terça-feira, 22 de agosto de 2023

Angola | O Enxame dos Marimbondos Solidários – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O jornal O País prestou um serviço inestimável à sociedade ao divulgar partes do Acórdão do Tribunal Supremo, que confirma a sentença do Tribunal da Comarca de Luanda no processo do empresário Carlos São Vicente. Um dos factos que levou os conselheiros a tomar tal decisão “teve como base os depoimentos de todos os declarantes ouvidos, entre os quais responsáveis das áreas financeira e jurídica, bem como administradores do Conselho de Administração da petrolífera, que afirmaram desconhecer o processo de alienação da participação social desta no grupo AAA para outras entidades”.

Importantíssimo. Os altos funcionários da Sonangol que fizeram tal declaração assumiram oficialmente que foram gravemente negligentes. Nem se deram ao trabalho de ler os relatórios e contas de uma empresa que, segundo eles, era propriedade exclusiva da petrolífera do Estado. Negligência criminosa ou falsas declarações em Tribunal.

O jornal O País ainda ofereceu mais ao revelar que “além das provas documentais, os conselheiros levaram em consideração os depoimentos prestados em Tribunal pelas testemunhas Paulo Jorge Martins Ferreira Marques, Walter Costa Manuel do Nascimento, Rosário Simão Jacinto, Sebastião Pai Querido Gaspar Martins e Francisco de Lemos José Maria. Todos, de forma concordante, garantiram que o projecto AAA foi criado e realizado com fundos inteiramente públicos”.

Francisco de Lemos e Sebastião Pai Querido hoje fazem parte do enxame de marimbondos do Presidente João Lourenço. Pai Querido é o PCA de serviço. Ao declararem em Tribunal que a empresa AAA Seguros SA era pública e de capitais exclusivamente públicos não testemunharam, fizeram uma confissão de negligência criminosa. Porque por dever de ofício tinham que ler os relatórios e contas da empresa AA Seguros SA e lá estava a estrutura accionista. E a referência a “sociedade anónima”. Isso queria dizer que não era uma empresa pública.

O Acórdão ao qual o jornal O País teve acesso remata assim: “O que é certo, e cuja prova abunda nos autos (depoimento de testemunhas, documentos diversos), é que a AAA SEGUROS SA tratava-se de uma empresa pública, gerada por iniciativa pública”. Durante anos e anos existiram assembleias de accionistas da AAA Seguros SA. A Sonangol esteve sempre presente. Os “declarantes” altos funcionários da Sonangol nunca denunciaram as alterações do quadro accionista. Se houve crimes, eles foram cúmplices e de que maneira! 

A “notícia” do jornal O País, nesta altura, não serve para denunciar a conivência dos marimbondos do enxame de João Lourenço. Serve sim para respaldar uma próxima decisão do Tribunal Constitucional em resposta à arguição de nulidades da sentença. Uma delas foi o Tribunal da Comarca de Luanda ter recusado ouvir como testemunhas o Presidente José Eduardo dos Santos e o ex-PCA da Sonangol Manuel Vicente. Está visto o resultado final.  

O empresário Monteiro Kapunga foi um marimbondo. Faleceu e as autoridades proporcionaram-lhe um funeral de Estado. Fizeram bem porque ele merece largamente todas as homenagens.

O empresário Silvestre Tulumba, segundo notícias postas a circular e não desmentidas, quer comprar a participação accionista (25 por cento) da Sonangol na UNITEL. Ofereceu 250 milhões de dólares. O marimbondo do enxame de João Lourenço já comeu noutras colmeias. Uma delas, o Banco de Poupança e Crédito (BPC), proporcionou-lhe tanto dinheiro que fez de Tulumba um dos maiores devedores da instituição bancária. 

Angola em 1992 abandonou a democracia popular e o socialismo. Aderiu à democracia representativa e à economia de mercado, nome simpático para o capitalismo que mata com fome, naufrágios de refugiados, miséria e exclusão. O MPLA e o seu líder, José Eduardo dos Santos, adoptaram como política de Estado a criação de uma burguesia nacional com nervo financeiro e capacidade empresarial. 

Em 1974 e 1975 nós pagávamos ao MPLA. Fazíamos colectas nos locais de trabalho, nas escolas, nos quarteis. Era preciso financiar as actividades políticas do movimento. Um dia fui informado de que ia nascer o jornal “O Huambo”, próximo do MPLA. Nas centrais do primeiro número ia ser publicada uma entrevista com o almirante Rosa Coutinho. 

Hermínio Escórcio deu-me essa missão. O secretário da Comunicação Social, comandante Correia Jesuíno, tratou da entrevista. Informou-me que o alto-comissário ia à cidade do Huambo e lá podia falar comigo. “O Huambo” entrevistava o alto-comissário na cidade do Huambo. Muito bom. Disse a Hermínio Escórcio que precisava de um bilhete na DTA (hoje TAAG) para ir entrevistar Rosa Coutinho, E ele muito admirado respondeu: - Tu pensas que o MPLA é uma agência de viagens? Vai pelos teus meios!

