sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Angola | Nem Felicidade nem Ódio* -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Graça Simbine Machel Mandela faz parte de um grupo muito restrito de mulheres africanas oriundas das colónias portuguesas e que fizeram estudos universitários na “metrópole”. Excepcional. Uma menina negra nascida em Manjacaze, Gaza, filha de camponeses, derrotou o analfabetismo, a escravatura disfarçada, os abusos dos racistas. Estudou Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Perita em inglês e alemão. Regressou a Moçambique onde as suas compatriotas eram no máximo lavadeiras ou criadas. Ela foi dar aulas no liceu. Isso não lhe deu felicidade. Mas também não estacionou no ódio. Lutou pela libertação da Pátria Moçambicana.

O banditismo político reinante serve-se da desinformação, da censura ou da falta de memória para ter ganhos. Nos anos 50 a taxa de analfabetismo entre a população negra em Angola, Moçambique, Guiné ou São Tomé e Príncipe era superior a 98 por cento. Uma negra ou um negro que sabia ler e escrever subia logo à categoria de “assimilado”. Com a quarta classe (ensino primário) entrava no funcionalismo público. Se concluía o ensino secundário nos liceus ou nas escolas técnicas (comerciais e industriais) chegava mais alto mas não muito porque a cor da pele desqualificava. Negras e negros com cursos superiores eram raríssimos.

Nas colónias havia uma excepção. A taxa de analfabetismo em Cabo Verdade era menor do que a “metrópole”. Mais de metade dos jovens cabo-verdianos concluía o curso geral do liceu! Os fascistas de Lisboa tinham em Cabo Verdade mão-de-obra para o funcionalismo no seu império colonial.  

Nos anos 60 o panorama mudou muito com o deflagrar da Luta armada de libertação nacional em Angola, Guiné e Moçambique. No que diz respeito a Angola, em 1962 foi instalado ensino superior graças à luta e resiliência de figuras como Manuel Pereira do Nascimento (Liga Africana) e os colonos mais progressistas que não queriam ver seus filhos partir para a “metrópole” quando acabavam o ensino secundário. A mudança foi protagonizada por Pinheiro da Silva angolano de Cabinda e que era secretário da Educação no governo de Silvino Silvério Marques. Os primeiros passos foram dados pelo governador Venâncio Deslandes, general da Força Aérea Portuguesa.

Graça Simbine Machel Mandela é presidente da Fundação para o Desenvolvimento das Comunidades. Foi a Benguela participar nas celebrações do 30º aniversário do Grupo Carrinho e homenagear a sua fundadora, Leonor Carrinho, uma angolana oriunda da Ganda, filha de camponeses como a ilustre convidada.

A conferência de Graça Simbine Machel Mandela teve como tema “Impacto Social do Fomento Agrícola e a Liderança da Mulher Africana Empreendedora”. Defendeu que uma alimentação com todos os nutrientes e equilibrada “é um direito humano porque permite que todos os outros direitos sem exercidos”. E disse mais: “Para termos saúde precisamos de uma boa alimentação. Para termos êxito na educação precisamos de uma alimentação adequada”. Por isso, a segurança alimentar e nutricional “tem de ser a prioridade número um do poder público e do sector privado”.


A conferencista tem contribuído para que milhares de famílias moçambicanas e africanas vençam a fome e a miséria. E para o sucesso dá um conselho: “Tenham a coragem e a determinação de fazerem o impossível, mostrarem que não há limites para aquilo que o potencial de uma mulher pode atingir”. Sem felicidade nem ódio, apenas Lutar ela dignidade. 

Após participar na conferência e Benguela, Graça Simbine Machel Mandela foi a Luanda visitar o empresário Carlos São Vicente, preso injustamente pelos esbirros do mobutismo reinante, às ordens do chefe, depois de um julgamento realizado numa esquadra por polícias com togas, fazendo Justiça em nome do patrão que lhes dá dez por cento dos bens extorquidos. A visita ao prisioneiro não teve direito a notícia. Para o público não aconteceu. O empresário espoliado e injustamente preso, está sozinho. Ninguém se lembra dele. Nem amigos e camaradas. Nem felicidade nem ódio. Apenas indignação.

Graça Simbine Machel Mandela foi visitar o prisioneiro Carlos São Vicente para mostrar as relações especiais que sempre existiram entre as famílias de Agostinho Neto e Samora Machel. Em Angola andam em sentido contrário. 

A Fundação Dr. António Agostinho Neto teve grandes dificuldades para comemorar o centenário do nascimento do Fundador da Nação Angolana. Por ordens do chefão, os polícias justiceiros congelaram as contas da instituição. Nem um Kwanza pode ser movimentado. Quando João Lourenço soube que as contas bancárias de Maria Eugénia Neto estavam bloqueadas, até a conta onde recebe a pensão do Estado Angolano, mandou libertar o dinheiro para que a viúva de Agostinho Neto não tivesse de andar a pedinchar. 

As contas da Fundação continuam bloqueadas! Para o chefe, a instituição é criminosa! Não dá ordens para descongelar as contas bancárias. É até fechar as portas. Eliminar tudo o que tenha a ver com Agostinho Neto, inclusive (em primeiro lugar?) o MPLA! Por falta de fundos (estão às ordens da comissão de destruição de activos) a direcção da Fundação vai suspender metade dos seus funcionários. O passo seguinte, se nada mudar, é fechar mesmo. Ninguém se indigna com esta perseguição desumana. Ninguém reage ao espezinhar da memória do Fundador da Nação. Afinal Agostinho Neto estava mais só do que pensava. Nem felicidade bem ódio. Apenas desprezo pela cobardia e a ingratidão.

Agostinho Neto Faleceu faz hoje 44 anos. Nem concluiu quatro anos de mandato. Mas em pouco tempo deixou-nos uma Pátria Livre, restitui-nos a cidadania e a dignidade. Pouco mais de quatro décadas foram suficientes para renegarem o seu legado político e cultural. Embaciarem, sujarem ou apagarem a sua memória. Perseguirem a sua família. Estrangularem a Fundação Dr. António Agostinho Neto bloqueando as contas bancárias da instituição. Os colonialistas não faziam pior. Nem felicidade nem ódio. Apenas espanto ante a miséria moral. 

*Verso de Agostinho Neto

*Jornalista 

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