Daniel Oliveira* | TSF | opinião
No seu espaço habitual de opinião na antena da TSF, Daniel Oliveira comenta esta terça-feira a greve de 24 horas da rádio.
"A greve da última quarta-feira (20) que deixou a TSF sem voz, o seu site parado, as suas redes sem atualização, o Fórum de Manuel Acácio sem cidadãos a dizerem de sua justiça, e a rádio sem ir ao fim da rua e ao fim do mundo para nos dar notícias, exibiu o que deveríamos saber de cor: quem faz as empresas é quem as mantém a funcionar. São os trabalhadores que criam, com o seu trabalho, o seu próprio emprego. Sem vozes, sem notícias, sem jornalistas, sem técnicos, a TSF seria apenas três letras. Não existiria a telefonia sem fios, nem a publicidade que é paga, nem os empregos que ela cria.
Sabemos as razões da greve da TSF: um baixo aumento do salário proposto pela empresa, mas não cumprido, salários que chegaram atrasados, mudanças de diretores sem ser ouvido o Conselho de Redação, como a lei exige, questão que depois da greve parece estar a ser resolvida - os mínimos da lei que hoje são mesmo mínimos na frágil defesa da independência editorial dos órgãos de comunicação social. Quem compra um negócio de informação não compra a independência do seu jornalismo e da sua opinião, compra o rendimento que ela oferece. E é por isso que falo sobre esta greve aqui, sem correr o risco de ser silenciado - porque a liberdade de imprensa protegida pela Constituição não se vende nem se compra, só o negócio a ela associado. E essa liberdade é a marca mais forte associada à TSF. Quem a matar, mata esta rádio.
A TSF tem uma cultura já rara nas redações. Anos a levar pancada e esta rádio fundada por jornalistas não mudou apenas a rádio, mas todo jornalismo que por cá se fazia, que eu ouvia sofregamente no início da minha carreira, tendo a esperança de um dia ter o privilégio de falar aos seus microfones. Esta rádio, esta TSF, não verga com facilidade, quando já quase todos vergaram. Demasiados jornalistas permitiram que as redações fossem deixando de ser coisa sua, que começassem a ser tratados como meros produtores de conteúdos. Mas a informação não é apenas um conteúdo, é um bem público, é um valor democrático. Numa rádio, pública ou privada, é indiferente, o jornalismo está sujeito aos mesmos deveres cívicos. E na TSF, fruto da memória orgulhosa de ter mudado a rádio, isso é sabido e passado de geração para geração. A TSF resiste, sim. Resiste pelos seus salários e pela autonomia editorial, mas por muito mais do que isso. Pelo jornalismo livre, que não obedece a nenhum poder político ou económico e que exige respeito de um e de outro.
Há uma crise no modelo de negócio da comunicação social, como todos sabemos. Essa crise fez do jornalismo presa fácil. Mas uma coisa é certa, ou o Estado e a sociedade levam a sério a destruição da comunicação social portuguesa a que assistimos ou a democracia dependerá das redes sociais e ela será inviável. Mas para que os poderes públicos e os cidadãos façam alguma coisa para salvar o jornalismo livre, é preciso que quem tem o primeiro dever de o defender resista. E é por isso que os trabalhadores da TSF lutam por mais do que por si próprios. Exigem respeito, por eles e por nós. Esta resistência, na primeira greve no órgão de comunicação social privado em muitos anos, enche-me de orgulho. Orgulho por me deixarem partilhar com eles este microfone, recorda-me porque sonhava um dia fazê-lo - porque na voz de Fernando Alves, anunciando esta greve aos microfones que nos pertencem a todos nós, homens e mulheres que não aceitam menos do que todo o respeito, esteve o eco de uma irredutível liberdade, a única irredutibilidade que permite que os cidadãos acreditem que o jornalismo ainda serve para alguma coisa."
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