sábado, 29 de março de 2025

Angola | Carnaval da Vitória e Sanções – Artur Queiroz

<Artur Queiroz*, Luanda ---

A Operação Savana (primeira invasão sul-africana a Angola) começou em Agosto de 1975 e terminou em 27 de Março 1976, com a derrota dos invasores e seus parceiros angolanos, FNLA, UNITA e Esquadrão Chipenda. Em 1978 Agostinho Neto proclamou o Carnaval da Vitória para assinalar a retirada das tropas estrangeiras, no dia 27 de Março 1976. Da festa popular passámos para o esquecimento. Essa importante vitória militar hoje é ignorada.

Os combates das FAPLA contra os invasores foram verdadeiramente heroicos. Muitos combatentes nem concluíram a formação nos Centros de Instrução Revolucionária. Apenas aprenderam a disparar, mudar os carregadores e tirar a cavilha das granadas. 

A Operação Savana verdadeiramente começou quando a CIA decidiu “assistência secreta” à África do Sul para colocar em Luanda um governo controlado pelo regime racista de Pretória. O secretismo tinha a ver com as sanções a que o regime de apartheid estava sujeito. Sanções totais, desde expulsão da África do Sul da ONU até ao embargo total de importações para o país e às suas exportações. Nem os clubes e atletas sul-africanos podiam competir internacionalmente. Hoje o regime de Israel é igual e nada acontece.

A Casa dos Brancos, Paris, Londres e Bona (República Federal da Alemanha) despacharam armamento sofisticado para os seus parceiros racistas. O objectivo era emagar o MPLA e o Povo Angolano. Foram derrotados. Em 14 de Julho de 1975, o primeiro-ministro Baltazar Vorster mandou entregar armas à FNLA e UNITA. Em Agosto de 1975 esse armamento estava nas frentes de combate em Angola. 

Em 9 de Agosto 1975, tropas sul-africanas ocuparam o complexo hidroelétrico Ruacaná-Calueque. Portugal, até 11 de Novembro de 1975, tinha o dever de defender as fronteiras mas nada aconteceu. Ocupação aceite sem qualquer reacção. Mas as FAPLA reagiram em defesa da integridade territorial.

Em 22 de Agosto 1975, as Forças de Defesa e Segurança da África do Sul invadiram o Sul de Angola. Em 4 de Setembro o primeiro-ministro Vorster ordenou às forças armadas que integrassem combatentes da UNITA e da FNLA. Foi criada a força móvel “Foxbat” que em 5 de Outubro 1975 entrou em combate com as FAPLA no Huambo.

Pretória também criou a “Força Operacional Zulu” que ocupou o Lubango e depois todas as cidades do Sul, Centro e Leste de Angola com  excepção da Lunda. Os tanques Eland MK7 (construídos pela África do Sul sob licença da Panhard francesa violando o embargo…) patrulhavam as ruas das cidades ocupadas. Jonas Savimbi mostrava-se nas ruas do Lubango aos ombros dos seus aliados racistas. Foi visitar o Liceu Diogo Cão onde estudou alguns meses. Esta força estava reforçada com o Batalhão Búfalo, comandado por Jan Breytenbach.

Em 14 de Outubro 1975, os racistas de Pretória iniciaram oficialmente a Operação Savana. Mas tinha começado de facto muito antes. John Stockwell, oficial da CIA, diz no seu livro “A CIA Contra Angola” que a Operação Savana resultou de um “acordo de cooperação” entre Washington e o regime racista de Pretória: “Houve uma estreita ligação entre a CIA e os sul-africanos”. Mas também denuncia a colaboração do Zaire de Mobutu e da Zâmbia de Kaunda. No início de Outubro 1975, a Força Operacional Zulu tomou a cidade de Ondjiva. No dia 19 Xangongo e no dia 24 Lubango. Um avanço fulminante. Os invasores sul-africanos mataram centenas de civis. Destruíram equipamentos sociais e alvos económicos. Os comandantes reportaram a morte de quatro soldados tanquistas e um piloto.

Nos dias 2 e 3 de Novembro 1975, apenas uma semana antes da Independência Nacional, as tropas sul-africanas entraram em combate com as FAPLA e combatentes cubanos, em Catenge. Continuaram a invasão até serem derrotados na Grande Batalha do Ebo. 

Nos dias 6 e 7 de Novembro 1975, a Força Operacional Zulu ocupou as cidades de Benguela e Lobito.  A unidade de combate Foxbat  avançou em direcção à capital pela estrada Huambo-Luanda. Nunca passou da Quibala.  O alto comando sul-africano percebeu que as suas tropas não chegariam a Luanda ante do dia 11 de Novembro. 

