quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Angola | Carta Aberta a Um Traidor – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Senhor Lloyd Austin seja mal vindo a Angola. A sua presença aqui é repudiada pela Dignidade e a Honra que nos resta. As suas mãos são as mãos dos que mataram um menino negro, na margem do Mississipi, porque ofereceu uma rosa à menina branca que o encantou. Não estava lá, não vi. Mas Nicolás Guillén, com os olhos da sua poesia, viu nas costas dele as cicatrizes frescas das asas. Os brancos que lhe pagam os sete dinheiros da traição, senhor secretário da Defesa, mataram o menino na flor da vida.

Seja mal vindo a Angola. Nos seus olhos ainda estão as marcas da crueldade dos que assassinaram Earl Little, nascido na Geórgia, só porque pertencia à Associação Universal para o Progresso Negro. O seu país só para brancos alimenta-se do sangue de quem pensa. Na sua mente ainda habitam as torturas que levaram  Louise Helen Little à loucura. Ficou sem os oito filhos e foi internada compulsivamente. Só 24 anos depois os filhos a libertaram para ela ver como o estado terrorista mais perigoso do mundo continuava a torturar e matar seres humanos desobedientes às leis do império.

Senhor Austin, o que nos resta de Honra e Dignidade diz-lhe alto e bom som que é mal vindo porque traz nas mãos as marcas da morte de Louise e Earl, pais de Malcom X ele também assassinado porque escreveu esta mensagem, que tenho guardada na parte mais dolorosa do meu coração de homem que nasceu numa sociedade de racistas primários, colonialistas cruéis, ocupantes analfabetos amestrados no uso do chicote. Leia a mensagem de Malcom X:  

“O maior milagre que o Cristianismo conseguiu nos EUA foi que o homem negro nas mãos brancas Cristãs não se tornasse violento. É um milagre que 22 milhões de pessoas negras não se tenham erguido contra os seus opressores - no que teriam sido justificados por todos os critérios morais, e mesmo pela tradição democrática! É um milagre que uma nação de negros tenha acreditado tao fervorosamente em dar a outra face e na filosofia do céu para ti depois de morreres! É um milagre que o Povo Negro americano tenha permanecido pacífico, enquanto apanhava todos os séculos de inferno que apanhou, aqui no paraíso do homem branco!”

Senhor Austin, minha Mamã nasceu em New Bedford, estado de Massachusetts, condado de Bristol. Cresceu em Providence. Nunca conseguiu curar a mágoa das bombas atómicas despejadas sobre Hiroxima e Nagasaki pelos brancos que lhe pagam para vir atentar contra o que nos resta de Honra e Dignidade. 

Senhor secretário da Defesa do estado terrorista mais perigoso do mundo, como está programado para a traição, jamais compreenderá que ao roubar-nos a Honra e a Dignidade nos deixa irremediavelmente mis pobres. Também não vai nunca perceber que com a nossa Honra e Dignidade os brancos que lhe pagam não ficam mais ricos. Apenas ficam com mais um troféu da infâmia igual a tantos outros: Extermínio de índios, mexicanos e negros. Diplomacia da canhoneira e da ocupação pela força. Torturas. Assassinatos. Golpes de estado sangrentos. Latrocínio no Iraque, na Líbia e onde for preciso para roubar e matar.

Senhor Austin, escravos das plantações do Sul revoltaram-se contra os libertadores do Norte. Queriam continuar a ser escravos! O senhor colocou-se desse lado 158 anos depois. É um corpo avantajado numa cabecita minúscula de servo. Um apóstolo da servidão. Um serviçal do terror. Criado para todo o serviço. Os brancos que lhe compraram a honra e a dignidade até o mandam a África vender armas para a festa da morte continuar em alta.

Senhor Austin seja mal vindo a Angola. Na sua bagagem traz a morte. A dominação. A hipocrisia. O insulto à nossa História. Um negro magrinho, meia altura, bigodinho, veio de Santiago de Cuba para Angola, fuzil na mão e coração amargurado. Para trás ficaram três filhos ainda crianças, uma companheira, amigos, toda uma vida. Pediu-me o bloco onde tomava notas de reportagem e escreveu um poema intitulado O Reencontro. Os seus ancestrais eram escravos mas seus pais ele próprio foram libertados pela Revolução Cubana, um dos acontecimentos mais notáveis na História da Humanidade.

