terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Angola | Palancas Negras e Carne Seca de Impala – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O São Benedito é santo de preto mas até branco lhe reza com jeito. Sinderéréréré é Jesus de Nazaré. Um dia perguntei ao padre Samuel, um capuchinho italiano de longas barbas e sorriso paternal, por que razão os santos eram todos brancos, até São Benedito que é santo de preto. Ele foi apanhado de surpresa, teve uma hesitação, depois pegou-me nas mãos e respondeu: Meu filho, os santos também são pretos. Mas esses não gostam de descer à Terra, preferem ficar juntinhos a Deus lá no Céu. E eu, nos meus quatro ou cinco anos, acreditei.

Na mesma época perguntei ao Faria, o goleador do Desportivo do Negage: Por que razão há poucos negros a jogar no Puto se são os melhores futebolistas do mundo? Ele sorriu, fez-me uma festa no cabelo revoltoso e respondeu: Nós gostamos mais de jogar na nossa terra. Em Portugal faz muito frio. 

Fiz tudo para acreditar que o racismo não entra no Desporto.

Hoje os Palancas Negras entraram em campo frente à Namíbia e mostraram que têm futebol para conquistar o mundo. África é pequena para tanto talento, tanta entrega, tanto futebol colectivo. Estou muito feliz. Nunca tinha visto a Selecção nacional jogar a tão alto nível competitivo.

Neblú foi o melhor em campo. A Namíbia batia-se de igual para igual. A nossa defesa mostrava alguma instabilidade. Um atacante adversário isolou-se e o guarda-redes angolano evitou o golo defendendo fora da área. Caso a Namíbia se adiantasse no marcador, com a equipa tão compacta e tão segura, ia ser muito difícil virar o resultado. Neblú fez a primeira grande defesa da vida dele. A mais decisiva.

Os Palancas Negras cerraram fileiras, partiram para cima do adversário e Gelson Dala abriu o marcador. Com a equipa em inferioridade numérica mas a jogar melhor do que quando estavam 11 de cada lado. Pouco tempo depois o melhor avançado de África (e tão bom como o Faria do Desportivo do Negage) marcou o segundo para Angola. Era impossível perder  a eliminatória. Depois Mabululu mostrou o que é futebol do outro mundo!

Quem joga assim, quem tem tanto talento, tão grande disponibilidade física, tão apurada cultura tática, ganha tudo. Em África, seguramente. No mundo também, se forem limadas algumas arestas. 

Os nossos atletas de vez em quando desligam a ficha do jogo e vão ao Centro de Ciência de Luanda comer funje científico com carne seca de impala, que é a melhor do mundo e arredores. Se conseguirem manter durante 90 minutos altos níveis de concentração, vamos ser campeões do mundo.

Uma selecção que tem no banco um guarda-redes do nível de Dominique é imbatível. Uma selecção que tem no banco, um atacante como Luvumbo, dificilmente perde um jogo seja em que estádio for. Seja em que prova competir.

Núrio Fortuna lesionou-se. Um futebolista fora de série. Um atleta de primeira categoria. E agora? Tó Carneiro saiu do banco e jogou ao nível do titular. Hoje foi um dos melhores em campo.

Já somos os campeões de África. Seremos campeões do mundo. Mas não desliguem a ficha do jogo para varrer um funje com carne seca de impala. Ponham os olhos no Mabululu. Nem um segundo de jogo se desliga! Não é palanca negra. É onça da montanha!

Os Palancas Negras frente à Namíbia foram Onças da Montanha. Cuidado futebolistas de todo o mundo, eles são imbatíveis!

Agora vou comemorar. Só um copinho, doutor! As artérias coronárias aguentam…

* Jornalista

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