Artur Queiroz*, Luanda
Miguel Ângelo, sociólogo, publicou o livro “Estado de Violência-Violência de Estado”. O prefácio é de Marcolino Moco. Fizeram-me chegar uma entrevista que o autor concedeu ao Novo Jornal onde ele afirma, referindo-se ao comportamento dos movimentos de libertação MPLA, FNLA e UNITA, no período de transição (25 Abril 1974-11 Novembro 1975): “A verdade é que cada um preferiu enveredar pelo caminho da violência confiante numa vitória sobre os adversários”. Não li o livro, por isso não sei o que diz o prefaciador sobre esta e outras aldrabices publicadas e que me foram enviadas.
O autor faz uma referência ao período de transição (1974-1975) absolutamente falsa e criminosamente manipulada. Em resumo, o autor do livro diz que a violência durante a vigência do Governo de Transição rasgou o Acordo de Alvor e as violações deveram-se à estratégia de um tomar o poder afastando os outros. Tenho a certeza que Marcolino Moco, honesto intelectualmente como é, não deixa passar esta aldrabice no seu prefácio. O que vem a seguir não é a minha opinião. Não debato com aldrabões e vigaristas. Vou referir factos históricos e nada mais do que factos.
O Presidente Spínola mal tomou
posse após o 25 de Abril de 1974 anunciou o federalismo como solução para as
colónias. Uma federação de estados como Portugal. A Guiné-Bissau já era um
estado independente e o PAIGC nada disse. Agostinho Neto rejeitou imediatamente
o federalismo em nome do MPLA. Hermínio Escórcio fez o mesmo
Em Maio de 1974 o chefe da inteligência militar em Angola, Coronel Passos Ramos, e um dos coordenadores do Movimento das Forças Armadas na colónia, major Pezarat Correia, foram ao Leste e assinaram com Jonas Savimbi um “cessar-fogo”. O líder da UNITA, em entrevista à Emissora Oficial (RNA) defendeu o federalismo. Apoiou o Presidente Spínola.
A Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas, em Lisboa, manifestou ao Presidente Spínola a sua discórdia quanto à federação de Portugal com as colónias. Chegou a Angola Silvino Silvério Marques como governador-geral. Imediatamente liderou os independentistas brancos que aderiram ao federalismo. O processo de descolonização estava a descarrilar. PAIGC e FRELIMO ameaçaram romper as negociações com Portugal.
O problema foi ultrapassado com a
aprovação da Lei 7/74, de 27 de julho. O diploma legal contempla o
reconhecimento do direito das colónias à autodeterminação, com todas
as suas consequências: ”Inclui a aceitação
da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte
correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de
Silvino Silvério Marques foi demitido nesse mês de Julho e substituído pelo Almirante Rosa Coutinho, que em 28 de Setembro de 1974 prendeu todos os líderes do movimento independentista branco. Expulsou-os de Angola. Tarefa difícil. Porque entre os partidos nascidos após o 25 de Abril de 1974, como o Partido Cristão Democrático de Angola (PCDA), tinham esquadrões da morte. A Frente Revolucionária de Angola (FRA) era em si uma organização armada dos independentistas brancos. E serviam-se da UNITA como biombo. Tudo isso foi desmantelado e Angola conheceu a paz até final de 1974.
Em Junho de 1974 aconteceu uma etapa importante no golpe de 28 de Setembro. Spínola e Nixon reuniram-se na Base das Lajes (norte-americana) nos Açores. E ambos decidiram que o MPLA tinha de ser afastado do processo de descolonização angolano.
No dia 14 de Setembro de 1974, Spínola e Mobutu reuniram-se na Ilha do Sal, Cabo Verde, para confirmar o plano traçado em Junho na Base das Lajes. Confirmado! A partir do 28 de Setembro, o MPLA fica fora do processo de descolonização. Mobutu recebeu luz verde para ocupar militarmente o Norte de Angola que executou imediatamente.
No dia 27 de Setembro estoirou o
golpe
O Almirante Rosa Coutinho desencadeou acções para acelerar o processo de descolonização. Conseguiu o cessar-fogo com o MPLA na chana do Luinhameje. Promoveu um encontro entre a direcção do MPLA e da UNITA no Luena. Em Kinshasa a FNLA assinou o acordo de cessar-fogo com Portugal. Tudo pronto para negociar a Independência Nacional. Só faltava os três movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA) adoptarem uma posição comum para negociarem com a potência colonial.
No início de Janeiro de1975 os três movimentos acordaram em Mombaça, Quénia, uma posição comum. Em meados do mês começou a Cimeira do Alvor. Facto histórico indesmentível: Os líderes dos independentistas brancos foram ao Algarve integrados nas delegações oficiais da UNITA (a maioria) e da FNLA.
Acordo de Alvor assinado. FNLA e UNITA propuseram como alto-comissário o general Silva Cardoso. A parte portuguesa não aceitou. Os delegados do MPLA perceberam que podia estar ali uma armadilha para impedir um acordo final. E votou ao lado dos outros dois movimentos. Este oficial português era um defensor das teses de Spínola. E entusiasta das decisões tomadas na Base das Lajes e na Ilha do Sal.
