Três cambalhotas, dois pretendentes e uma "gerinponcha"
O acordo parlamentar com o PAN está fechado e admite-se que, para evitar a queda da nova maioria, seja atribuído ao PAN um lugar no Governo. Com a IL não houve ainda "conversas" sobre possíveis entendimentos.
Cinco dias antes da noite eleitoral, no Mercado do Santo da Serra, a certeza era "absoluta". "Nem com uns, nem com outros. Nós não fazemos acordos com socialistas, ponto. O PSD é socialista", garantiu, ao DN, Nuno Morna, que no domingo foi eleito deputado. Nem um acordo parlamentar?, questiono. "Entendimentos? Para isso não estamos disponíveis", garantiu Rui Rocha, líder nacional da Iniciativa Liberal. Ou seja, nem um acordo pós-eleitoral de Governo e nem um acordo parlamentar?, insisto. "Não", diz Nuno Morna. Rui Rocha esclarece que só aceita "uma avaliação medida a medida, proposta a proposta, programa a programa, orçamento a orçamento, e que exerçamos com responsabilidade as nossas obrigações" recusando "acordos parlamentares" que garantam uma "maioria" à coligação PSD/CDS.
No domingo, uma reviravolta. O "adulto na sala", as palavras são do líder da Iniciativa Liberal, anuncia "todo o empenho, toda a disponibilidade para que se forme uma solução de estabilidade para a Madeira".
O que aconteceu ao "não"? Ninguém da IL se mostrou disponível para esclarecer. E que acordo é aceitável? Silêncio absoluto. A única garantia é a de que ontem não houve quaisquer "conversas" sobre possíveis entendimentos.
Os dois amores
O PAN, que na Câmara do Funchal está numa coligação com o PS, abriu "todas as portas" para garantir a maioria absoluta a Miguel Albuquerque, que durante semanas e semanas contestou.
O que leva um partido a estar com PS e PSD ao mesmo tempo? Ninguém responde. E que tipo de acordo é possível? O silêncio é a resposta.
Entre sociais-democratas e socialistas há a convicção de que a "verdinha" [é assim que lhe chamam] é a opção mais segura para um acordo parlamentar dadas as "exigências mais complicadas", e que são do conhecimento público, dos liberais.
"Segura", mas "não totalmente", diz fonte social-democrata. "Um acordo parlamentar é sempre um risco. Nada garante que, a qualquer momento, por alguma divergência - e isso pode acontecer -, eles [o PAN] rasguem o combinado e vamos de novo para eleições", explica. "Mais vale uma gerinponcha com eles com Governo", acrescenta.
E nesse cenário, o PSD que já leva duas eleições regionais [2019 e 2023] sem conseguir o que Alberto João Jardim sempre alcançou (maiorias absolutas) corre o risco de "acabar por perder o Governo".
E aqui, Pedro Calado, autarca do Funchal e ex-vice de Albuquerque - que Alberto João Jardim considera, como já referiu ao DN, "o futuro" -, é o nome mais forte para conquistar a liderança do partido.
"O mais seguro, em nome da estabilidade, será, por isso, dar-lhes [ao PAN] uma secretaria regional", diz fonte parlamentar do PSD-M.
O acordo que foi fechado ontem, e que só hoje será conhecido, faz parte das garantias que serão apresentadas ao representante da República na Madeira, que amanhã e quinta-feira, ouvirá todos os partidos eleitos antes de convidar Albuquerque a formar Governo.
O diz que não disse
As garantias foram dadas, em entrevista à Rádio Renascença, a 6 de setembro: "Se não ganhar as eleições, demito-me. A clareza é essencial para as pessoas perceberem. Não vou fazer entendimentos, portanto, ou votam nesta maioria e querem que se prossiga o caminho que temos seguido ou não votam nesta maioria. Se não votarem nesta maioria, vou-me embora (...). Se não ganhar as eleições não tenho condições para continuar à frente do partido, como é óbvio. A política tem de ser assumida com sentido de risco."
