sábado, 14 de abril de 2012

AK – 47 NÃO FAZEM CALOS E ESTÃO A BAIXO PREÇO




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Em Abril de 2010 o Presidente da Comissão Executiva da União Africana, Jean Ping (foto), foi à Guiné-Bissau e – usando a receita vulgarizada pela CPLP e que hoje deve ter estado na mesa da reunião de Lisboa – fez um discurso tipo Nescafé.

Ou seja, juntou água (mais ou menos benta) a alguma realidade, misturou e serviu aos “clientes”. Tudo, como é regra, para enganar todos os que ainda não repararam que a enxada faz calos, ao contrário das AK-47.

Dizer em Bissau, Luanda ou Lisboa, que o continente africano ainda tem na paz e na segurança as maiores preocupações, é o óbvio. Aliás o diagnóstico está feito há muito. O que tem falhado são as medidas curativas nuns casos, profilácticas noutros. Isto já para não falar nos kimbandas (locais e estrangeiros) que ministram ao filho o medicamento que dizem ir curar o pai...

O gabonês Jean Ping, quando em Maio de 2009 esteve em Angola no quadro das comemorações do Dia de África, lembrou que os Estados africanos, nesta fase da sua história, ainda gastem dois terços dos seus recursos em questões de segurança e paz.

E gastam porque, para definirem o que supostamente é bom para o povo, olham para o seu próprio umbigo. Alguns casos há que olham para o umbigo dos outros. Mas quem são esses outros? São os poucos que cada vez têm mais milhões e não os milhões que, ali mesmo ao lado, nada têm.

O chefe executivo da UA destacou nessa altura, na hierarquia dos gastos dos países africanos nesta matéria, a gestão e resolução de conflitos, lembrando que somente um terço dos recursos são destinados a questões como a pesquisa e cooperação.

E foi na descrição deste cenário que Jean Ping apelou a uma "maior conjugação de esforços" em África parra garantir a estabilidade e a paz no continente, sublinhando que as questões ligadas à segurança e inteligência assumem especial relevo quando o mundo enfrenta uma crise grave com impacto no continente africano com especial violência.

Mais uma vez, como pretendem os fabricantes mundiais de armamento, África não só aceita como pede a ajuda do leão para derrotar a hiena. E o que acontece depois? O leão derrota a hiena e depois come os africanos.

"Este momento impõe à nossa sensibilidade a procura de uma solução durável para os problemas da paz e segurança parra que seja possível concentrar esforços no desenvolvimento social e económico", disse Jean Ping, repetindo as ideias que em 2010 e voltou a apresentar em Bissau e que, provavelmente, estão hoje a deleitar os comensais da CPLP no encontro de Lisboa.

E, de facto, é no desenvolvimento social e económico que está o “segredo” para o fim da violência, da instabilidade, da insegurança. Acontece, contudo, que muitos dirigentes africanos, com a óbvia, consciente e estratégica conivência do Ocidente, apenas sabem conjugar o desenvolvimento social e económico na primeira pessoa do singular. E, convenhamos, dessa forma o rastilho estará sempre aceso.

Jean Ping apontou ainda o dedo ao facto de o "resto do mundo" estar empenhado na consolidação do desenvolvimento, enquanto em África sobressaem os "problemas associados a conflitos persistentes, instabilidade, pobreza, criminalidade, falta de infraestruturas, bem como a decadência dos Estados".

Pois é. A pobreza é o principal problema porque, na maioria dos casos, os pobres só conhecem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não uma enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma Kalashnikov. Aliás, se estiverem indecisos na escolha, aparece logo um europeu a esclarecer que a tem umas quantas AK-47 a baixo preço.

"O fim da guerra fria e o surgimento da democracia marcou uma nova era em termos de ideais de desenvolvimento", recordou Jean Ping, destacando as questões da democracia como eleições, boa governação, descentralização, economia de mercado, intervenção mínima do Estado como azimutes para o futuro do continente.

Democracia? Boa Governação? Descentralização? Economia de mercado? Intervenção mínima do Estado? Onde? Onde? Onde?

Pois é...

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.


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