segunda-feira, 9 de outubro de 2023

ISRAEL EM GUERRA

Pietro Pinter* | South Front | # Traduzido em português do Brasil

Algo muito sério começou em Israel, o que conduzirá a um conflito a um nível nunca visto desde aquele com o Hezbollah em 2006, e talvez ainda mais elevado. Acontecendo no 50º aniversário da Guerra do Yom Kippur, provavelmente não é coincidência.

Militantes de várias facções palestinianas ligadas ao Hamas conseguiram infiltrar-se nas defesas israelitas e atacar uma série de posições da polícia e das FDI em aldeias perto da Faixa de Gaza. Os sucessos iniciais – a captura de veículos militares e até de pelo menos um tanque Merkava – tornam obrigatória uma resposta forte de Tel Aviv – que já declarou estado de guerra contra o Hamas e as suas facções afiliadas.

Entretanto, as outras facções palestinianas mobilizam-se e as mesquitas em Jerusalém incitam a jihad através dos seus muezzins.

O facto de isto estar a acontecer agora também é resultado da situação geopolítica no Golfo Pérsico, que enfraqueceu a posição de Israel. A normalização saudita-iraniana deixou claro que em breve chegaria o momento de Tel Aviv escolher entre opções difíceis (abrir mão de algo para normalizar ou tomar medidas drásticas contra a Palestina e a sua população árabe).

Chegou a hora, saberemos a resposta em breve.

Um dos pontos de viragem cruciais agora será a reacção do Hezbollah no norte – que ainda permanece firme – e claramente dos outros actores regionais, como as monarquias do Golfo, Síria, Egipto, Turquia, Irão. O potencial para um conflito não existe apenas dentro de Israel e dos territórios palestinianos. Lembre-se de que Israel possui uma dissuasão nuclear não declarada.

As forças palestinas assumiram o controle de sete centros populacionais ao redor da Faixa de Gaza, informa o boletim das FDI. Um controlo que não pode razoavelmente ser mantido face ao avanço blindado que Israel está prestes a lançar, tendo já recapturado algumas posições. A questão principal é o que acontecerá quando as FDI entrarem no perímetro de Gaza e (se) que outros intervenientes se mobilizarão.

Tanto a Turquia como o Egipto assumiram uma posição (pelo menos abertamente) neutralista nas suas declarações públicas. Recentemente, um entendimento tácito levou à eliminação da Irmandade Muçulmana tanto das fileiras do Hamas como da cena política turca, sob pressão do Egipto. Isto levou a uma aproximação e normalização das relações diplomáticas entre Ancara e o Cairo – duas capitais que tendem a ser hostis desde a vitória do Islão político na Turquia – centradas precisamente na Palestina.

Segundo a mídia israelense, o Cairo alertou Tel Aviv para não ocupar a Faixa de Gaza. A possível retaliação, dependendo da fonte, vai desde “consequências” genéricas até à previsão da entrada do Hezbollah no conflito.

O Irão, através de funcionários do governo, declara – o que não surpreende – o seu total apoio aos palestinianos. As chancelarias europeia e norte-americana, por outro lado, emitem declarações de apoio incondicional a Israel. A Ucrânia também apoia Israel, enquanto a Rússia apela a uma desescalada imediata.

Até a Arábia Saudita adere à posição turco-egípcia de apelar a “uma desescalada imediata”, ao mesmo tempo que atribui total responsabilidade a Israel pelo que aconteceu.

Naturalmente, o que está a acontecer terá fortes repercussões no acordo de normalização com Israel que está a ser trabalhado cada vez mais intensamente. Os cenários possíveis são muito diferentes entre eles. Dois extremos:

– Uma repetição da Guerra de Kippur: uma guerra que começou com os palestinianos numa posição de força, terminou graças à pressão de actores externos antes da sua derrota total. A possibilidade de um acordo de paz semelhante ao de 1973 abre

– A acção palestiniana realça as contradições e elimina qualquer possibilidade de um “compromisso histórico” pela raiz. Israel deve aumentar o seu controlo sobre os territórios palestinianos por todos os meios possíveis para garantir a sua própria segurança, mas permanece isolado na região.

