quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Um pacifista é um energúmeno?

Se comentarmos que o Hamas cometeu um crime contra a Humanidade com os ataques de 7 de outubro passado, somos humanistas.

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Se enunciarmos que o Governo de Israel não tem o direito de matar indiscriminadamente civis palestinianos na Faixa de Gaza, somos nazis.

Se nos indignarmos pelos 1400 mortos assassinados pelo Hamas, estamos do lado do bem.

Se nos revoltarmos com as 6500 pessoas mortas pelas Forças de Defesa de Israel, estamos do lado do mal.

Se afirmarmos que o povo judeu foi vítima do Holocausto, somos elogiados por não esquecermos a História.

Se dissermos que os palestinianos são vítimas de opressão e liquidação sistemática há 75 anos, estamos a justificar o terrorismo.

Se chorarmos a morte das crianças israelitas mortas, somos boas pessoas.

Se nos indignarmos com o muito maior número de crianças palestinianas liquidadas, somos uns selvagens.

Se referirmos que a Faixa de Gaza está sob bloqueio terrestre, aéreo e marítimo desde 2005, perguntam-nos qual a relevância disso.

Se aludirmos ao ataque suicida de 2001 à discoteca Dolphinarium em Telavive, que matou 21 pessoas, somos pertinentes.

Se condenarmos a invasão russa da Ucrânia por violar a Carta das Nações Unidas, somos uns democratas.

Se indicarmos as múltiplas violações da Carta das Nações Unidas cometidas por Israel, somos extremistas.

Se apoiarmos a acusação do Tribunal Internacional Penal a Vladimir Putin, somos pela Justiça.

Se sugerirmos uma investigação do mesmo tribunal a Benjamin Netanyahu, somos maluquinhos.

Se condenarmos o bombardeamento russo de um centro comercial numa cidade ucraniana, somos pela civilização.

Se apontarmos o dedo à morteirada mortal de um hospital na Faixa de Gaza, estamos a fazer o jogo do inimigo.

Se qualificarmos o corte de água, eletricidade e combustíveis a dois milhões de pessoas em Gaza como um crime de guerra, não compreendemos, burros, a complexidade da situação.

Se citarmos a lista de ataques armados e as centenas ou milhares de mortos que desde 2014 o Governo Ucraniano cometeu sobre as populações civis das regiões russófonas do seu país, estamos, na melhor das hipóteses, a complicar aquilo que é simples ou, alternativamente, a mentir descaradamente.

Se exigirmos a retirada imediata das tropas russas da Ucrânia, estamos do lado certo da História.

Se apelarmos a um cessar-fogo em Gaza para permitir a entrada de ajuda humanitária, levamos com a suspeita de cumplicidade com o fundamentalismo islâmico.

Se reivindicarmos a libertação imediata dos reféns capturados pelo Hamas, somos bestiais.

Se pedirmos a libertação do jornalista Pablo González, preso há 20 meses na Polónia sem acusação formal, somos umas bestas.

Se salientarmos o voto a favor de 120 países, contra de 14 e mais 41 abstenções de uma resolução da Assembleia-Geral da ONU a pedir um cessar-fogo em Gaza, temos a visão geopolítica errada.

Se sublinharmos que a mesma Assembleia-Geral da ONU aprovou, com 141 votos a favor, 7 contra e 32 abstenções a exigência de retirada russa da Ucrânia, temos a visão geopolítica certa.

Se aceitarmos acriticamente aquilo que o poder norte-americano entende dever ser a organização do mundo, somos inteligentes.

Se criticarmos toda esta esquizofrenia bipolar que nos está a levar para uma guerra mundial, somos estúpidos - aliás, quem hoje em dia defende a paz é mesmo crismado de coisas piores... mas podem pôr-me nessa lista de energúmenos.

*Jornalista 

Sem comentários:

Mais lidas da semana