E fui. O dinheiro só chegou para a ida. A volta foi rapidíssima. Os activistas na cidade meteram-me numa ambulância e regressei a Luanda em alta velocidade, deitado numa maca. Esses actvistas foram assassinados cruelmente pela UNITA em Junho de 1975.

O MPLA em 1992 passou a ser uma agência de viagens, pagava em vez de receber contribuições dos militantes, arranjava empregos, tachos e tachões. Verdadeira pátria de acomodados e toda a espécie de oportunistas. Nessa época a direcção adoptou uma medida sábia e de grande alcance. Foi criada uma rede empresarial para financiar as actividades políticas do partido. Muito bom! 

Ao mesmo tempo surgiu uma rede solidária financiada pelos novos-ricos. As eleições de 2008 foram financiadas por eles. Sou amigo de um dos principais financiadores. Pequenos, médios e grandes negócios eram financiados pela “rede”. Bolsas de estudo, compra de viaturas, apoios na saúde. Até salários a funcionários públicos e às forças de defesa e segurança pagavam! A Segurança Social não tinha hipótese de actuar porque poucos contribuíam. Tudo era pago pelos marimbondos. A rede solidária foi desmantelada em 2017 e hoje as políticas sociais não respondem às necessidades das populações mais carenciadas.

Quem financiou a guerra desencadeada pelos sicários da UNITA quando perderam as eleições? Os marimbondos. Muito ou pouco dinheiro? Há males que podem dar algum bem. A guerra na Ucrânia, sendo inegavelmente um mal, já nos deu uma grande lição.

No primeiro ano de guerra (até Fevereiro deste ano) os EUA gastaram na Ucrânia 77 mil milhões de dólares. A União Europeia entrou com 80 mil milhões de euros até Junho deste ano (um ano e meio de guerra). Para o segundo semestre foram desbloqueados mais 30 mil milhões. Ontem Zelensky recebeu em Estocolmo uma “ajuda” de 2,5 mil milhões de euros da Suécia. Mais aviões de guerra e armas. O Reino Unido, no primeiro ano de guerra, entrou com 400 milhões de libras. Em Junho passado reforçou com mais um bilião de libras. Fora as armas!

A guerra não é conversa de jornal, rádio e televisão. Além de vidas humanas custa imenso dinheiro. Os propagandistas da UNITA não sabem porque só querem saber do dinheiro dos diamantes de sangue. A guerra do regime racista de Pretória imposta a Angola nas províncias do Sul, Sudeste e Leste de Angola entre 1975 e a vitória na Batalha do Cuito Cuanavale (23 de Março de 1988) teve um teatro de operações com 500.000 quilómetros quadrados. A Ucrânia toda tem 603.000 quilómetros quadrados. 

Os racistas de Pretória tinham o seu “grupo Wagner” chamado UNITA. Sabotavam unidades económicas em todo o país (até no Lobito e Luanda…) para “secarem” as fontes de financiamento da Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Façam as constas e facilmente podem concluir quanto o Estado gastou. Os racistas de Pretória, quando assinaram a capitulação com os Acordos de Nova Iorque, não pagaram nada. Os sicários da UNITA não pagaram e continuaram a roubar os diamantes de sangue. Ainda roubam. O enxame de marimbondos do Galo Negro tem carta-branca para roubar à vontade. Não estão abrangidos pela “recuperação de activos”.

A rede solidária criada pelo MPLA em 1992 prestou serviços inestimáveis ao Povo Angolano. Em 2017 foi desmantelada e ninguém a substituiu. Os resultados estão à vista. Há municípios em morte social e económica. Até já falharam o pagamento dos salários aos funcionários públicos! Sabem por que razão os resultados eleitorais em 2022 não foram esmagadores? Porque os marimbondos são perseguidos e desmantelada a rede que financiavam.

A rede não funcionava apenas em Luanda, nas províncias também. Cabinda, Malange, Lunda Sul e Huíla sei como funcionavam e quem financiava. No Lubango, o empresário “Caga Milhões” financiava as populações mais carenciadas. O seu filho tomou conta dos negócios em 1992. Criou riqueza e muitos postos de trabalho. Afortunadamente entrou para o enxame do Presidente João Lourenço. Espero que continue com a sua missão filantrópica em nome do glorioso MPLA. O sistema só funciona com corrupção, exploração e latrocínio. Deixem-se de teatro e ponham os ricaços a pagar as redes solidárias criadas em 1992!

Hoje desembarcou em Luanda o Presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel. Foi recebido elo seu homólogo João Lourenço, amigo do peito de Joe Biden, que mantem um embargo ao país, há mais de 60 anos. Coisas da vida que não vou comentar por uma questão de higiene. Este marimbondo anda a morder os nossos filhos nos olhos!

*Jornalista

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