No dia 10 de Novembro 1975, Vorster recebeu um pedido urgente de Jonas Savimbi: “Temos de capturar o máximo território possível antes da reunião da Organização de Unidade Africana (hoje UA e com a presidência de Angola). Quantos mais territórios ocuparmos, mais ganhos de causa temos em Adis Abeba”. A Força Operacional Zulu e a unidade Foxbat continuaram a avançar para Norte. Mas não conseguiram satisfazer a vontade de Jonas Savimbi. 

Samuel Chiwale no seu livro “Cruzei-me com a História” justifica as ligações dos sicários da UNITA ao regime racista de Pretória neste termos: “Estávamos no fundo do poço e foram os sul-africano que no tiraram de lá”. Mentira! A UNITA participou na invasão sul-africana e nessa altura estava por cima. Nunca a UNITA chegou tão alto. De um corredor no Leste de Angola entre o Lucusse e o Luanginga, garantido e protegido pelos ocupantes portugueses, Savimbi herdou dos seus amos racistas todo o sul Centro e Leste de Angola!

Quem tirou o regime de apartheid do fundo do poço dos embargos foi Savimbi, servindo de biombo à agressões de Pretória. Ia ser pago com uma “república” a sul do rio Cuanza! Foram todos para o fundo do poço na Batalha do Cuito Cuanavale em 23 de Março 1988. Março Mulher. Março Vitória da Mamã Angola. Março da Liberdade.

Em meados de Dezembro 1975, pouco mais de um mês após a Independência Nacional, o governo de Pretória ampliou o recrutamento militar obrigatório e chamou os reservistas para combaterem em Angola. Segundo os documentos militares sul-africanos “as nossas tropas estão atoladas em Angola na frente sul Precisam de reforços urgentemente”. 

As vitórias das FAPLA no terreno foram acompanhadas de retumbantes sucessos na frente da informação. A Imprensa Internacional noticiava a invasão de Angola e publicava pormenores dos combates no terreno. Existia uma invasão impossível de esconder. Aviões dos racistas de Pretória eram franceses e do Reino Unido. Mísseis norte-americanos. Tanques alemães. Afinal não existia qualquer embargo ao regime de apartheid. Tudo teatro! 

Grande vitória do Jornalismo Angolano e dos correspondentes de Media estrangeiros que trabalhavam em Angola. Destaco Luís Alberto Ferreira, decano dos jornalistas angolanos e na época ao serviço da RTP, Ryszard Kapuscinski, Miguel Roa, Eloy Concepción Perez, Emíllio “El Flaco” e Muñoa. Os maiores repórteres do mundo!

Alto Comando das FAPLA durante a invasão dos sul-africanos na Operação Savana: Agostinho Neto Comandante em Chefe. Iko Carreira responsável da Defesa. João Luís Neto (Xietu) Chefe do Estado-Maior Geral. Já nenhum está vivo. Mas ainda vivem muitos combatentes que enfrentaram e derrotaram os invasores sul-africanos. Viva o 27 de Março 1975! Reviva o Carnaval da Vitória.

Operação Protea

Milhares de angolanos deram a vida pela paz e reconciliação nacional durante a guerra contra os invasores estrangeiros e seus serventes da UNITA. O preço foi muito elevado, mas para os combatentes, a Independência Nacional, a liberdade e a dignidade estão acima de tudo e nada paga esses valores.

O regime racista de Pretória e seus ajudantes da UNITA lançaram no dia 23 de Agosto 1981 a “Operação Protea”, com um ataque aéreo contra vários objectivos económicos e sociais nas proximidades de Xangongo e Ondjiva. As forças da SWAPO e os seus postos de comando na província do Cunene também foram bombardeados. Centenas de angolanos, militares e civis, morreram durante estes ataques de surpresa. A comunidade internacional nem sequer quis saber do número de mortos. 

A invasão estrangeira foi feita às claras e com meios abundantes. Era impossível esconder a agressão. Pretória atacou a partir do Sul de Angola com 11 mil homens, 36 tanques Centurion M41, 70 blindados AML90, 200 veículos de transporte de tropas tipo Rattel, Buffel e Sarracen. Um número indeterminado de canhões G-5 e de 155 milímetros. Mísseis terra-ar Kentron de 127 milímetros, 90 aviões de guerra e helicópteros.

