BAPTISTA BASTOS – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião
Há três semanas, apenas, a vitória de Pedro Passos Coelho era uma hipótese imponderável. Sócrates passeava, impante, a glória de que ele próprio se fazia ornar, e os disparates do presidente do PSD, revelando-nos uma vida aparentemente equivocada, aumentavam as possibilidades do chefe socialista. Sócrates não é bem amado. Pelos apaniguados e por muitos demais. Passos também o não é: pelos seus e pelos inimigos. Mas as coisas, em Portugal, funcionam com outras bússolas. E tanto um como outro, formais, graves, de alegrias contidas, desencadeiam e sustentam (ou vão sustentar) interesses transeuntes ou fixos. Afectos, poucos. Passos, como Sócrates, apenas criam instantes de amizade.
O PSD ganhou e o caso não está arrumado. Começa, agora, outro capítulo disperso, confuso e absurdo do viver português. Passos tem de seguir a cartilha da troika, neoliberal e muito direirona, o que o não aflige: é a sua área. Mas à perna estão-lhe o PS, ressentido pela derrota; o PCP e o Bloco, a princípio talvez com cortesia, mas logo-assim com assanhamento e escândalo. E que Sócrates não esqueça os seus "camaradas", cheios de verdete e de anedotas, que acreditavam na infalibilidade truculenta do chefe, a fim de se protegerem a si mesmos.
Quando o doce perfume da vitória começou a agitar as narinas dos psd's, assistiu-se ao desfile desacreditante e às frases de aleluia daqueles que haviam perseguido e ofendido o agora triunfador. Uma vergonha, filha desse descaro que constitui o edifício moral da nossa sociedade. Somente a dra. Ferreira Leite, que despreza Sócrates e desdenha Passos, não dissimulou o vilipêndio mal-educado por aquele, e a indiferença arrogante e abjecta por este. Uma cena inconcebível.
A pesada derrota do PS não irá melhorar a nossa vida. Pelo contrário. O paradigma de Passos Coelho defende a irredutabilidade de um sistema que está longe de responder às nossas urgências e necessidades. Não será, exclusivamente, a obediência ao memorando da troika: o projecto de Pedro Passos Coelho vai mais além, é cruel como um jugo. E o deliberado mal-entendido que se nos pretende inculcar, sobre a "mudança", pode ser assustador. O "novo" paradigma nada contém de "novo". Numa sociedade sem objectivos e sem significado relacional entre si, a "mensagem social" ficará reduzida, indefinidamente, às interpretações que Passos e os seus lhes queiram atribuir.
As dificuldades emergentes têm muito a ver com os conceitos ideológicos. É difícil, senão impossível, regular os comportamentos de uma sociedade submetida a um conformismo estimulado pelo medo. A ideologia do momento não procede à afirmação individual da liberdade. Cinge o homem aos limites das suas pessoais angústias. Repare-se que nenhum partido, durante a campanha, falou das frágeis associações que ainda nos unem. A "organização" e os seus defensores não podem permitir-se ter princípios. Porque não vai haver "mudança", como fraudulentamente o pretendem os aúlicos da religião do "mercado".
José Sócrates deixou de servir, sobretudo a partir do momento em que unicamente se ouvia. Acrescento que não servia porque a eficácia requer dignidade, humildade e credibilidade. Agora, pergunto: pedro Passos Coelho servirá? Não vêm aí tempos felizes.
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