terça-feira, 26 de junho de 2012

UM LONGO COMPASSO DE ESPERA – I




Martinho Júnior, Luanda

1 – A situação que a Terra está a enfrentar praticamente desde os alvores do capitalismo e da Revolução Industrial, é de uma constante alteração dos parâmetros ambientais e humanos, correndo-se riscos acrescidos da vida, tal qual a conhecemos, deixar de existir, podendo (ou não) dar lugar a transformações das espécies conhecidas e ao surgimento de outras espécies, com estas últimas a eclodir a partir das transformações que cada vez mais se vão evidenciando na natureza do planeta!

Essas mudanças provocadas sobretudo pela acção do homem, de forma insuficientemente conhecida e controlada, não se devem a questões de ordem técnica ou tecnológica em si, antes é sem dúvida resultado, em relação às suas causas, da forma nefasta como as coisas que se inter relacionam com os fenómenos da vida se têm colocado em função da lógica capitalista em vigor.

A lógica capitalista privilegia a economia e as finanças, ao invés de dar prioridade ao homem e ao conhecimento sobre ele e sobre a natureza, de modo a, através desse processo contraproducente, submeter aos parâmetros económicos e financeiros as razões de ordem filosófica, ideológica, sócio-política e ambiental.

A lógica capitalista por razões inerentes à sua própria essência, está assim a esgotar por via do lucro, da especulação e do consumismo, os recursos não renováveis disponíveis, mesmo que uma parte deles possam ser mais ou menos “reciclados”.

Como o homem e a natureza não têm sido a prioridade de todas as atenções, ficaram os processos de inteligência reféns de quem promove os desequilíbrios, as desigualdades e, duma forma geral, as injustiças, as precariedades, as guerras e a morte, por razões que se prendem com a própria lógica do capitalismo em curso!

Enquanto se mantiverem na Terra os postulados dessa lógica capitalista que se vai cada vez mais exacerbando, será muito difícil num quadro como esse encontrar soluções que influam nas causas da actual tendência, pelo que se poderão activar de 20 em 20 anos muitas mais Conferências da ONU no Rio de Janeiro que elas, muito embora os fóruns cada vez mais alargados de discussão, nada trarão de decisivo para benefício da vida tal qual a conhecemos na nossa “casa comum”!

Vem isto a propósito dos “resultados” obtidos na Conferência da ONU Rio+20, que há pouco terminou no Brasil, se os comprarmos aos resultados da mesma Conferência há 20 anos atrás, em 1992.

Os avanços são irrisórios ou mesmo nulos, longe das necessidades para com o cuidado que merecem a Terra e a humanidade, por que são as poderosas multinacionais e as nações que compõem o império, que defendem de forma egoísta e arrogante, viciadas no lucro, na especulação e nas razões consumistas, a continuidade da via que tantos “benefícios lhes tem conferido e que tantos riscos têm vindo a acarretar.

É utópico alguma vez pensar que são aqueles que existem na razão causal dos problemas que alguma vez poderão evitá-lo, ou solucioná-lo, sem alteração profunda da sua própria essência e substância.

Na Conferência dos Povos que ocorreu em paralelo à Conferência da ONU Rio+20 sobre os mesmos temas, é já bastante alargada a noção desses riscos, aproximando-se as abordagens cada vez mais das prementes necessidades que se levantam em relação ao sentido de vida, uma prova para o homem, por tabela, para as outras espécies e para a nossa “casa comum”.

2 – A Revolução Cubana assume pois, em relação aos problemas globais, uma posição de vanguarda inclusive no que toca aos temas abordados na Conferência de Povos: conferindo prioridade ao homem e ao ambiente de há mais de 50 anos a esta parte, ela tem promovido os ensaios que se identificam com o sentido da vida nas suas próprias linhas práticas de natureza eminentemente ambiental e sócio-política.

O incentivo que a Revolução Cubana tem dado à educação e à saúde está a desembocar na elevação do conhecimento científico e tecnológico que desemboca por seu turno em linhas de acção que não estão presas às amarras impostas pela lógica capitalista e se tornam um exemplo a seguir pela consciência de muitos outros povos, particularmente aqueles sujeitos ao subdesenvolvimento crónico que resulta da opressão estimulada durante séculos.

Desses povos, essa consciência é elevada cada vez mais à formação das nações e ao poder dos próprios estados, sobretudo na América Latina e com a iniciativa da ALBA, agrupamento progressista que se tornou receptivo às Conferências dos Povos, onde o debate, fugindo à lógica capitalista, é muito mais criativo e profícuo que nas Conferências da ONU, onde se reflectem o poder sincronizado das poderosas multinacionais e do império.

3 – É pois relevante lembrar o teor dos discursos dos seus líderes, a começar pelos líderes da Revolução Cubana, que sabem sintetizar os temas em suas pertinentes abordagens, até para avaliar se há avanços reais nas questões vitais que se nos colocam como um desafio de dimensão universal e intemporal.

Incentivando as discussões os dirigentes da ALBA, inspirados na Revolução Cubana, sabem que são apenas uma centelha que conduzirá não ao esgotamento dessas discussões, mas a um renascimento contínuo das descobertas inseparáveis da consciência crítica construtiva que compõem a essência do sentido de vida!...


“Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida, progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem. Agora estamos cientes deste problema, quando quase é tarde para impedi-lo.

É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, pela sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20% da população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três quartas partes da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios, contaminaram o ar, enfraqueceram e perfuraram a camada de ozónio, saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.

As florestas desaparecem, os desertos estendem-se, bilhões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver à custa da natureza. É impossível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colónias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem económica mundial injusta.

A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que todo o que contribua actualmente para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem todos os anos no Terceiro Mundo a consequência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o proteccionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.

Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento nuns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente. Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem económica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvolvimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.

Quando as supostas ameaças do comunismo têm desaparecido e já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos
militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?

Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que devimos ter feito há muito tempo”.

3 – Neste momento, 20 anos depois dessa intervenção de Fidel, perguntemo-nos se têm havido avanços na gestão da nossa “casa comum” que reflictam a premente preocupação de salvar a “arca de Noé”, parafraseando Miguel d’Escoto, onde fluem os ambientes e as espécies das quais a humanidade faz parte.

Julgo que só pode haver uma resposta: está-se num longo compasso de espera por que quem detém o poder dominante não abdica por si próprio da lógica capitalista em relação à qual está indexado, enquanto os riscos estão inexoravelmente a aumentar!

Aqueles que se grudam à lógica capitalista, conscientemente ou não influem na proliferação desses riscos de forma não suficientemente conhecida, nem muito menos de forma suficientemente “controlada”.

20 anos depois, o alerta de Fidel, um dos poucos dirigentes que abordou o tema de forma tão esclarecida e desassombrada em tempo oportuno, o longo compasso de espera é um mau sintoma par o planeta e para toda a humanidade!

Foto: Imagem da Terra recolhida a partir dum satélite russo.

Consultas:
- Confira os documentos produzidos nas plenárias da Cúpula dos Povos – http://cupuladospovos.org.br/2012/06/confira-os-documentos-produzidos-nas-plenarias-da-cupula/
- Declaração final da cúpula dos povos na Rio+20 – http://cupuladospovos.org.br/2012/06/declaracao-final-da-cupula-dos-povos-na-rio20-2/
- “Construamos uma Arca de Noé que nos salve a todos” – http://pagina--um.blogspot.com/2010/08/construamos-uma-arca-de-noe.html

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