Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1- Esqueçamos as mudanças de opinião do Presidente da República sobre as agências de rating. As tais que em Julho de 2010 não podiam ser recriminadas mas que nesta semana, em entrevista à TSF, foram severamente criticadas por Cavaco Silva, que até chamou cobardes aos líderes europeus que pactuam com elas.
Esqueçamos que o Presidente da República ignorou a crise do euro e o ataque às dívidas soberanas e só há poucos meses acordou para esses problemas. Esqueçamos que o termo "crise sistémica" é recente no discurso do Presidente da República e que, apesar de agora criticar os dirigentes europeus por terem percebido tardiamente as verdadeiras origem da crise, também ele chegou atrasado, muito atrasado.
Pronto: nuns casos, o Presidente mudou mesmo de opinião, noutros ou se esqueceu de nos informar dos seus pontos de vista a tempo e horas ou também a sua opinião, digamos assim, evoluiu. Todos sabemos o que esta malfadada crise fez a muitas das nossas convicções, e só os burros é que teimam em ir contra o óbvio.
Finjamos estar esquecidos do gravíssimo caso das escutas que num país civilizado abriria uma gigantesca crise institucional. Podemos da árvore da nossa memória o infelicíssimo caso das pensões e do insulto que nos foi dirigido pelo Presidente da República.
Eu e muitos, acredito, gostaríamos de ter o voto que demos a Cavaco Silva de volta, mas a coisa não funciona assim. Temos de engolir mais um sapo, pois.
Hoje por hoje temos um primeiro-ministro que quer cumprir o acordo com a troika custe o que custar e não enjeita mais medidas de austeridade, que apregoa aos sete ventos que não somos a Grécia, que se revê na sra. Merkel, que não quer mais tempo nem mais dinheiro, que acredita que o BCE deve estar como está, que não tem uma palavra para falar da necessidade dos países com excedentes terem políticas expansionistas ou de solidariedade intereuropeia ou de planos de crescimento económico, que assume o desemprego como uma inevitabilidade. Do outro lado temos um Presidente da República que fala dos novos pobres e na necessidade de coesão social, que insiste no drama do desemprego, que não aceita mais sacrifícios para os portugueses, que afirma que devemos ser solidários com a Grécia, que põe em causa o directório franco-germânico, que tem um discurso para a Europa muito próximo do de Monti (já não é mau), que desde o seu célebre discurso em Florença está mais preocupado com o emprego e o crescimento do que com a inflação, que quer o BCE como um novo desenho, que não aceita que se critique apenas Portugal, a Irlanda e a Grécia mas sim a Europa como um todo.
Obviamente que Passos Coelho e Cavaco Silva querem o melhor para o País e para os portugueses, mas isso é comum a todos os políticos dignos desse nome. O que está em causa são os métodos para atingir esse objectivo, ou seja, as escolhas políticas. E neste aspecto é evidente que Passos Coelho e Cavaco Silva têm visões muito diferentes da situação da Europa e de Portugal e de quais devem ser as políticas a seguir para sair da crise. Mais, com o tempo e o aprofundamento dos problemas cada vez isso vai ser mais notório e a separação entre os dois se vai acentuar.
Ter o Presidente da República como líder da oposição é o melhor dos cenários? Não, não é. Deve ser o Presidente o líder da oposição? Não, não deve. Mas quem não tem cão, caça com gato. E, faltando oposição, é o que nos resta. Pior do que esta situação seria chegarmos ao ponto a que vamos, infelizmente, chegar, de aprofundamento da crise económica com uma inevitável crise política, sem uma voz institucional que corporizasse o descontentamento e mostrasse um novo caminho. Pior ainda seria no momento em que a crise política se agudizar termos um Presidente da República descredibilizado na opinião pública e fragilizado na sua acção.
Bem sabemos quantas vezes na nossa vida temos de fazer um esforço para utilizarmos a memória não para lembrar mas para esquecer. Este é um desses momentos. Vamos lá a ver é se o Presidente da República não volta a mudar de opinião e se não nos obriga a desistirmos também dele.
2 - O desemprego já vai em 14,8% e vamos ter mais recessão. Segundo Vítor Gaspar e a troika está tudo a correr às mil maravilhas. Há aqui qualquer coisa que me escapa, mas a culpa deve ser minha.
* Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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