MÁRIO MAIA – DEBATES CULTURAIS
Na Tunísia e no Egito, formaram-se os chamados “Estados cartéis”, liderados pelo rais (chefe supremo), que se amparava em diversos órgãos, sobretudo nas forças armadas, em parte da burguesia e na burocracia. Neles, as forças armadas detinham uma autonomia e um poder consideráveis. Por isso, quando se viram encurraladas pelos protestos populares, conseguiram elas dissociar-se de Ben Ali e de Mubarak e provocar a queda do regime.
Na Síria, a relação entre as forças armadas e o poder é bastante mais estreita e enquadrada. O Estado está organizado em torno do presidente el-Assad, e um pequeno clã da minoria alauita, exercendo as forças armadas um papel mais discreto. Na Tunísia e no Egito, desempenharam papel fundamental nos movimentos populares as Capitais, Túnis e Cairo, onde se jogou o destino final dos respectivos regimes. Na Síria, as dinâmicas locais são infinitamente mais importantes e Damasco não chegou até hoje a exercer um papel importante nas contestações. Na Síria, ocorre principalmente uma revolta das províncias.
As práticas da repressão são distintas. Na Síria, elas se mostram bastante eficazes, tendo conseguido fraturar o espaço e o tempo das contestações, enquanto impunham seu próprio ritmo. Fazendo reinar o terror em sucessivos lugares, o poder sírio logrou impedir uma dinâmica comum da oposição. Ben Ali e Mubarak não conseguiram isso, tendo até mesmo sido surpreendidos e ultrapassados pelos movimentos populares e pela reação (ou traição) dos oficiais militares superiores.
Não existe na Síria uma oposição coerente e unida. É ela composta de intelectuais, de jovens da classe média, de participantes do mercado informal de trabalho, de membros das correntes liberais. Trata-se de uma oposição conservadora e islâmica, que não detém uma posição comum. Seus líderes não vivem no país, mas no estrangeiro, particularmente em Paris e em Londres, não podendo ser considerados representativos da contestação interna.
Tal como na Tunísia e no Egito, a contestação na Síria é estimulada e organizada por meios das redes sociais da internet. Porém, aqueles dois primeiros países eram muito mais abertos, acolhendo milhões de turistas estrangeiros e tendo uma diáspora bastante importante. Além disso, desde que não atingissem a pessoa do “rais” (chefe supremo), os intelectuais podiam reunir-se e a vida universitária era bastante movimentada. Isso não ocorre na Síria, onde o controle da sociedade é bastante mais forte e a moukhabarat (polícia secreta) é muito mais poderosa e eficiente do que as da Tunísia e do Egito.
*César Epitácio Maia nasceu em 18 de junho de 1945, é economista e professor universitário, foi exilado político e é um dos políticos brasileiros mais atuantes no momento, tendo ocupado diversos cargos públicos, entre eles o de Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro.
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