segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Cabo Verde: PARA QUE SERVE A JUSTIÇA?



Liberal (cv), Editorial

Amadeu não se presume inocente, nem tão pouco se considera alvo de alguma ilegalidade, de qualquer entorse judicial. Não, pelo contrário, o jurista diz que violou o segredo de justiça e que não está arrependido; reconhece que está suspenso pela Ordem dos Advogados mas alega querer continuar a exercer ilegalmente a profissão

A Justiça em Cabo Verde corre sério risco de se transformar em circo. De um momento para o outro, aqueles que sempre estiveram cegos, surdos e mudos perante a iniquidade fáctica de uma máquina judicial ao serviço dos ricos e poderosos, vêm agora verberar contra ela quando um dos seus, um “eleito” pelo toque sagrado dos deuses do Olimpo do Estado, é apanhado pelas malhas de um magistrado mais zeloso.

Amadeu Oliveira, - o advogado de Anildo Silva e Helena Matos no processo que os opõe à ex-presidente da Câmara Municipal de São Vicente, Isaura Gomes – autor confesso dos crimes de violação do segredo de justiça e de exercício ilegal de profissão, vai a julgamento no Mindelo amanhã, 14, tendo arrolado extenso e famoso role de testemunhas. Autor confesso, dizíamos, e não alegado autor – com é recorrente [e muito bem!] usar-se na imprensa – por razão de o mesmo ter já vindo a público confessar a prática dos crimes, num gesto de inadmissível desafio ao tribunal e de incitamento à desobediência ao cumprimento da lei. O que é estranho – e muito grave – vindo de um agente da Justiça, um licenciado em Direito.

Amadeu não se presume inocente, nem tão pouco se considera alvo de alguma ilegalidade, de qualquer entorse judicial. Não, pelo contrário, o jurista diz que violou o segredo de justiça e que não está arrependido; reconhece que está suspenso pela Ordem dos Advogados – entidade a quem o Estado delegou a regulação da advocacia -, mas alega querer continuar a exercer ilegalmente a profissão. Ou seja, Amadeu Oliveira vem declarar publicamente que a lei não se aplica a ele, a legislação é para os outros, não para a extraordinária personalidade que ele se julga.

E, para sustentar a impunidade de que sugere dever ser beneficiário, arrola como testemunhas conhecidas personalidades públicas que ocuparam e ocupam elevados cargos no Estado. Pedro Pires, ex-presidente da República; Aristides Lima, ex-candidato presidencial e ex-presidente da AN; Basílio Mosso Ramos, actual presidente da Assembleia Nacional; Leonesa Fortes, responsável máxima do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS); mas também os advogados Rui Araújo e Felisberto Vieira Lopes.

O naipe de “estrelas” que desfilarão pela sala de audiências do Tribunal da Comarca do Mindelo o que poderá dizer de relevante para o julgamento? Que o arguido seria incapaz de praticar os crimes que lhe são imputados? Não, porque o próprio já os confessou publicamente. Irão atestar as qualidades humanas de Amadeu? Talvez, mas o que tem isso de relevante para a defesa de um arguido que já confessou a prática dos crimes e manifestou não estar arrependido?! Nada! Então, por quais razões se vão aquelas criaturas sentar no banco das testemunhas?

A intenção parece ser óbvia, ao chamar PP, Aristides, Leonesa e Ramos para a audiência, Amadeu Oliveira pretende dar um sinal para os outros, para aqueles que somos todos nós, os que pagamos impostos, que suportamos os luxos da corja, que alimentamos um Estado tomado por assaltantes e saqueadores que albergam até figuras como o Amadeu, pago principescamente para exercer – por exemplo, no INPS – uma profissão da qual foi irradiado e para, de igual modo, num país de mão estendida à ajuda internacional, utilizar bens do Estado aos fins-de-semana para benefício pessoal e à conta do erário público.

As personalidades arroladas – embora ali tivessem de depor mesmo sem o seu consentimento, porque a tal são obrigadas por lei – foram-no para servirem de “trunfo” à suprema arrogância de quem se julga acima da lei, acima da República, acima de nós todos, por meras razões que decorrem da vaidade e soberba dos “eleitos” do Olimpo… E coloca-nos uma questão central: se a lei não é para todos, para que raio serve a Justiça?

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