segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Angola | Amplo e Invencível Movimento em Perda – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Pela primeira vez desde 10 de Dezembro de 1956 as forças libertadoras perdem espaço e influência em Angola. Uma vaga de extremismo de direita abateu-se sobre o país à boleia da crise financeira exportada pelo estado terrorista mais perigoso do mundo, em 24 de Julho de 2007.Grandes bancos mundiais foram à falência. Apesar da tragédia, o MPLA esmagava nas eleições de 2008 com 81,64 por cento dos votos enquanto o partido que lidera a Oposição (UNITA) registou pouco mais de dez por cento.

O Presidente José Eduardo dos Santos na mensagem sobre o Estado da Nação de 2008 lembrou que “o MPLA é um partido de esquerda. Somos socialistas”. E de vez em quando repetia a mensagem. Só após as eleições de 2017 percebi o alerta. Nada de grave porque sou apenas um repórter a cair da tripeça. Gravíssimo foi a direcção do partido ter permitido que os cucos pusessem seus ovos no ninho feito pelos combatentes da liberdade. Hoje o mundo é varrido por uma onde irrefragável de extremismos da direita. Até a Suécia, pátria da social-democracia e onde o poder era suportado pela força dos sindicatos, hoje tem um governo de extrema-direita.

Após as eleições de 2022 (apenas há um ano) o rumo do partido que ganhou as eleições com maioria absoluta vai no sentido do culto da personalidade. As políticas sociais desapareceram e foram substituídas pela caridadezinha. A propaganda mostra uma pobre camponesa agradecendo ao Presidente João Lourenço 30.000 Kwanzas do Kwenda. O neoliberalismo está implantado de pedra e cal com uma ministra das Finanças que parece uma montra ambulante de trançados.

 O pensamento único ganha força, os órgãos de soberania submeteram-se à Presidência da República e é o chefe que decide quem pode ser rico. Quem pode ficar com os seus “activos” e quem fica sem nada. No auge do “combate à corrupção” o Chefe de Estado disse que “vão todos para a cadeia!” como se estivesse numa roda de amigos. Os jornalistas já se esqueceram que o Jornalismo é um exercício permanente de grande rigor e só é possível numa lógica de contra poder.

Ninguém se sobressaltou. Neste momento os libertadores da Pátria são simplesmente ignorados e os Generais que ganharam a guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial são abandalhados. O Estado Sou Eu! Neste quadro os sicários da UNITA fazem muito jeito. São o inimigo que é preciso combater enquanto o absolutismo, às cavalitas do neoliberalismo, se instala a todos os níveis e desfila nos Media.

O MPLA nasceu em 10 de Dezembro de 1956. O seu manifesto faz uma leitura exaustiva do colonialismo. A expansão marítima dos europeus serviu para criar mercados na Costa Africana com a fundação de feitorias e capitanias. Daqui resultou “o aniquilamento dos Estados africanos e à subjugação dos povos”. (página um) “Deste modo, os capitalistas europeus transformaram “toda a África em colónias e países dependentes”. O capitalismo evoluiu para imperialismo. O manifesto explica o que isso significa: “Um sistema mundial de opressão colonial e escravização da imensa maioria das populações do mundo por países imperialistas”. 

O mundo ficou dividido em dois blocos: “O pequeno campo dos poucos países imperialistas, exploradores e opressores, e o imenso campo das colónias e dos países dependentes que se vêem (sic) obrigados a lutar para se libertarem do jugo imperialista”. Face à criação de uma frente imperialista “as colónias e os países dependentes viram-se obrigados a criar a frente mundial contra o imperialismo” É citada a “histórica e frutuosa” Conferência Afro-Asiática de Bandung. O manifesto apela à luta de todos os africanos enquanto indivíduos e de todos os povos africanos “por uma África para os africanos”. O manifesto refere que Angola “é um país com imensos recursos” E descreve quais. (Página dois)

Apesar dos recursos abundantes, “gerações e gerações do Povo Angolano vêm arrastando uma vida triste, no trabalho forçado (contratados) na exploração desumana do seu trabalho, desagregando-lhes as famílias, morrendo prematuramente, sem assistência médica e farmacêutica”…

O manifesto fundador do MPLA define assim a sociedade da época: “Os colonialistas fazem tudo por diminuir ao mínimo a estima dos africanos por si mesmos. Reduzem a zero a contribuição do homem negro para o desenvolvimento da Cultura humana (…) A Imprensa, a Rádio, o Cinema, a Arte, a Literatura servem apenas os interesses do colonialismo”. E remata com este parágrafo: “Somos humilhados como indivíduos e como povo”.

