Atrocidades em Wiriyamu continuam por esclarecer
Isadora Ataíde – Savana (mz)
O massacre de Wiryamu resultou numa decisiva vitória política para os insurgentes, o que aumentou a pressão diplomática sobre Portugal e os desacordos entre a Igreja, os militares, os serviços de inteligência e as elites políticas. Isto, por sua vez, contribuiu decisivamente para uma crescente atmosfera de descontentamento entre os militares portugueses com as campanhas em África.
O quê, por seu turno, levou a vitória do golpe militar em Abril de 1974, ao rápido cessar-fogo e a um acordo final em Setembro de 1974 que garantiu a independência para Moçambique sobre o controlo da Frelimo com a repatriação da maioria dos colonos portugueses em Junho de 1975”. Esta é uma das conclusões de Bruno C. Reis e Pedro A. Oliveira no artigo Cutting Heads or Winning Hearts: Late Colonial Portuguese Counterinsurgency and the Wiriyamu Massacre of 1972*, publicado na revista Civil Wars em Março.
Em 16 de Dezembro completam-se 40 anos do assassínio de cerca de 400 pessoas na província de Tete. O massacre atingiu as povoações de Chawola, Juwau e Wiriyamu, que ficam a cerca de 25 quilómetros da cidade de Tete. Mulheres, crianças e idosos foram as principais vítimas dos militares portugueses. A região foi bombardeada antes de ser assaltada por comandos pára-quedistas que pilharam, violaram, incendiaram, torturaram e mataram a população.
Em 16 de Dezembro completam-se 40 anos do assassínio de cerca de 400 pessoas na província de Tete. O massacre atingiu as povoações de Chawola, Juwau e Wiriyamu, que ficam a cerca de 25 quilómetros da cidade de Tete. Mulheres, crianças e idosos foram as principais vítimas dos militares portugueses. A região foi bombardeada antes de ser assaltada por comandos pára-quedistas que pilharam, violaram, incendiaram, torturaram e mataram a população.
Esclarecer o que se passou e as suas implicações foi o objectivo de Reis e Oliveira a partir dos relatórios dos missionários que denunciaram o massacre nos media, de documentos portugueses, de relatórios da Frelimo e da literatura histórica. A relevância e actualidade do artigo académico justificam-se na medida em que localização exacta e a extensão das atrocidades continuam em dúvida, inclusive porque as autoridades portuguesas não autorizam uma investigação independente.
A ESCALADA DA VIOLÊNCIA
Até 1966 o principal cenário da guerra de libertação foi a província de Cabo Delgado, na qual a Frelimo controlava aproximadamente 120 mil macondes. Na liderança portuguesa estava o General Carrasco, que acreditava serem os conflitos incidentes “tribais” que seriam resolvidos com “caixas de fósforos”. Ou seja: incendiando vilas, forçando a população ao reassentamento e a escolher o seu lado na guerra. O General Augusto dos Santos, entre 1966 e 1969 modificou a abordagem militar portuguesa e definiu uma estratégia de baixa intensidade, centrada na população e na guerra psicológica. O chefe do exército, General Costa Gomes, preferiu a táctica de atrair os chefes macuas, inimigos dos macondes, para atingir a “espinha dorsal” da Frelimo. Assim, a guerra parecia estar contida e restrita ao Norte do país.
No comando a partir de 1969, Kaúlza de Arriaga optou pela escalada da guerra com o uso intensivo das operações aéreas e de ataques por tropas especiais. Foi neste contexto que aconteceu a Operação Nó Górdio em 1970, a maior acção militar nas guerras coloniais com o envolvimento de oito mil homens. Fragilizados no Norte, “a decisão estratégica dos guerrilheiros da Frelimo tinha sido retirar-se e focar suas actividades no Centro de Moçambique”, analisam os historiadores. A facilidade de infiltração em Tete a partir das fronteiras internacionais e a concentração das tropas portuguesas no Norte foram vantagens aproveitadas pela Frelimo para organizar pela primeira vez ataques contra os colonos portugueses na região.
A população de Tete resistia aos reassentamentos promovidos pelos militares e às acções de resistência da Frelimo cresciam na região entre 1971-72. O General Arriaga e o Ministro da Defesa, Cunha e Silva, visitaram a zona no princípio de Dezembro de 1972 e na ocasião “pressionaram oficiais locais a agir, a tomar a ofensiva, a atacar os insurgentes e a ter resultados rápidos”, observam Reis e Oliveira. No dia 14 de Dezembro aviões civis tinham sobrevoado e disparado sobre a zona de Wiriyamu. A Direcção-Geral de Segurança (DGS) enviou no mesmo dia uma equipa ao campo para obter informações, o que se revelou inútil e levantou a suspeita entre os portugueses de que a população apoiava a Frelimo. No dia seguinte, na véspera do massacre, seis homens portugueses foram mortos numa emboscada dos guerrilheiros enquanto batiam a zona.
