Artur Queiroz*, Luanda
Os filmes a preto e branco são a minha perdição. Aqueles que nasceram dos livros de Raymond Chandler e Dashiell Hammett ficam na história da sétima arte. Eternizaram o detective Marlowe e a dupla Humphrey Bogart-Lauren Bacall. Cinema é assim. Coloridos são os sonhos. Pior está o mundo que é dominado pelo branco seja sujo, marfim ou de neve. Efeitos do esclavagismo e do colonialismo.
Pretos e vermelhos são para deitar abaixo. Aprendi isso em criança a reguadas e chapadas. Lá em casa só existia a raça humana e a “Conquista do Pão”, livro escrito pelo Príncipe Kropotkine. Anarco-comunismo! O ideal libertário vivia na nossa casinha de adobe da Kapopa. A senhora professora dizia que os brancos não podem portar-se como os pretos e eu dizia: Só existe a raça Humana! Toma lá chapadas! Toma lá cinco reguadas!
O senhor padre dizia que Nossa
Senhora apareceu a uns pastorinhos numa serra lá
O mundo só a branco é violentíssimo. Eu vi, desde a infância à idade adulta, a violência dos ocupantes sobre os angolanos. Não escapava ninguém. Em Luanda, ao fim da tarde, os negros desapareciam da cidade de asfalto. Proibidos de frequentar a cidade “branca”. E só desciam à Baixa aqueles que tinham cartão de trabalho. Numa aula de História, já era aluno do sexto ano do Liceu Salvador Correia, um professor disse a uma colega que não andava ali a fazer nada e tinha tudo a ganhar como criada ou lavadeira. Era muito escura!
Fiz-lhe uma espera e insultei-o abaixo de árbitro de futebol. Levei cinco dias de suspensão. Pena máxima. O racismo era a arma mais mortífera dos colonialistas. E eles usavam-na sem qualquer remorso. No mínimo, ignoravam os negros. O normal eram os espancamentos, as prisões arbitrárias (João Lourenço aprendeu bem a lição dos ocupantes), as humilhações, o trabalho sem direitos e sem salário. Muitos detidos morriam na cadeia. Mas como eram negros, os países do ocidente alargado não os tratavam como tratam o Navalny.
Um negro vivo ou morto, ontem como hoje, vale nada. No Sudão morrem negros aos milhares. Nem uma notícia. Nem uma palavra de solidariedade. Os brancos da Ucrânia são outra loiça. Os EUA e a União Europeia mandam milhares de milhões para Kiev. Armas e munições. Agentes da CIA nos postos secretos, criados desde 2014, para espiarem a Federação Russa.
Os russos também morrem. Mas como o regime já foi comunista (uma vez comunistas, comunistas para sempre) são tão desprezíveis como os negros. Putin, nem que jure amor eterno ao capitalismo na cimeira de Davos, vai se sempre visto como comunista. Ou se converta à Nossa Senhora de Fátima ou morre! O Tio Célito avisou que está com a Ucrânia até onde for preciso. Quando sair do Palácio de Belém vai converter russos para a linha da frente.
O Macron mediu e ponderou bem estas palavras: “Temos de mandar tropas europeias para a Ucrânia!” Está furioso por ter perdido as matérias-primas gratuitas do Mali, Burkina Faso, Níger, Gabão e outros países africanos que viviam sob a patorra da França. Macron contra os pretos e os comunistas. Está tão raivoso que ameaça com a última Guerra Mundial, Os brancos devem estar loucos.
O mundo só pode ser a branco. Os duvidosos na melhor das hipóteses ficam no Purgatório. Mas também podem ser tratados abaixo de pretos. É esse tratamento que dão aos palestinos. E a todos os que professam a religião islâmica. Judeus são o máximo. Judaísmo é o creme do creme. Os frequentadores das sinagogas valem mais do que cristãos, hindus, budistas e outros crentes.
Os nazis de Telavive cometeram mais um massacre na Faixa de Gaza. Uma multidão de famintos concentrou-se à volta de camiões com comida e as tropas de Israel dispararam. Dezenas de mortos e centenas de feridos. O Presidente Lula da Silva diz que o Genocídio na Palestina afecta a Humanidade. O assassino Joe Biden não condenou a mortandade mas disse que vai atrapalhar as negociações para um cessar-fogo. Que chatice. Estes palestinos são iguais aos pretos. Ou ainda piores.
O Genocídio na Palestina tem
muitos pontos de contacto com Angola. Os Dembos puseram em causa os ocupantes
numa guerra que durou décadas. Na parte final, as tropas que avançaram sobre a
Pedra Verde, onde ficava a cidadela real do Dembo Kazuangongo, decapitavam todas
as crianças que encontravam. Para no futuro não existirem guerreiros mubiris!
Fizeram o mesmo no Congo, no Libolo, no Bailundo,
Ninguém sabe quantas angolanas e quantos angolanos foram vendidos como escravos. Ninguém sabe quantos foram mortos nas várias guerras contra os ocupantes. Ninguém quer saber quantos morreram na Revolução do 4 de Fevereiro. Na Grande Insurreição de 15 de Março. Não sabemos quantas angolanas e angolanos foram levados à força, entre 1961 e 1974, para os campos de concentração pomposamente baptizados de “sanzalas da paz”.
Ninguém sabe quantas angolanas e angolanos foram dizimados nas sanzalas durante a guerra colonial nas operações de tropas especiais ou com bombardeamentos aéreos. Temos tantos historiadores e tantas historiadoras, mas ninguém quer tocar nessa parte da História Contemporânea de Angola. O esclavagismo foi um genocídio. O colonialismo é o mais hediondo crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. Aos angolanos tocaram quase cinco séculos!
A coligação mais reaccionária e agressiva que alguma vez se formou no planeta Terra atacou Angola, entre 1974 e 1988. Os EUA ao comando. Mais as potências europeias França, Reino Unido e Alemanha. Todos associados ao regime racista de Pretória. Supremacistas brancos. O racismo como política de Estado. Tantos mortos! Os aviões sul-africanos até bombardearam campos de refugiados namibianos na comuna de Cassinga, na Huíla!
O Presidente João Lourenço, até hoje, não foi capaz de condenar o Genocídio que os nazis de Telavive levam a cabo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Pôs-se do lado dos genocidas. Os milhões de vítimas angolanas da escravatura, do colonialismo e das invasões de tropas estrangeiras, entre 1974 e 1988, clamam por respeito.
* Jornalista
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