A promessa foi repetida e dramatizada durante as semanas de campanha eleitoral. Porém, na noite de domingo, e apesar de ter garantido, inúmeras vezes, que não ia "fazer entendimentos" e que se demitia como era "óbvio", Miguel Albuquerque criou uma nova narrativa - "não mudei de ideias" - para assegurar que estava "em condições" de anunciar, nos próximos dias, um Governo de maioria absoluta sustentado num acordo parlamentar.
"É muito pouco para um Governo que teve uma forte comunicação social e dinheiro", afirma Alberto João Jardim.
O "muito pouco" de Jardim é, para Rui Barreto, líder do CDS regional, o fruto das "circunstâncias". E estando "próximos, ideologicamente", de PSD de CDS, PAN e IL podem ser, em conjunto, parte da solução para a maioria absoluta. Só que não houve "conversas" entre PSD e IL.
Incómodos socialistas
O que incomoda mesmo? Esta frase: "O primeiro-ministro felicitou o presidente do Governo Regional da Madeira pelo resultado hoje alcançado, com votos de continuação de bom trabalho em prol da região e do país."
A explicação é simples. O primeiro-ministro "chama-se António Costa, é socialista e secretário-geral" do PS e "nem uma palavra dirigiu ao líder regional do partido".
"E continuação de bom trabalho? Andamos nós aqui a denunciar a má-governação que está a empobrecer a Madeira, e os números estão aí para o provar, apresentamos soluções... e ele elogia o PSD?", questiona fonte local.
O desagrado crescente com Costa que, recentemente, perante os socialistas madeirenses, disse que a "Madeira não gosta do PS" para espanto dos presentes, pode abrir caminho a uma mudança de postura, até agora cautelosa e de apoio ao PS nacional, que rompa os muitos anos de "agachadinhos" - expressão usada pelo PSD-M para dizer que os socialistas madeirenses "fazem o que o PS de lá manda".
A perspetiva de "enfrentar quando for preciso quem [um "quem" que abrange dirigentes "e outros" que, na Madeira, "se esquecem que são socialistas"] não percebe nada do que aqui se passa", reforça a "tendência maioritária", no partido, de apoio ao atual líder, considera outro dirigente.
O habitual, desde 1976, tem sido "o queimar líderes de dois em dois anos" pelo facto de perderem eleições. E todos as perderam.
Não é, por isso, surpreendente que, em plena noite eleitoral, dois nomes se tenham posicionado para afastar Sérgio Gonçalves. A diferença está no que dizem.
João Pedro Vieira [que é adjunto do ministro da Saúde e que já foi assessor da eurodeputada Sara Cerdas] questionou, na Antena 1 Madeira, a "legitimidade" do líder, argumentando que Sérgio Gonçalves não tem condições para continuar, e dizendo-se ele próprio disponível para "qualquer possibilidade".
O outro putativo candidato,
Miguel Silva Gouveia [que sucedeu a Paulo Cafôfo na Câmara do Funchal quando o
atual secretário de Estado das Comunidades se candidatou, em
Um "logo se vê" que "pode não ter qualquer desenvolvimento" e o sublinhado, para estabelecer diferenças, de que "em momento algum pedi demissões de quem quer que seja", afirmou ao DN.
A pretensão de João Pedro Vieira e as críticas de Carlos Pereira [ex-líder e atual deputado na Assembleia da República, que "nem aqui esteve para apoiar o seu partido", diz fonte do PS-M] são desvalorizadas até pelos social-democratas, habituados que estão a "quem já não conta para nada, mas dá jeito para enfraquecer" os socialistas, resume um dirigente do PSD-M.
No caso de Miguel Silva Gouveia (vereador na Câmara do Funchal), a leitura, de dirigentes do PSD-M e PS-M, é diferente: A "inabilidade política" revelou-se quando, ao ser questionado sobre as eleições internas do partido, em março do próximo ano, num debate com Pedro Calado (autarca do Funchal), disse "logo se vê".
Sérgio Gonçalves ainda não revelou o que pretende fazer [ficar ou sair], mas parece quase certo que terá apoios internos para o próximo embate eleitoral: as autárquicas de 2025. "Seria uma surpresa e um erro se saísse", diz fonte parlamentar do PS-M.
Artur Cassiano, no Funchal | Diário de Notícias
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