Senhor secretário da Defesa do estado terrorista mais perigoso do mundo, esse negro veio ajudar o Povo Angolano a libertar-se. Veio participar na nossa luta pela Honra e a Dignidade. Como milhares de outros cubanos anónimos. A sua presença em Angola, senhor Austin, é um escarro na memória dos nossos mortos da guerra que os EUA nos impuseram. Entre eles estão muitos internacionalistas cubanos. Uma alta figura do país que impõe a Cuba um criminoso embargo vem a Luanda, passadeira vermelha estendida e entrada no Palácio da Cidade Alta. É o cúmulo da indignidade.

Senhor Austin, não veio reencontrar-se com os seus ancestrais. Veio trazer mais correntes de ferro pesadas, que os escravos angolanos vão arrastar penosamente pelos caminhos da indignidade e da desonra, para os quais foram arrastados pelos dirigentes que se venderam por meio prato de feijão maconde e uma viagem de borla a Nova Iorque, com estada em hotel de luxo. O senhor é um insulto a esses desgraçados mas eles estão tão ofuscados que nem dão por isso. Mais facilmente se sentem insultados por mim, porque aprendi com Agostinho Neto a viver entre as fronteiras das Honra e da Dignidade. Porque aprendi nas fileiras do MPLA a lutar pela Liberdade dos angolanos e de todos os povos do mundo.

Senhor Austin é mal vindo a Angola porque traz consigo as mãos que mataram milhares de angolanos. Mas também traz o chicote que agrediu e a arma que matou cidadãos norte-americanos como Ângela Davis, Martin Luther King, Huey Newton, Bobby Seale, Kwame Ture, Kate Neal Cleaver, Eldridge Cleaver, KJamil Al-Amin, Ron Dellums, James Forman, Peter Norman, Tommie Smith, John Carlos e tantos outros. Traz na bagagem a morte de Bessie Smith, a minha cantora favorita. 

Senhor secretário da Defesa, os PV2 e os T6 que bombardearam as minhas Mamãs e os meus Manos no Norte de Angola, em 1961, foram vendidos por um traficante de armas seu antecessor aos colonialistas, que são membros da OTAN (ou NATO). Agora vem vender armas para que os seus parceiros angolanos façam por si o trabalho sujo de matar, ocupar, submeter e destruir países africanos já destruídos, cansados de guerras, latrocínios e de mortes. É mal vindo. Não venha roubar-nos o que resta da nossa Honra e Dignidade.

A Muralha do poeta cubano Nicolás Guillén foi erguida com todas as mãos negras e todas as mãos brancas. Uma muralha que vai das montanhas do Pingano ao mar do Ambriz, do Maiombe à Pedra do Feitiço, das praias de Luanda a Benguela, do Lobito ao Luau, do Namibe à Luiana. Se nos bater à porta uma rosa enfeitando a paz, a liberdade, a igualdade, abrimos a muralha. Ao coração dos amigos abrimos a muralha. 

O secretário da Defesa do estado terrorista mais perigoso do mundo é o veneno e o punhal, o sabre do ocupante e o escorpião, fechamos-lhe a muralha. É mal vindo. Vá para donde veio, esse país que cresceu e se alimenta de milhões de mortos. Rico de morticínios e latrocínios. Leve consigo quem lhe abriu a porta. Tenha pena desses porteiros traidores e não os deixe aqui, conspurcando o Solo Sagrado da Pátria Angolana. 

Os que se venderam barato ao estado terrorista mais perigoso do mundo dizem-me que Angola tem de promover boas relações com todos os países. Pois sim. Mas os EUA primeiro têm que pedir perdão pelos milhões de mortos que nos causaram entre 4 de Fevereiro de 1961 e 22 de Fevereiro de 2002. Estiveram sempre do lado dos matadores, desde os colonialistas portugueses aos racistas sul-africanos.

Só podem ter relações amigáveis com Angola quando levantarem o embargo a Cuba. Nunca se esqueçam que sem a solidariedade dos cubanos Angola não era um estado independente. E as vossas fortunas colossais, os teres e haveres que ostentam só são possíveis porque sangue cubano foi derramado no Solo Sagrada da Pátria Angolana!

*Jornalista

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