Rosa Ramos – ionline
O governo voltou a falar esta semana na “sobreposição de funções” nas polícias. Passos Coelho quer “clarificar o sistema policial”, mas não explica como nem quando. Seja qual for o caminho escolhido, nunca será um processo pacífico: até dentro das mesmas forças de segurança há visões diferentes do assunto
Na campanha eleitoral chegou a ser avançado que o PSD queria criar uma polícia nacional, mas no programa do governo essa intenção não seria esclarecida. O documento referia apenas a necessidade de acabar com a “duplicação” de tarefas nas polícias, prevendo-se a criação de um sistema dual – assente numa vertente civil e numa vertente militarizada. Ou seja, a PSP, Polícia Judiciária (PJ) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) poderiam fundir-se, deixando a GNR de fora. Meses depois a polémica regressou, com a ministra da Justiça a garantir publicamente que a PJ manteria a “autonomia institucional”. Paula Teixeira da Cruz foi mais longe e assegurou que nunca esteve sequer nos propósitos do governo e do PSD uma unificação das polícias.
O i sabe que no último ano já estiveram em cima da mesa, para discussão, várias propostas de alteração ao actual sistema e algumas associações das polícias foram até chamadas a pronunciar--se. O tema voltou à discussão esta semana, depois de o primeiro-ministro ter afirmado na escola da GNR, em Queluz, que é preciso “clarificar o sistema policial” português. Passos garantiu que o governo está apostado em acabar com “alguns casos de sobreposição de funções”, apesar de não explicar como nem quando. Mas seja qual for o caminho escolhido, uma eventual fusão – ou mudança no sistema – nunca será consensual entre as polícias ou mesmo dentro de cada uma.
Na PSP há quem seja contra e a favor: Paulo Rodrigues, líder da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), acredita que não é de maneira nenhuma a altura “indicada” para fazer uma fusão. “Trata-se de uma reforma muito profunda e que custará muito dinheiro, numa altura particularmente difícil para o país do ponto de vista económico”, justifica. Além disso, uma eventual mudança de paradigma será sempre geradora de “instabilidade e contestação”, acrescenta o sindicalista.
Já o Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL), também da PSP, não tem dúvidas e garante que a unificação só traria vantagens. “Os inconvenientes existem unicamente para os grandes oficiais, que teriam de se digladiar nas hierarquias”, considera Armando Ferreira, que exemplifica com o caso da Bélgica, que, em 1999, deixou de ter duas polícias e passou a ter só uma, de cariz civil. “Ganhou--se tanto em termos financeiros que logo no primeiro mês a seguir à reformulação foi possível aumentar o vencimento de todos os polícias 800 euros”, diz. O sindicalista acrescenta que quem terá mais a perder num processo desta natureza serão as polícias mais pequenas. “Porque acabarão por ser sujeitas a uma aculturação por parte das grandes”, explica. Para o SINAPOL, o processo de mudança deverá começar com uma unificação das forças militares. “Desde logo, a GNR teria de se fundir com a Polícia Marítima”, considera o sindicato. Depois formar-se-ia uma força civil única, que congregasse PSP, SEF e PJ. “Para um país tão pequeno não faz sentido existirem tantas polícias e no terreno há uma duplicação de meios constante”, defende Armando Ferreira. “Esta fusão traria uma poupança entre 33% e 50%”, acrescenta.
O Sindicato Unificado da Polícia (SUP) também concorda que há duplicação de meios, o que causa dificuldades no terreno. “Na prática, o que acaba por acontecer muitas vezes é que GNR, PSP e PJ andam a investigar as mesmas coisas e não há partilha de informações, porque cada polícia está interessada em obter os melhores resultados”, garante Peixoto Rodrigues. O SUP diz mesmo que a existência do SEF, por exemplo, não faz qualquer sentido. “O que tem acontecido é que quando pedimos ao SEF informações sobre se um cidadão está ilegal no país o processo é extremamente demorado. Seria mais fácil se houvesse uma estrutura única, e a PSP também tem experiência no controlo de fronteiras”, argumenta Peixoto Rodrigues.
Já a associação sindical da PJ é completamente contra a ideia de qualquer fusão. “Primeiro porque a investigação criminal deve estar sob a alçada do Ministério da Justiça, para que haja garantia de independência”, explica o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC). Carlos Garcia acrescenta que a PJ tem pouco mais de mil investigadores. “Todo o nosso know-how acabaria por se perder, além de que não temos vocação para o trabalho policial”, argumenta.
Na GNR, José Alho, presidente da Associação Socio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG), é totalmente favorável à unificação e refere também a dimensão do país: “Tem sido um tema tabu na sociedade portuguesa, mas num país tão pequeno não faz sentido existirem serviços em que há claramente uma duplicação de meios.”
Contudo, a Associação Nacional de Oficiais da Guarda (ANOG), também da GNR, tem uma posição mais moderada e o presidente, José Dias, garante que o país “não pode andar a fazer reorganizações profundas dos sistemas a toda a hora” e que qualquer mudança teria de estar assente em “estudos aprofundados”.
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