Pedro Cordeiro, com agências - Expresso – foto Sinan Husain - AP
O Presidente Nasheed, que se demitiu ontem, diz ter sido forçado a tal e acusa a oposição de golpe de Estado. Há dezenas de feridos em Malé.
A capital das Maldivas, Malé, viveu hoje um dia de violência, com confrontos entre as autoridades e apoiantes do ex-Presidente Mohamed Nasheed. A imprensa maldiviana e testemunhas com quem o Expresso falou referem mortos e feridos e confirmam que o turismo já sente os efeitos da agitação.
Nasheed demitiu-se ontem, após três semanas de protestos da oposição, mas afirmou hoje que a exoneração foi forçada "com cano de espingarda" e questionou a legitimidade do até ontem vice-presidente, Waheed Hassan, para lhe suceder.
Os tumultos neste arquipélago do Oceano Índico começaram a 16 de janeiro, quando Nasheed mandou prender um juiz a quem acusou de agir em nome do ex-Presidente Maumoon Gayoom. A agitação agravou-se, estimulada pelo Partido Progressista das Maldivas (liderado por Gayoom), e alguns elementos da polícia e da tropa uniram-se à contestação.
Nasheed demitiu-se afirmando que a sua permanência no poder iria obrigá-lo a "usar a força" contra concidadãos, coisa que não desejava. Sucedeu-lhe de imediato, e obedecendo à Constituição, o vice-presidente Waheed.
Hoje, porém Nasheed contou uma nova versão da história. Depois de se reunir com diplomatas, assegurou aos seus apoiantes ter sido obrigado a demitir-se "ameaçado com cano de espingarda". Numa reunião do seu partido (MDP, Partido Democrático Maldiviano), em Dharubaruge, Nasheed deu garantias de resistência a centenas de militantes e dirigiu-se a Waheed (que é de outro partido aliado do MDP): "Peço-lhe que abandone o cargo imediatamente e convoque eleições". E disse à France Presse que um grupo de polícias e soldados ameaçou criar um "banho de sangue" caso Nasheed não renunciasse.
"Hoje foi muito mau!"
Nasheed falou, esta tarde (manhã em Portugal) a centenas ou milhares de adeptos seus (as fontes divergem), reunidos na Praça da República, em Malé, perto das instalações da polícia e das forças armadas.
O Presidente deposto acusou Waheed de ser cúmplice num golpe e um apoiante seu chamou "fantoche" ao novo Chefe de Estado. "Não tenham medo. É uma concentração legal, exprimam a vossa opinião e não façam nada contra a lei", disse à multidão um membro do MDP, segundo a Reuters. Palavras vãs, já que depressa se geraram confrontos com as autoridades.
A violência é confirmada por um empregado do restaurante Ocean Breeze, em Malé, com quem o Expresso falou por telefone. "Hoje foi muito mau. Morreram três pessoas e há dois hospitais cheios de gente. Está tudo zangado e ninguém veio ao restaurante", afirmou. "Só nos resorts turísticos é que está tudo bem". A morte de três pessoas não foi mencionada por nenhuma outra fonte.
A Reuters relata como as autoridades dispararam gás lacrimogéneo sobre os manifestantes, que fugiram deixando nas ruas dezenas das sandálias típicas do país. A deputada Eva Abdulla, do MDP, afirmou à CNN que os agentes da lei também usaram bastões e raptaram quatro parlamentares. Acrescentou que o secretário-geral do partido, Moosa Manik. está hospitalizado. "Há uma absoluta falta de ordem, parece que ninguém manda", disse. O MDP garante que a polícia também agrediu Nasheed, que está agora em parte incerta. Um irmão do ex-Presidente confirmou a "The Daily Telegraph" que Nasheed ficou "ligeiramente ferido". O diário londrino confirma que Manik está nos cuidados intensivos e fala em 30 adeptos de Nasheed feridos.
Depois do choque, a resistência
O novo Presidente, Waheed, desmente que tenha havido um golpe de Estado. "É errado descrever o que aconteceu como golpe de Estado. Não sabíamos que ia suceder. Eu não estava preparado", garante. Promete formar um Governo de unidade nacional e pretende cumprir o resto do mandato de Nasheed, até 2013. Mas, segundo o jornal maldiviano "Minivan News", os adeptos de Nasheed recuperaram do choque de ontem e estão decididos a resistir.
Um jornalista deste diário que cobria a manifestação da manhã - que descreve como "pacífica" - também foi ferido por apoiantes do ex-Presidente Gayoom. "Batiam em senhoras de idade com bastões, como nos velhos tempos", contou. Nas redes sociais da Internet há fotos de manifestantes feridos.
O "Minivan News" informa que a agitação começa a espalhar-se a outras cidades e ilhas, como Addu City, Thinadhoo, Milandhoo e Velidhoo, onde haverá pessoas a atacar esquadras da polícia. Calcula em 50 os feridos hospitalizados e questiona se Waheed terá controlo sobre os agentes. Sobe o tom das comparações entre o que se passa e a era autoritária de Gayoom. Este governou de 1978 a 2008, período durante o qual Nasheed lutou pela democracia pluripartidária e foi detido 27 vezes. Nasheed venceu, há quatro anos, as primeiras eleições democráticas.
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