 A comunidade internacional, sobretudo as grandes potências, não viram este enorme movimento de tropas. Estes foram os meios dos crimes contra Angola. Os mandantes são conhecidos por todos: EUA, França, Reino Unido e Alemanha. Os cúmplices da UNITA hoje vivem em paz entre os angolanos. 

A “Operação Protea” bateu estrondosamente na parede da Cahama e de lá as forças agressoras estrangeiras nunca passaram. Inseguras quanto aos resultados finais, tiveram o cuidado de destruir a ponte sobre o rio Cunene, em Xangongo (antiga vila Roçadas) para as forças angolanas não terem capacidade de as perseguir. Do rio para Norte, somente actuava a aviação inimiga até ao dia em que os “karkamanos” perderam o domínio do ar. 

A invasão estrangeira começou com um bombardeamento aéreo sobre a Cahama e Chibemba. Os racistas de Pretória atacaram com seis aviões Mirage e dois Buccanneer. No dia seguinte aos bombardeamentos aéreos, 24 de Agosto de 1981, três colunas de infantaria motorizada atacam e ocupam Namacunde, Xangongo e Humbe. Mas Ondjiva resistiu aos invasores. 

Em 27 de Agosto de 1981, às 7h00, os invasores tentaram ocupar a capital da província do Cunene depois dos bombardeamentos aéreos que destruíram objectivos económicos e alvos civis, como o edifício do Governo Provincial. Foram repelidos. Mais duas investidas e de novo o inimigo teve de recuar. No dia seguinte, os combatentes angolanos, totalmente isolados e debilitados, foram obrigados a abandonar Ondjiva. Centenas de combatentes da liberdade morreram. Os invasores a partir daquele momento ocuparam 40 quilómetros quadrados de Angola a partir da fronteira Sul. 

No início de Setembro os invasores retiram para a margem Sul do rio Cunene os blindados e a artilharia pesada. Não conseguiram passar da Cahama e à cautela destruíram a ponte sobre o rio Cunene, na época a maior de Angola.

Operação Daisy

Para reforçar a agressão através da “Operação Protea”, Pretória lançou no dia 1 de Novembro de 1981 a “Operação Daisy”. Os invasores continuavam a atacar as posições das FAPLA na Cahama. Ao mesmo tempo lançaram uma numerosa força de infantaria motorizada contra as instalações da SWAPO dentro de Angola. O objectivo era decapitar o comando militar do movimento que lutava pela independência da Namíbia, ocupada ilegalmente pela África do Sul racista. 

A “Operação Daisy” terminou no dia 20 de Novembro com a destruição de todos os meios da SWAPO em Bambi e Chetequera. 

A SWAPO, sempre com o apoio de Angola, reagiu e foi abrir outra frente em Kaokoland.
Os
racistas de Pretória responderam com uma nova investida, em Janeiro de 1982, a “Operação Super”. Chamar a uma agressão estrangeira com esta envergadura uma “guerra civil” é desvirtuar a realidade e branquear o regime de apartheid.  Em Angola nunca houve uma guerra civil. Desde a guerra colonial contra os portugueses que alguns angolanos decidiram combater do lado errado da História. Houve sempre quem renegasse a Pátria. Mas isso não muda a natureza da guerra, apenas define a dimensão moral dos que combateram contra o seu próprio país.

Operação Meebos

A “Operação Meebos” foi lançada em Julho e Agosto de 1982, um ano depois da “Operação Protea”. Os invasores fizeram inúmeros ataques aéreos contra as unidades das FAPLA estacionadas na Mupa, onde também se encontrava desdobrado o quartel-general da SWAPO, denominado “Frente Leste”. 

Angolanos e namibianos tombaram durante estes ataques. Equipamentos sociais foram destruídos. Os racistas de Pretória não conseguiam aniquilar as FAPLA e as forças armadas de libertação da Namíbia (PLAN). 

Em Fevereiro de 1983, Pretória lançou a “Operação Fénix”, reagindo a uma ofensiva das forças armadas da SWAPO. Esta acção militar terminou no dia 13 de Abril, quase um mês depois, com um resultado inesperado para os racistas sul-africanos: As suas forças armadas perderam 27 homens. Os racistas começavam a provar o sabor amargo da derrota. Pensavam que iam “caçar negros” em Angola e começaram a ser caçados. 