No final de Janeiro tomaram posse o Governo de Transição e os membros do Colégio Presidencial. Tropas zairenses desfilaram em ferente ao Palácio da Cidade Alta. Agentes secretos de Mobutu prenderam o General Nataniel Mbumba, líder dos catangueses exilados em Angola e que foi à cerimónia a convite da parte portuguesa. Militares portugueses libertaram o sequestrado, que estava preso na sede central da FNLA, na Avenida Brasil.
No dia seguinte à tomada de posse do Governo de Transição, Daniel Chipenda abriu uma delegação do “MPLA” ao lado da sede central da FNLA e declarou ser o único presidente do movimento. O Governo de Transição não vale. Eu é que mando!
Agostinho Neto chegou a Luanda no dia 4 de Fevereiro de 1975 e face à situação exigiu que a parte portuguesa cumprisse o seu papel: Defesa das fronteiras e preservação da ordem pública. O líder do MPLA disse aos jornalistas “É inadmissível que homens armados se exibiam na Avenida Brasil ante a indiferença das forças armadas e policiais portuguesas”. O alto-comissário Silva Cardoso pediu calma. Agostinho Neto replicou: “Não é com calma que se desarmam bandidos”. E exigiu que Portugal pusesse fim “à invasão silenciosa do Norte de Angola”. Ninguém fez nada. Pelo contrário. As tropas portuguesas retiravam para Luanda dando lugar aos zairenses.
Todos os dias desembarcavam em Luanda aviões militares com tropas de Mobutu a coberto da FNLA. Os invasores ergueram postos de controlo em vários pontos de Luanda. Aas tropas de Mobutu disfarçadas de militares da FNLA impuseram o terror na cidade.
Face às provocações de Daniel Chipenda, uma força das FAPLA encerrou a sede daquele “MPLA”. O comandante Valódia morreu em combate.
No mês de Março o alto-comissário anunciou que era impossível fazer eleições. UNITA e FNLA aplaudiram. Agostinho Neto concedeu uma entrevista ao jornal Diário de Notícias (em Angola nenhum jornal dava notícias do MPLA porque os donos eram independentistas brancos!) na qual defendeu a realização de eleições conforme estava acordado: “Temos de passar pelo crivo das eleições para se saber quem representa quem “.
Em 11 de Março de 1975 Spínola
comandou um golpe de estado militar
Logo a seguir FNLA e UNITA abandonaram o Governo de Transição. Ficou o MPLA e a parte portuguesa. Mobutu deu ordens às suas tropas para tomarem Luanda. Começou a segunda fase da Grande Batalha de Luanda que acabou com a expulsão, exclusivamente pelas FAPLA, das tropas zairenses da capital. A parte portuguesa ficou a assitir.
No dia 22 de Agosto de 1975 Lisboa, através do Decreto-Lei 458-A/75 suspendeu o Acordo de Alvor com estes argumentos:
“Considerando a ausência de facto das suas funções por membros do Colégio Presidencial e do Governo de Transição, o que impossibilita o funcionamento destes órgãos; Considerando a paralisação de facto da Comissão Nacional de Defesa, por ausências repetidas de alguns dos seus membros; Considerando a política de estrita neutralidade activa que o Estado Português tem prosseguido, sem abdicar, contudo, das suas responsabilidades políticas e morais como potência administrante, defendendo a integridade territorial de Angola contra separatismos e ingerências externas e protegendo pessoas e bens sem qualquer discriminação; Considerando, ainda, que é objectivo de Portugal levar a bom termo, nos prazos previstos, o processo de descolonização já iniciado; E, consciente das suas responsabilidades perante a população de Angola e em cumprimento dos deveres que, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, incumbem ao Estado Português, nomeadamente o dever de contribuir para a paz e segurança internacionais; Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.°, n.° l, alínea 3), da Lei Constitucional n.° 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º: Considera-se transitoriamente suspensa a vigência do Acordo de Alvor, concluído em 15 de Janeiro de 1975 entre o Estado Português e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), no que diz respeito aos órgãos de governo de Angola”.
Logo a seguir as tropas da África do Sul invadiram Angola. Só saíram em Março de 1976 derrotados na Grande Batalha de Luena e na Grande Batalha do Ebo. As tropas zairenses avançaram sobre Luanda e Cabinda. Foram travados na Grande Batalha do Ntó e na Grande Batalha de Kifangondo. Quem as travou e derrotou? O Povo Angolano sob a bandeira do MPLA.
O MPLA apostou tudo no Acordo de Alvor. Apostou tudo nas eleições. Mas ficou sem o acordo (violado pela UNITA e FNLA) e sem eleições porque Portugal suspendeu-o. MPLA cumpriu até ao último dia o Acordo de Alvor mesmo depois de suspenso. A FNLA deu cobertura aos invasores estrangeiros no Norte de Angola. A UNITA fez o mesmo no Sul. Como estava decidido nos Açores e na Ilha do Sal. Angola a Norte do Cuanza para Mobutu e a FNLA. Angola a Sul do Cuanza para Savimbi e o regime racista de Pretória.
Em 1976 publiquei um livro, “Angola a Via Agreste da Liberdade”, sobre a Guerra da Transição (25 de Abril de 1974-11 de Novembro de 1975) mas só tive um leitor, o revisor. Paciência!
Os falsários dão-me muito trabalho. Sacanas!
* Jornalismo
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