A Escola Pública é uma das grandes construções sociais e civilizacionais do pós 25 de Abril. O que noutros países demorou muito tempo a erguer, em Portugal, bastou pouco mais de duas décadas. Este esforço enorme precisa de ser reconhecido, e, sobretudo, defendido.
Alexandra Vieira* | Esquerda | opinião
A Escola Pública é uma das grandes construções sociais e civilizacionais do pós 25 de Abril. Essa construção deve-se, em grande parte, aos docentes implicados na transição para a democracia e que estiveram na origem da criação do movimento sindical. Podemos dizer que uma e outro se construíram mutuamente. O que noutros países demorou muito tempo a erguer, em Portugal, bastou pouco mais de duas décadas. Este esforço enorme precisa de ser reconhecido, e, sobretudo, defendido.
Porquê? Porque os tempos atuais, sob a batuta liberal na mão da maioria socialista, são de fragmentação dos serviços públicos, à qual não escapa a escola.
A quebra demográfica foi o pretexto para justificar a entrada de medidas economicistas no sistema educativo de que é exemplo a gestão da escola. De democrática, inédita no quadro europeu, transitou-se para a unipessoal. Entra a visão gesticionária e hierarquizada na escola, e com elas a meritocracia e a empregabilidade e foge a democracia.
Da criação de obstáculos à ingressão e à progressão da carreira docente, os resultados estão à vista: a carreira não é atractiva, as pensões serão mínimas e não há renovação geracional.
A proletarização do trabalho do professor é outro sinal. Passa a ser uma peça de uma engrenagem que não controla e só tem de executar o que foi decidido, numa crescente burocratização.
O maior ataque à escola pública é a municipalização. Esta “descentralização desconcentrada” como lhe chama Licínio Lima, desvaloriza a autonomia da escola, que passa a ter mais uma tutela: a autarquia.
A fragmentação do movimento sindical e a perda da força negocial são outros sintomas. Instala-se o descrédito, a despolitização, a dessindicalização e a desinformação.
O corolário deste movimento de fragmentação é a diminuição orçamental para a Educação de 3,8% do PIB, bem distante dos 6% recomendados pela UNESCO e pela OCDE. O desinvestimento na educação fará da escola um lugar para quem não pode pagar o privado, com professores sem habilitação para a docência, precários e de baixos salários, contribuindo para acentuar as desigualdades e baixar a qualidade.
[De um modo mais ou menos consciente, os professores acordaram para esta realidade e estão a fazer contas. Todas as contas: é o salário que não aumenta, é a progressão na carreira que não anda, é a pensão que vai ser baixa, é a entrada na carreira que não acontece, mesmo quando se anda de casa às costas e a pagar para trabalhar, num contexto em que já está a acontecer a falta de professores. E é um governo de maioria PS que teima em não reconhecer estas justas reivindicações. E estão exaustos.]
Destes sinais de fragmentação dão conta os sindicatos e os professores. A contestação crescente é acentuada pelo desprezo e intransigência que o governo de maioria PS revela quanto às justas reivindicações.
E têm os professores, professoras e educadores e educadoras uma certeza: a escola pública está em risco! E, por isso, lutam em sua defesa, apesar os atentados ao direito à greve, como os serviços mínimos, a reposição de aulas no ensino profissional ou a ameaça concretizada dos processos disciplinares.
A Escola Pública em Portugal é essencial à democracia, à igualdade e à liberdade. É uma construção permanente, na senda de Freire, e é um valor em si mesma. É o único instrumento que nos resta para construir o futuro, diz-nos Nóvoa. Por isso, sejamos capazes de dar aos professores as condições para fazer essa construção.
As propostas do Bloco de Esquerda para a Educação estão no programa eleitoral e devemos continuar a propô-las. O que trazemos aqui agora é a defesa intransigente da Escola Pública, para a qual chamamos todos os atores educativos e sociais, projectando todas as lutas e reforçando o movimento sindical num debate amplo e agregador de todas as lutas.
Diz António Sérgio “é o amanhã que organiza o hoje”. Se queremos a Escola Pública amanhã, temos de a defender hoje. E este é o grande desafio: levar esta conquista de Abril a sério, pois é nela que reside a Esperança de uma vida boa, num projecto do futuro, feito da utopia que nos faz caminhar!
Intervenção apresentada na XIII Convenção do Bloco de Esquerda, o texto tem mais 90 palavras assinaladas entre parêntesis reto.
*Alexandra Vieira - Professora de História e Sociologia da Educação. Dirigente do Bloco de Esquerda
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