sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ELEIÇÕES À VISTA, PROPAGANDA NA AGENDA




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

A ministra da Comunicação Social de Angola, Carolina Cerqueira, destacou hoje, em Luanda, a importância que os órgão de comunicação privados desempenham na sociedade, tendo apontado a sua utilidade na diversidade do sector.

Não fosse ser onde é e, eventualmente, todos acreditariam que Angola é um país democrático, com liberdade efectiva e própria de um Estado de Direito.

Se calhar já ninguém se lembra que há um ano e meio, o regime de José Eduardo dos Santos (um presidente não eleito e há 32 anos no poder) comprou – certamente no âmbito da importância agora corroborada pela ministra - dois dos mais importantes jornais privados de Angola, o Semanário Angolense e A Capital.

Como recorda Carlos Duarte, no Makaangola.org, “a operação, fraudulentamente financiada pela Sonangol, estava orçada em mais de 20 milhões de dólares. Inicialmente, a verba incluía também uma “investida” para silenciar a Rádio Ecclésia e a compra de uma terceira publicação, o Novo Jornal. Os responsáveis pela operação concluíram que a aquisição do Novo Jornal, detido maioritariamente pelo Grupo ESCOM, não era prioritária. Consideravam a linha editorial do semanário como pouco incómoda aos desígnios do regime. No entanto, há três anos, segundo fontes da direcção, o jornal se encontra em sistema de auto-gestão, devido à dificuldade da ESCOM em vender a publicação”.

Voltemos a Carolina Cerqueira. A governante, que falava durante uma visita à Luanda Antena Comercial (LAC), na qual tomou conhecimento do seu funcionamento, ressaltou que independentemente de órgãos privados ou estatais, o Ministério da Comunicação Social é formado por todos.

Segundo Carolina Cerqueira, a pluralidade de pedidos para a abertura de mais rádios comprova que há espaços para que todos possam desenvolver a comunicação social.

“Está claro que a linha editorial, a sustentabilidade financeira dos investidores e a credibilidade estão a ser estudadas por nós, para vermos até que ponto é que elas podem contribuir para a prosperidade do país”, prosseguiu.

Aqui a boca da ministra fugiu para a verdade, esquecendo-se do texto exacto da cartilha do regime. É o governo quem analisa e decide sobre a sustentabilidade financeira e a credibilidade dos projectos. Numa democracia normal não é assim. Mas em Angola é. O regime é que avalia tudo, até mesmo se os investimentos podem contribuir para a prosperidade do país.

Se, supostamente – é bem claro, os Jornalistas devem lutar pelo que pensam ser a verdade, não deixou de ser curioso vê-los a analisar, em Maio deste ano, o pacote legislativo da Comunicação social de Angola, exactamente em Cabinda, território ocupado pelos militares do regime angolano.

Se, dando crédito a Carolina Cerqueira, o jornalismo é “um exercício de democracia”, resta saber onde está esse jornalismo porque, de facto (de jure é ligeiramente diferente), Angola não é uma democracia.

Quando, é o caso de Angola, o povo vota de barriga vazia não existe democracia. Quando o presidente da República está no poder há 32 anos sem nunca ter sido eleito, o sistema político pode ser tudo... menos democracia. Quando há círculos eleitorais onde o MPLA tem mais votos do que eleitores...

Verdade seja dita, contudo, que a ministra Carolina Cerqueira não fala exactamente de democracia existente, mas sim da “democracia que queremos construir”. Não sei se o dono do país terá gostado desta divagação.

Também é verdade que, mesmo nas ditas democracias estabilizadas, do tipo da que Portugal diz ter, as coisas não são muito diferentes. Basta recordar, por exemplo, que um deputado (Ricardo Rodrigues do PS) não se inibiu de roubar os gravadores aos jornalistas que o entrevistavam.

Ou que o Governo do actual soba maior de Portugal (tal como o do anterior) conseguiu, na vigência dessa dita democracia, fazer de grande parte da “imprensa o tapete do poder”, transformar jornalistas em “criados de luxo do poder vigente", convencer os mais cépticos de que mais vale ser um propagandista de barriga cheia do que um ilustre Jornalista com ela vazia.

Tal como conseguiu, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lentilhas, convencer os jornalistas que devem pensar apenas com a cabeça... do chefe, mostrar aos Jornalistas que ter um cartão do PSD, ou do MPLA, é mais do que meio caminho andado para ser chefe, director ou até administrador.

Em teoria sabe-se que caberia aos jornalistas (ainda há, tanto por Portugal como por Angola, alguns que teimam em dar voz a quem a não tem) estar na primeira linha dos que, com respeito, respeitando a liberdade, respeitando as pessoas, devem sobretudo respeitar antes de mais a verdade.

No entanto, por experiência própria, os jornalistas sabem que, tanto no reino esclavagista lusitano como no seu congénere angolano, dizer a verdade é mais de meio caminho andado para o desemprego.

E tanto sabem disso que, hoje em Portugal, estão a dar a volta e a trocar as amizades do Largo do Rato pelas da Rua de São Caetano. No caso de Angola, como não há nada para trocar, continuam a venerar o Futungo.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: E O VENCEDOR SERÁ… O MPLA!

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