RETALIAÇÃO PORTUGUESA
A “Operação Marosca parece ter sido ordenada como retaliação das operações conduzidas pela Frelimo na área”, assinalam os investigadores. Os sobreviventes do massacre recorreram ao Hospital de São Pedro, onde relataram as atrocidades aos missionários espanhóis José Sangalo e Vicente Berenguer. A Cruz Vermelha e o Bispo de Tete visitaram o local 20 dias depois do ataque e encontraram corpos sem sepultura, o que confirmava o relatório dos missionários. Embora a Conferência Episcopal tenha requerido uma investigação ao governador Pimentel dos Santos, esta nunca se concretizou. Em Junho de 1973 a denúncia dos missionários foi enviada à Aministia Internacional em Londres. Contudo, o massacre apenas tornou-se público quando apareceu na capa do jornal britânico The Times, em 10 de Julho de 1973, sete meses depois dos assassínios.
Marcelo Caetano, o sucessor de Salazar, era esperado em Londres uma semana depois da manchete no âmbito das comemorações dos 600 anos de aliança entre Portugal e o Reino Unido. Os portugueses negaram o ataque, inclusive com o argumento que Wiriyamu não existia por não aparecer nos mapas. Entretanto, o governo britânico passou a monitorar a situação e a pressão internacional sobre Portugal cresceu, “poucos tinham dúvida de algo muito sério tinha se passado em Tete”, observam os historiadores. As dúvidas dissiparam-se quando o Ministro da Defesa reconheceu em comunicado oficial que “alguns elementos das forças armadas tinham se separado, ignorado as ordens e cometido actos repreensíveis”.
Um inquérito, a pedido de Marcelo Caetano, foi conduzido pelo colono Jorge Jardim em Agosto e concluía que as tropas portuguesas tinham cometido “excessos”. Portugal reconheceu publicamente o “erro” militar, justificado pela necessidade de “aliviar a pressão insurgente sobre a cidade de Tete” e porque a “população estava inteiramente subvertida e ao lado da guerrilha”, o que tornou “impossível” distinguir entre guerrilheiros e populares. O chefe militar do distrito foi demitido, contudo, não foram requeridas punições individuais aos militares envolvidos.
O sucesso da provocação da Frelimo é a primeira conclusão de Reis e Oliveira sobre o massacre de Wiriyamu, dadas as suas consequências para as guerras de libertação na África de língua portuguesa e as suas independências. Ponderam ainda, na óptica dos conflitos contemporâneos, que “isto é, portanto, uma ilustração paradigmática do impacto desproporcional que a guerrilha pode alcançar na internacionalização dos conflitos inter-estados na era pós-colonial”.
ATROCIDADES EM WIRIYAMU
Definir alvos e dividir e reinar entre a população foi uma estratégia adoptada pelos portugueses e pela Frelimo na análise dos autores. Se os macondes lutavam pela libertação e os macuas apoiavam os portugueses, quando as forças da Frelimo mudaram o teatro de operações para o Centro do país a população já não pode manter-se afastada do conflito e foi obrigada a posicionar-se. “Uma das faces das dinâmicas das guerras civis – relevante para Wiriyamu – foi a estratégia insurgente de ter como alvos os chefes locais que eram vistos como pró-portugueses. A necessidade de reagir a esta tendência em Tete foi outra das justificações para o ataque que levou ao massacre de Wiriyamu”, apontam Reis e Oliveira.
Um memorandum para o General Arriaga esclarecia que a Operação Marosca era baseada nos serviços de inteligência, que apontavam uma base na região entre ‘Fumu Williamo’ e a ‘Cantina Raul’ com 300 guerrilheiros chefiados pelo líder Raimundo. Assinalava ainda que estes viviam entre os moradores e contavam com a sua protecção, suporte, informação e silêncio. O oficial português António Melo, que retornou a Moçambique anos depois, reconheceu à repórter Felícia Cabrita a sua culpa nas atrocidades, “eu não sei quando irei encontrar repouso”.
Os historiadores concluem que houve um assassínio em massa que envolveu tortura e extrema crueldade em três localidades: Wiriyamu, Juwau e Chawola. Entre os relatos dos sobreviventes, o caso de uma mulher grávida que foi estripada pelos militares para estes verificarem o sexo da criança que nunca iria conhecer a vida. Os académicos avaliam também que o massacre não se caracterizou como um genocídio por não se tratar de um crime massivo e sistemático e por estarem entre as vítimas pessoas de diversas etnias. “O preço de se evitar assassínios em massa em larga-escala foi frequentemente forçando os reassentamentos, assim como o uso abusivo de milícias locais, de um aparato de inteligência e principalemente de restrições à liberdade da população local. Pode ter acontecido uma patologia específica na centralização da população na qual a atrocidade de Wiriyamu poderia ser paradigmático exemplo: a definição como alvo das populações locais que se recusaram a tomar o lado dos contra-insurgentes”.
* Bruno C. Reis é investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Pedro A. Oliveira é pesquisador no Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O artigo Cutting Heads or Winning Hearts: Late Colonial Portuguese Counterinsurgency and the Wiriyamu Massacre of 1972*, foi publicado na revista Civil Wars em Março de 2012.
1 comentário:
quem mandou a tropa até ás aldeias foi o pai do Armindo, que ainda vive em Tete. por vingança pessoal. deixem-se de psicologias baratas, perguntem aos que ainda sobrevivem por cá.
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