Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Um grupo de empresários portugueses reuniu-se hoje com o primeiro-ministro de transição da Guiné-Bissau para lhe dizer que discorda "de muitas atitudes que o Governo português está a tomar" e recebeu promessas de apoio.
Ainda há por esse mundo portugueses que dizem o que pensam, que pensam sem fugir, ao contrário do seu governo que foge sem pensar, que é está sempre de peito cheio com os fracos e de cócoras perante os (mais) fortes.
O grupo foi constituído por oito empresários que vivem e trabalham na Guiné-Bissau, mas a posição foi subscrita por cerca de 40, revelou o porta-voz do grupo, José António Veloso, empresário da área da construção civil, na Guiné-Bissau há 21 anos e casado com uma guineense.
"Nestas situações de conflitos, as tomadas de decisão têm de ser bem analisadas e contextualizadas. A nós, que estamos cá há muitos anos, não nos foi perguntado nada, não tiveram o cuidado de nos perguntar o que achávamos daqui", disse o empresário, que criticou também a forma como foi comunicado o envio de barcos da marinha portuguesa nos dias a seguir ao golpe, o que "criou problemas" no país.
A posição destes portugueses, apesar de digna, revela um franco desconhecimento do que se passa no reino lusitano. Se em Portugal os donos do país não perguntam nada aos seus cidadãos, assumindo-se como donos da verdade, porque carga de chuva haveriam de perguntar aos portugueses que labutam na Guiné-Bissau?
Dando mais um relevante exemplo de perspicácia, mesmo que eventualmente sustentado por informações dos seus serviços (pouco) secretos, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Portas, disse que a questão do narcotráfico também foi a chave do golpe de Estado de 12 de Abril na Guiné-Bissau.
Esta brilhante tese de Paulo Portas deveria, aliás, ser suficiente para figurar no anedotário lusófono. Quase desde que se tornou independente que todo o mundo (talvez com a excepção de Portugal) sabe que o narcotráfico é uma forma de vida de muitos militares e políticos guineenses.
Paulo Portas afirmou que “todas as informações” de que Portugal dispõe relacionam o golpe de Estado de 12 de Abril na Guiné-Bissau com o narcotráfico e que este assunto em concreto tem de ser analisado pelas Nações Unidas, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, União Europeia e União Africana.
Creio que as informações que Paulo Portas recebeu quentinhas são, afinal, requentadas e não passam de uma cópia fiel do que se tem passado desde que, por exemplo, Nino Vieira chegou ao poder, também através de um golpe de Estado. Os relatórios são sempre os mesmos, apenas mudando a data e o nome dos protagonistas. Mas isso, dentro da filosofia portuguesa de que há criminosos bons e criminosos maus, pouco interessa.
É pena que ninguém tenha dito a Paulo Portas que, já no dia 24 de Junho de 2009, um relatório do director executivo do Escritório das Nações Unidas sobre a Droga e o Crime (UNODC), António Maria Costa, dizia com todas as letras que o narcotráfico era uma das causas da violência e da instabilidade políticas na Guiné-Bissau.
Já antes, em 19 de Dezembro de 2007, António Maria Costa afirmava, em Lisboa, que “a Guiné-Bissau estava à beira do colapso, com o Estado incapaz de assegurar a soberania do território face ao narcotráfico e ao crime organizado”.
Apesar de tudo, há coisas em que Paulo Portas tem razão. Ou seja, tal como o poder político, entre outros, em Portugal é permeável também à corrupção, o poder militar na Guiné-Bissau “é permeável ao narcotráfico”.
O grau de permeabilidade depende, obviamente, de se saber se os golpistas são ou não amigos do governo português. No tempo de Nino Vieira a situação era a mesma mas o então presidente era, digamos, visita de casa dos donos de Portugal. Por isso tinha carta branca para negociar a branquinha. Os de agora não agradam a Lisboa e, por isso, são os maus da fita.
“Eu não tenho nenhuma dúvida. Todas as informações de que Portugal dispõe apontam para que, claramente, na origem deste golpe de Estado também está o narcotráfico e, ou a Guiné-Bissau tem condições para ser um Estado de Direito, ou a Guiné-Bissau fica sequestrada a um certo poder militar que é permeável ao narcotráfico”,disse Paulo Portas.
O chefe da diplomacia portuguesa falou com os jornalistas durante uma conferência de imprensa em que participou também o primeiro-ministro guineense deposto, Carlos Gomes Júnior, após uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“As Nações Unidas sempre se preocuparam que a Guiné não servisse como interposto de droga”, disse Carlos Gomes Júnior que recordou que a ONU e a Interpol têm escritórios em Bissau para a investigação e combate ao tráfico de droga.
Pois é. Mas será que nenhum dos frequentadores dos areópagos da política do reino lusitano se lembra que Nino Vieira esteve metido até ao pescoço em crimes de sangue e de corrupção mais do que activa? Que Nino Vieira usou todo o género de truques, de golpes, para se perpetuar no poder, afastando política ou fisicamente quem lhe fez sombra, seja ele Kumba Ialá ou Carlos Gomes Júnior, líder do PAIGC que em tempos disse que Nino teria sido o mentor do assassinato do Comodoro Lamine Sanha?
Mas há mais. Recorde-se que o presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), principal força política da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, afirmou no dia 25 de Outubro de 2008 que "há dinheiro do narcotráfico na campanha eleitoral" para as legislativas de 16 de Novembro”.
"Só não vê quem não quer. Há dinheiro do narcotráfico nesta campanha eleitoral", acusou Carlos Gomes Júnior, no seu discurso de abertura da campanha do PAIGC em Bissau, dizendo que "nós não somos tolos, sabemos que há dinheiro da droga na campanha eleitoral. Se formos governo, vamos acabar com o banditismo e o crime organizado neste país, podem ter a certeza disso".
Carlos Gomes Júnior dizia nesse dia que se fosse eleito primeiro-ministro no dia 16 de Novembro, com foi, iria promover uma ampla reforma no país, dotando as forças de defesa e segurança de meios para combater "todos os crimes" na Guiné-Bissau.
Viu-se.
Como aqui escrevi (onde mais poderia ser?) no passado dia 15 de Maio, os guineenses, golpistas ou não, são boas pessoas e não fariam mal aos portugueses. Só os que pretendem ser parcialmente imparciais podem duvidar disso. Mas fica sempre bem ser forte com os fracos. A bem da nação… deles.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: UM MILHÃO DE CASAS PARA O POVO!
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