A parte que marca a História Contemporânea de Angola é esta: “Para acabar com o colonialismo e o imperialismo é necessário criar uma frente popular geral” (página seis). E quem entra nesse amplo movimento? O Manifesto do MPLA responde: “Todas as forças, correntes e tendências contrárias ao imperialismo e na qual se realizarão todas as alianças possíveis contra o imperialismo, desde as alianças no seio de cada família até as que abarcarão todo o continente africano”. Os dirigentes da época sabiam que o sentimento de familiaridade entre os angolanos é mais forte do que o de nacionalidade!

O Manifesto do MPLA, datado de 10 de Dezembro de 1956, acaba assim (Página oito): 

Povo Angolano! Luta pela tua sagrada Liberdade! Povo negro de Angola! Luta pela tua sobrevivência! Pela sobrevivência da raça negra que os colonialistas querem assassinar! Homens, mulheres e jovens de Angola! Lutai pela nossa liberdade! Por um futuro livre, feliz e progressivo para todos! Tudo pela criação, pelo fortalecimento e pela multiplicação por toda a Angola de organizações patrióticas! Viva a luta dos povos de África e da Ásia contra o opressor colonial e racial! Viva o invencível MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA!

O Manifesto do MPLA brota dos valores defendidos na Conferência de Bandung, no ano anterior e segue rumo traçado nos dias que abalaram o mundo no Século XX, com a Revolução de Outubro, ponto de partida das revoluções do proletariado. A Conferência de Bandung teve como principal resultado o impulso dado aos movimentos de independência no continente africano. O MPLA disse presente! 

A Conferência de Bandung brotou do Congresso Pan-Africano, em 1945, dez anos antes. Participaram 29 países africanos e asiáticos. Entre os africanos destaque para o Gana (Costa do Ouro), Etiópia, Egipto, Líbia, Libéria e Sudão. Uma delegação da Frente de Libertação Nacional da Argélia participou activamente nos trabalhos, tal como o movimento de libertação da Tunísia. As organizações políticas representavam mais de 1.350 milhões de habitantes.

O “amplo movimento” tinha uma clara influência revolucionária mas absorveu as organizações nacionalistas. Lenine dizia que se escavarmos sob a pele de um nacionalista, logo na camada seguinte encontramos um reacionário. Não teve tempo para ver nascer o Nacionalismo Revolucionário que teve no MPLA a sua expressão máxima em África.

A doutrina que fez escola foi esta: “Somos todos civis obrigados a empunhar armas pela libertação da Párria Angolana”. Uma decisão sábia já que removeu qualquer veleidade militarista do movimento libertador. A FNLA sucumbiu porque a sua direcção cavou uma profunda separação entre civis e militares. Acabou com a mortandade de Kinkuzu e a irrelevância do movimento em 1974, apesar do apoio dos EUA e das forças do ditador Mobutu.

Angola em 1956 praticamente não tinha proletariado. O MPLA mobilizou quadros revolucionários no campesinato e sobretudo na burguesia urbana e rural. Alguns dos grandes dirigentes são oriundos do mundo rural. Desde logo Agostinho Neto. Mas também o almirante Condesse de Carvalho (Toca) filho da Damba e um dos fundadores do Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), comandantes Pedalé, Bula, Nzaji, Dangereux, Orlog, Dack Doy, Gonçalves da Silva (Margoso), Ludy Kisasunda, David Moisés (Ndozi), João Luís Neto (Xiyetu), Delfim de Castro, Foguetão e tantos outros. Estou a escrever ao sabor da memória.

