Thierry Meyssan*
A viagem do Presidente Volodymyr Zelensky aos Estados Unidos esclareceu as últimas ambiguidades a seu respeito. Todos se interrogavam sobre a sua estratégia. Ele não parece procurar defender os seus, já que mobiliza todos os seus homens e os envia para a morte na frente sem esperança de vitória. Agora aparece como não hesitando em mentir, em enganar, e tentando, por todos os meios, expulsar certos Estados das organizações intergovernamentais.
Como não fazer um paralelo com Stepan Bandera, o qual massacrou aos milhares os seus próprios compatriotas nos últimos dias da Segunda Guerra mundial, quer dizer quando a derrota do Reich já não apresentava nenhuma dúvida?
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky dirigiu-se à 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas para pronunciar aí o seu discurso habitual sobre o “terrorismo russo”. Foi a sua primeira intervenção nessa tribuna.
Este ano, quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança não enviaram os seus chefes de Estado ou de Governo: a China, a França, o Reino Unido e a Rússia. Como é evidente, apesar dos belos discursos, há qualquer coisa que já não funciona mais nesta instituição.
Resumamos o discurso do Presidente Zelensky:
A Rússia utiliza a alimentação como uma arma contra o resto do mundo e o
«jogo», a seu favor, de certos países europeus. Ela também utiliza reactores
nucleares civis como armas, tal como faz
Todas as delegações aliadas dos Estados Unidos aplaudiram calorosamente este discurso, enquanto todas as outras reagiram com discrição.
Este discurso suscita vários comentários:
• O argumento da utilização da alimentação como arma remete para os cercos visando
esfomear as populações, tal como ontem na Coreia do Norte ou hoje no Iémene.
Ora, não é nada disso que fazem os Russos na Ucrânia, onde eles atacam os
interesses das grandes empresas norte-americanas (Cargill, Dupont e Monsanto)
proprietárias de um terço dos cultivos ucranianos. A utilização das centrais
nucleares civis como arma de guerra deve ser entendida como tendo um efeito
apenas na proximidade. Os Russos ocupam a central eléctrica de Zaporijha e
perderiam seus soldados em caso de radiações. Pelo contrário, são as Forças
ucranianas que os ameaçam com as radiações para os expulsar. Finalmente, a
Rússia jamais raptou crianças ucranianas, mas, sim protegeu as crianças das
zonas de combate deslocando-as para o interior do seu território. A condenação
do Tribunal Penal Internacional baseia-se exclusivamente na recusa em
considerar como legal a adesão da Crimeia, do Donbass e de parte da Novorossia
à Federação da Rússia.
• O argumento do expansionismo russo talvez provoque medo aos Cazaques e aos
Bálticos, mas não é mais do que um processo de intenções. Voltar a um possível
uso do clima como arma atesta ignorância da história. Os Estados Unidos já o
utilizaram na guerra contra o Vietname, fazendo chover durante meses na Trilha
de Ho Chi Min, a rota de abastecimento do Vietcong através da selva laociana
(Operação «Popeye»). Eles acabaram por assinar a Convenção para a Interdição de
utilização de técnicas de modificação do ambiente para Fins Militares ou
quaisquer Outros Fins Hostis.
• Afirmar, sem os nomear, que a Polónia, a Hungria e a Eslováquia fazem o jogo
dos Russos, ao proibirem a importação de cereais ucranianos a preços reduzidos,
é um insulto a estes países. A Polónia que, esquecendo o massacre de mais de
100. 000 Polacos (Poloneses-br) pelos nacionalistas integralistas ucranianos
durante a Segunda Guerra Mundial, acolheu, no entanto, 1,5 milhões de
refugiados ucranianos desde o início da actual guerra, irá seguramente apreciar
isto.
• O apelo para a defesa da «Ordem mundial baseada em regras» só pode ser tomado
como um desafio à maioria dos membros das Nações Unidas que se batem, pelo
contrário, por um regresso ao Direito Internacional. O plano de paz ucraniano
só diz respeito, pois, ao campo ocidental e visa prolongar a guerra.
• A conclusão do Presidente Zelensky tem a ver com um poema de Taras Shevchenko
(1814-1861). A expressão «Slava Ukraini!» tornou-se o grito de afirmação dos
nacionalistas integralistas ucranianos de Dmitry Dontsov e Simon Petliura
durante a guerra contra a revolução soviética, quando massacraram os judeus e
anarquistas da Novorossia. Depois tornou-se o grito de vitória dos
nacionalistas integralistas ucranianos de Dmitry Dontsov e Stepan Bandera
quando massacraram os judeus, os ciganos e combatentes da Resistência.