Os sul-africanos reforçaram as acções e em 6 de Dezembro de 1983 lançaram a “Operação Askari” para destruir as infra-estruturas logísticas das PLAN. Os ataques foram aéreos e terrestres.  Pretória entrou na via dos assassinatos selectivos. Em 29 de Junho de 1985 lançou a “Operação Boswilger”, que durou apenas 48 horas e consistiu no assassinato de combatentes e quadros políticos da SWAPO em solo angolano.

Salvamento do Biombo

Entre 19 de Setembro e o início de Outubro de 1985, a África do Sul avançou com uma intervenção militar de grande envergadura, agora no Cuando Cubango. As FAPLA tinham desencadeado a “Operação II Congresso” para aniquilar o “biombo” dos racistas de Pretória, as forças da UNITA. 

Quando as tropas de Savimbi estavam praticamente aniquiladas, as forças de defesa e segurança de Pretória vieram em sua defesa e atacaram as FAPLA, no Lomba. Os racistas ainda precisavam de se esconder por trás de uma pretensa “guerra civil” em Angola. 

Entre 14 de Agosto e 25 de Novembro de 1987, a África do Sul lançou a “Operação Moduler” destinada a travar a ofensiva das FAPLA na via entre Cuito Cuanavale e Mavinga, vila ocupada pelos racistas e onde o Presidente PW Botha esteve, levado pela mão de Savimbi. Pela primeira vez nos tempos modernos, um Chefe de Estado entrou dentro de um país soberano pela força das armas.

O Triângulo do Tumpo

As FAPLA tiveram de recuar e adoptar posições defensivas. Pretória lançou então a “Operação Hooper” para capturar o Cuito Cuanavale e avançar sobre Menongue. Tropas da UNITA já estavam na zona do Bié. O objectivo final era criar um “país” para Savimbi a Sul do rio Cuanza.
O teatro desta operação foi o Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. Os racistas de Pretória foram derrotados. E com a derrota, forçados a capitular em Nova Iorque, aceitando a independência da Namíbia. Mas a África do Sul, apesar da mudança de regime, não largou mão do seu “biombo” e guardou os “melhores combatentes e o melhor material” em bases secretas no Cuando Cubango. Essas forças, que a ONU não viu, atacaram em toda Angola quando a UNITA perdeu as eleições, em Setembro de 1992. 

A “Operação Hooper” desenrolou-se nas elevações de Chambinga (via de Mavinga) e no Triângulo do Tumpo. Face à humilhante derrota que lhes foi infringida pelas FAPLA, as forças sul-africanas retiraram. Deixaram no terreno muito material de guerra e tiveram pesadas baixas. Enterraram os seus mortos numa colina sobranceira às lagoas dos rios Tumpo e Cuito.
Os generais de Pretória decidiram então o tudo ou nada e lançaram a “Operação Packer” em 26 de Fevereiro a 23 de Março de 1988. Desta vez, um dos contendores ia ser “empacotado”. Foram os invasores que empacotaram as imbambas e retiraram com o apoio da “Operação Displace”, que decorreu de 30 de Abril a 29 de Agosto de 1988. 

Os últimos soldados sul-africanos retiraram-se após terem sido derrotados no Tumpo. Esta operação visou apoiar o grupo de engenheiros (sapadores sul-africanos) empenhado na colocação de minas em todas as travessias sobre os rios Cuito e Cuanavale, numa extensão de mais de 14 quilómetros, para evitar a exploração do êxito pelas FAPLA. 

Os “generais” da UNITA que querem saber por que razão não houve perseguição aos invasores, a resposta está dada. Nenhum chefe militar atira com os seus homens para campos de minas. E ninguém se preocupa com os biombos, antes de arrumar a casa para saber se ainda faz falta algum biombo.

 Operações Especiais

Os sul-africanos também fizeram operações militares em Angola contra objectivos económicos e estratégicos. No dia 12 de Agosto de 1980, os racistas tentaram destruir as fontes de recursos que sustentavam a guerra, realizando um ataque às instalações petrolíferas no Porto do Lobito. Foi a “Operação Amazone”. 

Em 30 de Novembro de 1981 lançaram a “Operação Kerslig” para destruir as instalações petrolíferas no Porto do Luanda. 

Em Maio de 1985, Pretória desencadeou a “Operação Argon” contra a base petrolífera do Malongo, Cabinda. 

Nos dias 25 e 26 de Agosto de 1987 foi desencadeada a “Operação Coolidge” para a destruição da ponte sobre o rio Cuito Cuanavale. 

Nem guerra civil nem guerra à civil. Guerra contra os invasores estrangeiros até à vitória final. 

Viva o 27 de Março! Reviva o Carnaval da Vitória!

* Jornalista

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