Nádia Issufo | Deutsche Welle
“Há uma tentativa de criação de terror e intimidação sobre os cidadãos para que não possam exercer o seu direito de manifestação”, denuncia ativista. Há julgamentos arbitrários na calada da noite e multas impraticáveis.
Em Moçambique, as autoridades estão a praticar "caça às bruxas" contra os manifestantes detidos e críticos do Governo. A ativista social Quitéria Guirengane aponta procedimentos suspeitos, como ordens da ministra da Justiça para o levantamento de danos causados nos protestos contra a fraude eleitoral para posterior responsabilização.
Mas sobre os crimes cometidos por militares e polícias não se conhecem ações na justiça. A ativista moçambicana entende que se trata de terrorismo contra o cidadão para fragilizar a sua luta contra as injustiças.
Em entrevista à DW África, Guirengane relata vários casos de abuso por parte das autoridades, entre os quais de "cidadãos que estão a ser levados a julgamento sem direito de defesa”. Ou de cidadãos que foram sentenciados a penas convertidas em multas elevadas que chegam aos 700 mil meticais (cerca de 10.000 euros).
DW África: Qual o ponto de situação dos manifestantes detidos nos últimos protestos?
Quitéria Guirengane (QG): Nós temos um número elevado de cidadãos detidos em Moçambique à escala nacional, [mas também] de alguns casos de desaparecidos cujas famílias têm estado a procurar em vários estabelecimentos penitenciários, esquadras e hospitais, sem nenhuma resposta. Muitas vezes só com as campanhas é que acaba se revelando o seu paradeiro, o que podemos considerar desaparecimentos forçados e involuntários.
Também temos a situação de cidadãos que estão a ser levados a julgamento, sem direito a defesa. Mesmo quando advogados da Ordem dos Advogados apresentaram a sua defesa, eles continuam a não ser comunicados sobre os procedimentos de julgamento. Está a se avançar para a fase de julgamento.
Por exemplo, no Distrito de Inharrime [província de Inhambane], 40 cidadãos detidos foram julgados na noite de sexta-feira para sábado. Os julgamentos terminaram na madrugada de sábado e alguns deles foram sentenciados. Por exemplo, dois cidadãos foram sentenciados a uma pena convertida em multa de 49 mil meticais; outro foi sentenciado a 80 mil meticais. Houve outros valores, mas o mais aberrante foi o cidadão que foi sentenciado a 100 mil meticais.
DW África: Está a falar de uma "caça às bruxas”?
QG: Uma autêntica caça às bruxas. Temos províncias com o número de detidos em contínua ascensão. Em sítios como Cabo Delgado, a província da Zambézia, no Vale de Curu e Mocuba, temos cidadãos que foram baleados, estão a ser detidos, estão a ser arrancados do leito hospitalar sob cuidado [médico], alguns em situações graves. Temos um cidadão, por exemplo, que recebeu uma notificação – ele ainda gravemente ferido – e quem assina a notificação é justamente o agente que disparou contra si. Então, é uma tentativa de criação de terror e intimidação sobre os cidadãos para que eles não possam exercer o seu direito de manifestação.
Simultaneamente vemos cartas a circularem, algumas delas com a assinatura da ministra da Justiça, a ordenar um levantamento nacional dos danos registados na manifestação para que possam ser imputados aos seus autores. Vemos um discurso de mais perseguição, de intimidação de cidadãos que não têm emprego formal ou que não têm uma renda mensal acima de cinco mil meticais a serem silenciados com pena de 700 mil meticais. Então, é uma tentativa de fragilizar a luta, fragilizando as pessoas que por ela dão o litro através de questões económicas.
Simultaneamente, há cidadãos que nem sequer estavam associados à manifestação, mas os secretários dos bairros, numa caça às bruxas, agora indicam que naquela casa vive alguém da oposição. Aí, a polícia vai lá e leva a pessoa. Este fenómeno não tem estado a se observar apenas numa província, mas tem estado a se observar na generalidade. Então, eu caracterizaria do dia 8 ao dia 11 de novembro como um período de caça às bruxas.
DW África: Entretanto, não há nenhuma ação da justiça moçambicana contra os polícias que foram vistos em todas as redes sociais a dispararem indiscriminadamente contra a população?
QG: Não há nenhuma ação, nem em relação aos militares, polícias ou agentes das ruas de defesa de segurança que se encontravam a disparar nas ruas – e ainda pior – nem em relação aos cidadãos mascarados, vestidos a civis, que tinham armas e que estavam a disparar contra o povo. Um grande comportamento de um peso e duas medidas. Mas não é só a Procuradoria [da República] que tem estado numa posição de abandono total ao povo.
Há uma Comissão Nacional de Direitos Humanos que, no início de tudo isso, quando Elvino Dias e Paulo Guambe foram assassinados, se pronunciou publicamente manifestando o interesse em acompanhar a ação de responsabilização até o fim. Mas de lá para cá desapareceu, não é tida nem achada. Nós temos um Gabinete do Provedor de Justiça da República de Moçambique. Mas o Gabinete do Provedor de Justiça não se tem estado a pronunciar.
Nádia Issufo, jornalista da DW África
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