Finalmente, tornou-se o equivalente do «Heil Hitler!» » a partir de
A reunião do Conselho de Segurança que se seguiu devia durar dois dias. Para além dos membros do Conselho, 45 Estados haviam pedido para aí se pronunciarem .
A presidência rotativa calhava à Albânia. Esta decidira fazer que o presidente ucraniano interviesse imediatamente após o Secretário-Geral da ONU e antes dos membros do Conselho. Além disso, ela havia inscrito a OSCE entre os oradores.
Logo após a abertura dos debates, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, apresentou um ponto de ordem. Ele contestou o privilégio dado ao presidente ucraniano, em violação dos regulamentos do Conselho, e exigiu que o representante da Macedónia do Norte enquanto presidente da OSCE apenas falasse sobre o assunto para o qual tinha sido mandatado por essa organização. O Presidente albanês da sessão, Edi Rama, depois de ter ridicularizado este «grandioso» ponto de ordem, respondeu-lhe que já existiam precedentes para uma intervenção perante os membros do Conselho (certamente, mas todos foram aceites por unanimidade). Concluiu observando que para evitar que o presidente ucraniano falasse em primeiro lugar, bastava à Rússia retirar-se da Ucrânia. De acordo com o Artigo 33 do Regulamento interno, ele remeteu o ponto de ordem para uma discussão posterior.
Serguei Lavrov encaixou o Golpe. Ele não abandonou a sala. Ele lembrou-se que aquando da guerra da Coreia, a URSS abandonou os debates nas Nações Unidas para protestar contra a presença dos rebeldes de Tchang Kai-chek em vez e no lugar dos representantes de Mao Zedong, mas Washington aproveitou isso para levar à votação a ajuda da comunidade internacional à Coreia do Sul contra a Coreia do Norte.
Seja como for, este incidente demonstra a parcialidade da presidência albanesa e não poderá ficar sem resposta. Que a Albânia seja um adversário declarado da Rússia (organizou um debate sobre a fórmula Aria quanto aos “raptos” de crianças pela Rússia) é uma posição. Mas a questão é que ela viola o regulamento em cada uma das suas presidências do Conselho. Fora já o caso em 28 de Junho de 2022. Por sua alta recreação havia convocado uma sessão sobre a situação na Ucrânia, sem a referir aos membros do Conselho. Convidou o Presidente Zelensky para tal, autorizando-o «excepcionalmente» a falar por videoconferência. Aí ela impôs um minuto de silêncio, sem o referir aos membros do Conselho. No dia seguinte, 29 de Junho de 2022, ela presidiu a uma sessão sobre a situação na Síria. De novo, convidou por sua própria iniciativa, sem se referir aos membros do Conselho, uma associação norte-americana, a Syrian Emergency Task Force (a Força-Tarefa de Emergência Síria-ndT), que lá se expressou de maneira grosseira e insultou vários membros do Conselho.
O debate prosseguiu com a intervenção do Secretário-Geral, António Guterres. Primeiro, este lembrou que algumas reuniões multilaterais desenrolam-se de forma eficaz, como a que trata do plano para a salvaguarda dos objectivos do desenvolvimento sustentável. Depois, qualificou a invasão da Ucrânia pela Rússia como uma violação flagrante da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional. No plano judicial, fez saber que as equipas de investigação continuam a recolher provas de violações chocantes e generalizadas de direitos humanos « que são principalmente obra da Federação da Rússia », aqui incluídas as transferências forçadas de crianças. Por fim, congratulou-se com o acordo sobre cereais e lamentou que a Rússia não o tivesse renovado.
A posição do Secretário-Geral expressa apenas a sua opinião pessoal. No caso, ela não se baseia em nenhuma decisão de Direito e não leva em conta a posição russa. O Processo actualmente em curso no Tribunal Internacional de Justiça, ou seja, no tribunal interno das Nações Unidas, ouvirá as duas partes. Apenas a este caberá julgar se houve uma violação da Carta, já que a Rússia declarou ter lançado uma operação militar especial em conformidade com a Resolução 2202 ( «Acordos de Minsk» ) do Conselho de Segurança da ONU. Além disso, o Tribunal apenas se pronunciará sobre uma questão, a de saber se a Ucrânia massacrava ou não os seus próprios cidadãos antes da operação militar especial russa. Estamos a falar de cerca de 20 mil cidadãos.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pronunciou-se então. Ele começou o seu discurso perguntando como é que um Estado que viola a Carta da Nações Unidas pode ter assento no Conselho de Segurança ? Ele salientou que a Assembleia Geral reconhecera que a Rússia, e não a Ucrânia, era a responsável pela guerra. Ele apresentou então o seu plano de paz de 10 pontos. Esse, que já havia sido apresentado ao G20 em Bali, não leva em conta as reivindicações da Rússia. Não se trata, pois, propriamente falando de um plano de paz, mas mais das exigências da Ucrânia. Já agora, ele pediu que a Assembleia Geral adoptasse, por maioria de dois terços, uma modificação dos seus estatutos e privasse a Rússia do seu direito de veto. Finalmente, apelou a todos os Estados presentes que participassem na conferência de “paz” que o seu país está a organizar.