A situação política na Arábia Saudita e em Israel também impõe enorme cautela aos respectivos governos nas suas relações bilaterais. Em Riade, a normalização com o Irão teve um custo, que será difícil para a ala wahabista linha-dura – aquela que assumiu o controlo da grande mesquita de Meca em 1979 e forjou o actual modus vivendi entre a monarquia Al-Saud e os sunitas. clero – para digerir. Em Israel, por outro lado, uma das coligações “mais duras” nos últimos tempos nas relações árabe-israelenses está a apoiar o actual governo, o resultado de um compromisso entre o Likud de Nethanyahu e partidos nacionalistas e ortodoxos menores.

A estratégia delineada por Nethanyahu agora é a seguinte:

– Libertar os territórios perdidos até agora
– Reforçar as fronteiras externas e potenciais zonas de crise para evitar que outros intervenientes se juntem à guerra
– Fazer com que os responsáveis ​​paguem um preço exorbitante

Relativamente ao primeiro ponto, elementos avançados das FDI estão a operar na linha da frente enquanto outros estão a mobilizar-se. Um vídeo mostra combates em Sderot, o maior assentamento em que militantes palestinos entraram, que a partir de agora parece estar de volta ao controle israelense.

Quanto ao segundo, a fronteira com a Jordânia – onde algumas formações tribais e políticas incitam os seus militantes a “marchar para a fronteira” – foi fechada e o exército mobilizou-se nas Colinas de Golã, na fronteira com a Síria. Parece que as FDI estão a realizar exercícios com munições reais, com o claro objectivo de dissuadir acções da Síria e do Líbano.

O terceiro ponto é crucial: uma operação terrestre em Gaza já foi declarada pelas FDI, enquanto as operações aéreas já começaram. Este é o ponto em que o envolvimento – tanto diplomático como militar – de intervenientes externos se tornará mais forte e mais provável.

Note-se também que o ministro da Defesa israelita apontou o Irão como sendo o responsável directo pelo ataque e anunciou que o país pagará um preço elevado. Mas o que isso implicará precisamente?

Do ponto de vista militar:

– Esta é a primeira vez que Israel perde território, mesmo que temporariamente, desde a retirada de Gaza em 2005 (que, embora “causada” pelos palestinianos, ainda foi uma escolha israelita). As IDF perderam pelo menos duas bases militares na fronteira de Gaza, com tanques e veículos blindados no seu interior, pelo que mostram as imagens.

– A primeira destruição de um tanque Merkava desde a guerra de 2006 com o Hezbollah. O primeiro de um Merkava equipado com o sistema de proteção ativa Trophy, introduzido por volta de 2010, que ao longo dos anos protegeu tanques israelenses de dezenas de mísseis antitanque, mesmo em operações de alta intensidade. Por mais simples que seja como tática, nem mesmo um dos exércitos mais avançados do mundo conseguiu encontrar uma solução verdadeiramente eficaz para proteger tanques de bombas lançadas por pequenos drones comerciais. As diversas gaiolas, pneus, construções de madeira e papelão vistas na Ucrânia e na Síria fizeram muitos ‘risos’, mas desempenham uma função real.

– Israel abre-se à mobilização de “centenas de milhares” de reservistas e declara estado de emergência em todo o país. As autoridades declaram que a guerra durará “semanas”.

Algo muito diferente dos confrontos habituais – por mais duros que sejam – entre o Hamas/JI e Israel nos últimos 15 anos. Por mais que a correlação de forças favoreça, sem dúvida, e em grande medida, os israelitas, o que aconteceu hoje terá necessariamente um efeito traumático, e não apenas por causa dos episódios brutais de violência que têm circulado online.

Cinquenta anos depois da Guerra do Yom Kippur – alguns dias antes, Sharon ridicularizou como irrealista a possibilidade de os Egípcios poderem atravessar o Canal de Suez – Tel Aviv vê-se mais uma vez subestimando os seus adversários. Conclusões terão que ser tiradas disso.

* Doutor em Relações Internacionais, autor do blog de geopolítica em língua italiana inimicizie.com 

Ler/Ver em South Front:

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Biden fala com Netanyahu e afirma que Israel tem direito à ‘autodefesa’ (18+)

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