Grande número de dirigentes e comandantes saiu da burguesia urbana: Lúcio Lara, Carlos Rocha (Dilolwa),Iko Carreira, Hélder Neto, Manuel Lima, Gika, Onambwe, os irmãos Almeida (Luís e Mário/Kasesa), Caros Pestana Hieneken, Benigno Vieira Lopes (Ingo), João Saraiva de Carvalho (Tetembwa), Lopes Teixeira (Tutu), Bento Ribeiro (Kabulo), Eurico Gonçalves. Kianda e dezenas de outros. Estou a escrever os nomes que chegam à memória no momento. O médico Pádua, da alta burguesia luandense, dava apoio aos refugiados angolanos na fronteira com o Congo Kinshasa, em 1961. O MPLA era mesmo uma grande aliança de classes. Por isso venceu sempre e resistiu a todos os encontrões.

As mulheres angolanas foram decisivas na Luta Armada de Libertação e na Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial. As mulheres camponesas tiveram um papel de destaque. Mas também a burguesia urbana deu um contributo especial. Destaque para Maria Mambo Café (Tchyina), Deolinda Rodrigues, Irene Cohen, Teresa Afonso, Engrácia dos Santos e Lucrécia Paim fundadoras da Organização da Mulher Angolana (OMA). 

O 27 de Maio de 1977 marca uma viragem dramática nas políticas do MPLA. Os golpistas defendiam ideias racistas (extrema-direita). Face a um movimento revolucionário e popular só podiam mesmo ser esmagados. Mas a partir dessa data implantou-se em Angola, à vista desarmada, o etnonacionalismo de expressão Kimbundu que rapidamente ganhou força em Angola e no movimento. Os ajudantes do regime de apartheid da África do Sul aproveitaram a oportunidade e criaram as bases para o etnonacionalismo de expressão Umbundu. 

Em 1992 foi o triunfo da subversão do Manifesto do MPLA e do juramento de fidelidade dos seus militantes aos valores propostos e definidos em 1956. Com o Acordo de Bicesse Angola deixou de ser uma república popular. As FAPLA viraram FAA sem popular e sem libertação. O MPLA regressou à versão original e abdicou do Partido do Trabalho. 

Desde então a extrema-direita avançou ainda que timidamente. José Eduardo dos Santos de vez em quando colocava-lhe um travão. Hoje corre à solta e não parece existir força humana que a trave.

Em 2019, o Comité Central passou de 134 para 497 dirigentes. Em 2021 subiu para 693. Pensei que esta decisão servia para reforçar a ligação da direcção às bases. Afinal foi para tornar o MPLA ingovernável. Ninguém se entende num Bureau Político com mais de 70 membros! O amplo movimento está a ser infiltrado pela extrema-direita. À vista desarmada. Ao mesmo tempo a direcção permitiu que FMI, Banco Mundial e União Europeia, financiadores da extrema-direita mundial, fossem eleitos parceiros privilegiados. 

Não vale a pena disfarçar, quem dá a cara por esta viragem é João Lourenço. Sem titubear. Sem gaguejar. Assume inteiramente o papel de vassalo do estado terrorista mais perigoso do mundo. É um sinal de submissão ao imperialismo de um partido que ajudou a libertar a África Austral do colonialismo, do nazismo sul-africano e seus parceiros da UNITA. O Manifesto do MPLA é um libelo acusatório ao colonialismo, ao esclavagismo e ao imperialismo. O actual líder anda de braço dado com os matadores do Povo Angolano. 

Os EUA causaram muita morte em Angola. Muita destruição. Muita fome. Muito sonho naufragou. Hoje os matadores de ontem têm voz no Palácio da Cidade Alta. Nunca se esqueçam que a extrema-direita está no poder em Washington desde o pai Bush. O resto é folclore. Qual é a diferença entre Biden e Trump? As penas e o bico. Leiam rapidamente NIkos Poulantzas que ele explica tudo sobre as superestruturas ideológicas. A ascensão da extrema-direita após a crise financeira de 2007 acontece porque é o último recurso do imperialismo para reinar. Regressem rapidamente aos valores do Manifesto do MPLA! 

Viva a luta dos povos de África e da Ásia contra o opressor colonial e racial! Viva o invencível MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA! É assim que termina o Manifesto do MPLA depois de apelar à criação de uma ampla frente contra o imperialismo. João Lourenço não perde uma oportunidade de declarar o seu apoio à frente imperialista que estrebucha para impedir o fim do mundo unipolar sob a patorra do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). 

*Jornalista

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