sábado, 14 de outubro de 2023

Portugal | ACORDO FARROUPILHA

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

O “Reforço” do Acordo de Concertação Social, celebrado no passado dia 7, entre o Governo e parte das organizações representadas na CPCS, cumpre a sua missão - ser exibido pelo Governo no debate do Orçamento do Estado, como demonstração de apoio dos parceiros sociais às suas políticas. Contudo, é um compromisso esfarrapado e muito pobre de conteúdo. O mais palpável está plasmado nos inúmeros pontos descritivos de benefícios fiscais e outros a atribuir às empresas.  

“Da avaliação do acordo” estabelecido em outubro de 2022 vem um mero enunciado de medidas “cumpridas” e “não cumpridas”, sem apreciação do impacto que cada uma delas teve na vida das pessoas, das empresas e da Administração Pública. Os signatários deste “Reforço” deviam ter vergonha do vazio e falta de rigor do seu exercício avaliativo.

É afirmado “que houve uma tendência de melhoria progressiva da remuneração salarial total”, conceito impreciso que, possivelmente, inclui remunerações não regulares. Deitando mão de estatísticas do INE que comparam dados do final do primeiro semestre deste ano com os do período homólogo de 2022, concluem que se “configura um acréscimo nominal de 7,5%”. Ora, este valor diz respeito ao setor privado. Como o ganho da Administração Pública terá sido pouco acima de 6%, o valor médio total situar-se-á pelos 6,7%. Este valor não cobre as perdas verificadas no ano de 2022. Traz uma ligeiríssima recuperação no primeiro semestre de 2023, por efeito das dinâmicas do mercado e não pelo impacto do referencial adotado no Acordo para 2023, que foi de apenas 5,1%.

No ponto titulado ”Jovens: atração e fixação de talento”, nem na avaliação nem nas propostas para 2024, se faz a mínima referência ao instrumento fundamental para esse objetivo, que será sempre a melhoria dos salários. No que se refere aos “Rendimentos não salariais”, é ignorada a sua fonte fundamental: a garantia de serviços públicos de qualidade.

O “Aumento das pensões em 2024, por aplicação da fórmula de atualização” é apresentado como um ganho deste acordo. É um facto que, no ano passado, foi preciso forte denúncia das manipulações do Governo para que este atamancasse soluções com alcance próximo daquela fórmula, contudo, em democracia, cumprir a lei é apenas uma obrigação. Entretanto, o Acordo mete o pé na porta de ataque ao Sistema Público da Segurança Social. Lá se fala da necessidade de as pessoas investirem “em planos de reforma, designadamente, através do Regime Público”. Que significado terá o advérbio?

O Acordo prevê uma “valorização nominal das remunerações por trabalhador de 5% em 2024”, não o aumento dos salários nesse valor. Os mecanismos para chegar àquele objetivo são subversivos: é aberto o retorno à velha política de atribuição de prémios em vez de aumentos salariais, o que também reduz contribuições para a segurança social e receita fiscal. Não esqueçamos que baixar salários é inconstitucional, mas eliminar prémios, não. Ou seja, a invocação de uma qualquer crise fá-los desaparecer.

O Acordo incentiva pagamentos em espécie. A “cedência de habitação pela entidade empregadora” traz a esta “benefícios fiscais” e outros “contributos”. Trabalhadores nestas condições tornar-se-ão mais dependentes e, quando forem “dispensados”, ficarão no desempregado e sem casa. Muitos imigrantes já conhecem essa dura realidade. Este conjunto de políticas enfraquecerá ainda mais a negociação coletiva e, sem ela, não se melhoram os salários da esmagadora maioria dos trabalhadores.

* Investigador e professor universitário

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