O presidente da sessão, Edi Rama, interrogou-se sobre a situação actual: um membro do Conselho de Segurança viola a Carta Constitutiva da ONU! Felizmente, apesar da utilização abusiva do seu direito de veto, a maioria dos membros do Conselho vela pelo respeito dos seus valores. Depois, deu a palavra aos membros do Conselho conforme a ordem de inscrição.
Ora, os seus discursos nada
trouxeram de novo. Ninguém ousou seguir o apelo da Ucrânia para privar a Rússia
do seu direito de veto. Aqui é necessária uma pequena revisão: durante a
criação da ONU, o Norte-Americano Franklin D. Roosevelt e o Britânico Winston
Churchill opuseram-se ao Soviético Joseph Stalin. Os Estados Unidos e o Reino
Unido queriam criar uma organização que governasse o mundo em função das suas
próprias concepções, enquanto a URSS entendia que ela devia ditar o Direito
Internacional e prevenir as guerras. Foi a concepção soviética que triunfou. O
direito de veto leva em conta a realidade militar da época. Não há um direito
de veto legítimo e um outro abusivo. Muito simplesmente, não é possível que o
Direito Internacional seja respeitado por todos quando ele vai de encontro aos
interesses de um dos seus membros mais poderosos. A ideia de privar a Rússia do
seu direito de veto jamais havia sido expressa
Após o seu discurso, o Presidente Zelensky deixou a sala, não querendo perder tempo a escutar as outras delegações. Ele precipitou-se para Washington a fim de discursar perante o Congresso, como já havia feito em Dezembro de 2022. No entanto à sua chegada ao Capitólio, o Presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, disse-lhe de imediato que isso estava fora de questão. Os parlamentares estavam com uma agenda muito carregada, afirmou. Decepcionado, o Presidente ucraniano teve de se contentar com uma reunião com os Presidentes das duas câmaras e alguns Senadores democratas.
O tempo do apoio incondicional acabou. Como todos os seus homólogos ocidentais, os parlamentares norte-americanos compreenderam que:
- as munições faltam e a indústria de armamento ocidental não consegue
rivalizar, nem a curto, nem a médio prazo, com a da Rússia;
- a rebelião do proprietário do Grupo Wagner, Evgueni Prigojin, e do chefe
desta unidade, o nazi Dmitry Outkin, contra o Kremlin falhou ;
- a contra-ofensiva ucraniana é extremamente mortífera, mais de um milhar de
mortos por dia desde há duas semanas, sem atingir êxitos significativos.
Muitos gostariam, pois, de negociar uma saída da crise ou, pelo menos, parar de gastar somas astronómicas para nada. Os Republicanos escreveram à Administração Biden para lhe exigir uma contabilidade precisa da utilização que foi feita com os fundos já atribuídos. Enquanto aguardam uma resposta, não votarão nem mais um dólar. O Pentágono pensa portanto em meios de desviar material e prosseguir o envolvimento dos EUA ao lado da Ucrânia. Ele esconde-se por trás do possível bloqueio do orçamento do Estado federal em caso de um desacordo de fundo entre o Capitólio e a Casa Branca.
Para apagar a afronta dos parlamentares, o Secretário da Defesa e o Presidente Joe Biden concederam uma entrevista ao presidente ucraniano. Este também visitou uma universidade, a Fundação Clinton e o Atlantic Council, e conversou com os patrões de sociedades financeiras. Mas o facto é este: todos observaram os excessos do Presidente Zelensky e a sua incapacidade em ganhar esta guerra. Agora todos puderam verificar que Volodomyr Zelensky não busca defender o seu país. Pelo contrário, ele envia os seus homens para a morte a troco de nada diante da linha de defesa russa. Age como sempre fizeram os nacionalistas integralistas e os nazis: ele não hesita em mentir aos seus, em trapacear e tentar por todos os meios provocar um confronto geral à custa do sacrifício do seu próprio povo.
Thierry Meyssan* | Voltairenet | Tradução Alva
* Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sousnos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyableimposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte
Ávila Editores, 2008).
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