Com a nova divisão político-administrativa em vigor, Luanda assiste à nomeação de jovens artistas para cargos políticos. Promessa de desenvolvimento ou estratégia de 'pão e circo' para reconquistar a juventude?
A província de Luanda foi dividida em duas com a recente implementação da nova divisão político-administrativa de Angola, mas não só. A paisagem política também mudou. Jovens artistas, como os músicos Zoca Zoca, Punidor e Pai Diesel, foram nomeados para cargos de direção na área da Cultura e Turismo. A decisão gerou um intenso debate, alternando entre o entusiasmo pela inclusão de novas vozes e as críticas às possíveis motivações políticas por trás dessas escolhas.
Para alguns analistas e especialistas do setor cultural, a inclusão de jovens criadores representa um passo importante rumo à modernização da gestão cultural. Cândida Guias, comunicóloga e analista, destaca o potencial desta iniciativa:
"Na minha perspetiva, a nomeação dos músicos aos cargos de Diretor do Turismo e Cultura dos Municípios é uma faca de dois gumes. Por um lado, é uma oportunidade para jovens angolanos mostrarem aquilo que sabem e podem fazer pela sua comunidade. Por outro, é crucial que esses novos diretores sejam capacitados em áreas como gestão cultural, pesquisa científica e produção de cultura local", diz.
A perspetiva otimista aposta na capacidade desses jovens em revitalizar a cena cultural da província, promovendo a identidade cultural de Luanda e incentivando o turismo.
"Espero que cumpram com zelo e abnegação essa atividade, transformando a cultura num motor de desenvolvimento que atraia visitantes e valorize as artes locais", acrescenta Cândida Guias.
"Pão e circo"?
Porém, nem todos compartilham dessa visão. Dito Dalí, ativista angolano, levanta questões sobre as motivações políticas por trás das nomeações.
"Todos nós sabemos que os cargos públicos e políticos em Angola são exercidos mediante uma aproximação partidária. Infelizmente, continuamos a ter pessoas nomeadas sem competências ou conhecimentos técnicos para exercer cargos".
Dalí acredita que essas nomeações são uma tentativa do partido governante, o MPLA, de reconquistar o eleitorado juvenil após a derrota em Luanda nas eleições de 2022.
"O MPLA perdeu as últimas eleições em Luanda e agora tenta mobilizar a juventude nos musseques através dessas figuras populares".
Segundo ele, esta estratégia reflete o clássico conceito de "pão e circo": onde eventos culturais e momentos de diversão são usados para desviar a atenção das questões estruturais do país.
"Será que esses músicos entendem que a cultura é um instrumento de transformação social e não apenas entretenimento? A juventude hoje está mais atenta e consciente; não se deixará manipular tão facilmente".
A perspectiva da oposição
Ariane Nhary, a deputada mais jovem da UNITA, o maior partido da oposição, também se pronunciou sobre o tema, destacando tanto os pontos positivos quanto as preocupações. “Para nós, a nomeação inclusiva e diversa de vários jovens dos órgãos políticos e sociais sempre deverá ser apoiada, afinal, os jovens são a maior parte da população no nosso país. Precisamos olhar atentamente para os jovens como uma massa cada vez mais consciente, crítica e difícil de ser manipulada, mas que se engaja com outros jovens, se conecta com outros jovens”.
Nhary, contudo, expressou preocupação com as reais intenções por trás destas nomeações: “O MPLA, enquanto governo, tem noção disso, não é burro e, portanto, vai criar estratégias de uma falsa representatividade no intuito de atrair a juventude. Mais jovens no espaço do poder, neste caso que falamos da cultura, só poderão trazer mudanças significativas se outros jovens do país conseguirem fazer parte dessas mudanças”.
Ela também destacou a importância de condições adequadas para que os jovens possam atuar: "Quando a forma de governar a estrutura for diferente, quando houver investimento real no OGE para questões culturais e juvenis. Essas funções necessitam de criatividade, formas para incluir outros jovens e outros espaços culturais, lazer e outras questões. Do contrário, não passará de uma bela estratégia de marketing político eleitoral. Afinal, 2027 está à porta".
Desafios e oportunidades
A decisão também levanta desafios significativos. A falta de experiência dos novos diretores em gestão pública e políticas culturais pode limitar o impacto das suas ações, insiste Cândida Guias, que alerta para o risco de priorização de eventos festivos em detrimento de políticas estruturantes:
"É essencial que compreendam a importância de criar estratégias que promovam o desenvolvimento sustentável e a inclusão social".
Com a celebração do aniversário de Luanda, no dia 25 de janeiro, estas nomeações inauguram uma nova etapa para a cidade. Resta saber se as expetativas de um futuro cultural mais vibrante serão cumpridas ou se estas escolhas se limitarão a uma estratégia político-populista. A resposta estará na capacidade dos novos diretores em transformar a cultura num verdadeiro motor de desenvolvimento e identidade comunitária.
A DW tentou contactar alguns dos nomeados e o Governo Provincial de Luanda para obter esclarecimentos sobre as diretrizes e os objetivos desta iniciativa, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
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