos não ousam enfrentá-la. Seria a sua pior humilhação.

Acima de tudo, está claro para observadores independentes que o envio de armas em segunda mão para a Ucrânia não tem por fim derrotar a Rússia, mas provocá-la para a fazer revelar as novas armas de que dispõe. Os Ocidentais não observaram com cuidado o Exército russo na Síria, muito ocupados que estavam em fazer destruir o Estado sírio pelos jiadistas. Quando, em 2018, o Presidente Vladimir Putin declarou que possuía mísseis hipersónicos, armas laser e mísseis de propulsão nuclear [3], os Ocidentais gritaram que era blefe.

Hoje, sabem que ele falava verdade, mas ignoram as características destas armas e se dispõem dos meios para as enfrentar.

No conflito ucraniano, Moscovo dá provas de uma grandíssima paciência. Prefere sofrer perdas do que mostrar as suas cartas. As únicas armas novas que foram utilizadas são, por um lado, os sistemas de empastelamento dos comandos da OTAN (experimentadas em situação real no Mar Negro desde 2014 [4], em Kaliningrad, ao largo da Coreia [5]), e no Médio-Oriente [6] ; e por outro lado os misseis hipersónicos Kinzal (experimentados em condições reais na Ucrânia desde Março de 2022). Bom, os Ucranianos afirmam tê-los abatido, mas isso soa manifestamente à mais descarada propaganda. De momento são indestrutíveis e agora a Rússia produ-los em escala industrial. Eles atingiram bunkers subterrâneos, em 9 de Março, e acabam de destruir, em 16 de Maio, um sistema Patriot.

Ninguém sabe com certeza e precisão as armas de que dispõe a Rússia. Mas todos têm consciência que ela se tornou muito mais poderosa do que os Estados Unidos, cujo arsenal não foi globalmente melhorado desde a dissolução da URSS.

Desde o primeiro envio de armas ocidentais para a Ucrânia, a Rússia deplora que isso não jogue um papel significativo no terreno, mas apenas provoque ainda mais destruição e vítimas. Os Ocidentais não ouvem, convencidos de antemão que todo o discurso russo não é mais do que propaganda. Se procurassem compreender, eles perceberiam que aquilo que fazem nada tem a ver com as justificações que apresentam.

Voltemos à posição chinesa. Li Hui aparentemente nunca mencionou o Presidente Volodymyr Zelensky, que os Ocidentais elevaram ao nível de herói. Com efeito, enquanto a comunicação ocidental personaliza todos os actores, os Chineses recusam-se a isso. Assim, conservam uma visão mais clara das forças em jogo.

Além disso, Li Hui disse aos seus interlocutores que eles não tinham qualquer razão para se alinhar com a posição dos Estados Unidos e deviam dar provas de autonomia. Foi exactamente aquilo que o Presidente Vladimir Putin lhes havia dito, em 2007, durante a Conferência sobre Segurança de Munique [7]. Li arriscou até dizer-lhes que deviam afastar-se economicamente de Washington, que eles podiam virar-se para Pequim.

Para os Europeus, esse discurso razoável era psicologicamente inaudível. No último quarto de século, eles não reconheceram os crimes dos Estados Unidos e continuam a negá-los. Na realidade, não são particularmente dependentes de Washington apenas estão intelectualmente sob seu controle.

Não responderam pois ao argumentário chinês, mas declararam sem surpresa que não se afastariam dos Estados Unidos, que exigiam antes de qualquer negociação a retirada das tropas russas da Ucrânia; e que contavam com a China para que o conflito não degenere em guerra nuclear.

Este último refrão atesta que os Europeus ainda não entenderam, nem a posição dos Russos, nem a dos Chineses. O Presidente Putin explicou repetidamente que não utilizaria armas nucleares estratégicas primeiro. Não há, portanto, qualquer risco desta degenerar pela Rússia. Além disso, a China considera-se como aliada militar da Rússia em caso de confronto mundial, mas não nos conflitos que não lhe digam respeito, como o da Ucrânia. Aliás, ela não envia qualquer arma para lá. Esta distinção entre aliado estratégico e aliado táctico é uma característica do mundo multipolar que Moscovo e Pequim se empenham em construir. Aliás, a Rússia faz questão de nem sequer promover qualquer coligação (coalizão-br) para a ir apoiar na Ucrânia.

Não há piores cegos do que aqueles que não querem ver.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.orgTradução Alva

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sousnos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyableimposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación
 (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:

[1] “O momento da verdade na Ucrânia”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 23 de Maio de 2023.

[2] «Europe Snubs China Bid to Split West», Bojan Pancevski & Kim Mackrael, The Wall Street Journal, May 27, 2023.

[3] “O novo arsenal nuclear russo restabelece a bipolaridade do mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Março de 2018.

[4] “O que é o que assustou o navio de guerra americano no Mar Negro?”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 21 de Setembro de 2014.

[5] «Rusia interfiere lossistemas de mando del portaviones USS Ronald Reagan y de la Séptima Flota», Red Voltaire , 2 de noviembre de 2015.

[6] «Rusia solicita a Líbano y Chipre limitación parcial de sus espacios aéreos», Red Voltaire , 21 de noviembre de 2015.

[7] “O carácter indivisível e universal da segurança global”, Vladimir Putin, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2007.

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