terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Concessão de licenças petrolíferas não é transparente em Angola



Deutsche Welle

Relatório da Global Witness aponta para "elevado nível de secretismo" ainda existente na indústria extractiva angolana. Organização defende mais transparência na concessão das licenças para evitar corrupção e conflitos.

Angola e Nigéria são exemplos de países atormentados pela maldição dos recursos naturais. São os dois maiores produtores de petróleo no continente africano, exportando mais de 4 milhões de barris de crude por dia. Os cidadãos desses países encontram-se, no entanto, entre os mais pobres do mundo: 70% dos angolanos e 80% dos nigerianos vivem com menos de dois dólares norte-americanos por dia.

No caso angolano, o petróleo, gerido pela empresa estatal Sonangol, representa mais de 60% do PIB e 98% do total das exportações angolanas.

A organização britânica Global Witness, no seu mais recente relatório Rigged? The scramble for Africa’s oil, gas and minerals (Manipulada? A luta pelo petróleo, gás e minerais africanos), afirma ser necessária maior transparência nas indústrias extractivas para evitar que uma competição mais intensa pelo acesso comercial aos depósitos de gás, petróleo e minerais aumentem o risco de corrupção e de conflitos violentos.

"A corrupção é multifacetada e a transparência é a chave para a combater", explica Judith Poultney, investigadora da Global Witness, em entrevista à DW África.

Cortar o mal pela raiz

Para esta organização não governamental de defesa dos direitos humanos, uma das formas de lidar com o problema é trazer a público as relações complexas e opacas entre os Estados e as indústrias extractivas. Desde 2003 que a EITI (Iniciativa para a Transparência na Indústria Extractiva), trabalha neste sentido, mas ainda só foram dados os primeiros passos.

O que a Global Witness encontrou em Angola, na Nigéria e na República Democrática do Congo é que "o risco de corrupção não existe apenas quando se trata da redistribuição das receitas, mas logo no início do processo, no momento da atribuição de licenças e contratos de exploração".

A investigadora Judith Poultney falou de alguns progressos no sector extractivo em Angola, que nos últimos dez anos passou a publicar mais informações do que antes. Mas, para Poultney, "ainda há um nível elevado de secretismo que contradiz os esforços recentes [do país]. Uma das coisas para que olhamos no relatório foi para a falta de transparência na concessão de licenças de exploração de petróleo", afirmou.

Baseada em investigações em Angola, Nigéria e República Democrática do Congo, a Global Witness faz um conjunto de recomendações arrojadas – entre elas a aplicação de uma política de "transparência total". A organização ainda defende que "os cidadãos destes países têm o direito de saber como e por quem os recursos estão a ser explorados e para onde está a ser canalizado o dinheiro".

"Tem de haver regras mais fortes relativas ao modo como as empresas acedem aos recursos naturais em Angola e noutras partes do mundo", diz Poultney. Para a investigadora, numa situação ideal, isso significa que, "quando são atribuídas concessões lucrativas a empresas privadas, os cidadãos devem saber quem são os proprietários, qual o montante que as mesmas pagaram pela licença e aquilo que o país ganha em troca".

Corrupção crónica?

Desde 1999, a Global Witness tem expressado apreensão quanto à séria corrupção no sector petrolífero angolano. No relatório Crude Awakening (Um despertar cru), datado de 1999, a organização acusava as companhias petrolíferas e as instituições financeiras de "brincarem com a política e as vidas do povo angolano" e denunciava os desvio "de uma significativa parcela das receitas do petróleo para enriquecimento pessoal e para apoiar as aspirações da elite em torno do presidente".

Cinco anos mais tarde, num relatório intitulado Time for Transparency (É altura para a transparência), a Global Witness dava conta que entre 1997 e 2003, mil milhões de dólares por ano – ou seja, um quarto do PIB – desapareceram das contas do estado angolano.

Escrevia-se nessa altura: "Não há exemplo mais severo dos efeitos devastadores do desvio de receitas e da corrupção estatal do que o de Angola, onde uma em cada quatro crianças não viverá até aos cinco anos".

Empresa de exploração tem "membros do governo" entre accionistas

No presente relatório, para se ilustrar a opacidade reinante em Angola, não obstante os dispositivos legais entretanto adoptados, referem-se os exemplos de três empresas angolanas: a Sociedade de Hidrocarbonetos de Angola (SHA), o Grupo Gema e Somoil.

Só para citar um exemplo referido no relatório atual, a SHA, que se terá pré-qualificado em 2007/2008 para atribuição de licenças não operativas de exploração petrolífera e que terá ganho, de acordo com informações veiculadas na comunicação social, o direito de exploração de um bloco off-shore (em alto-mar) na Guiné-Bissau, tem entre os seus accionistas pessoas com nome idêntico a membros do governo ou próximos do presidente José Eduardo dos Santos.

26% da SHA são detidos por uma pessoa de nome Manuel Domingos Vicente – nome igual ao do ex-presidente da Sonangol e actual Ministro de Estado e da Coordenação Económica. Outro accionista com igualmente 26% é uma pessoa de nome idêntico a Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido como Kopelipa, o chefe da casa militar de José Eduardo dos Santos. O mesmo sucede com Leopoldino Fragoso do Nascimento, que detém 26% da empresa, e cujo nome é idêntico a um general próximo do presidente angolano.

Autora: Helena Ferro de Gouveia - Edição: Renate Krieger / António Rocha

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