quarta-feira, 4 de julho de 2012

GUINÉ-BISSAU NÃO ESTÁ LIVRE DE UM NOVO GOLPE




Decorrido um mês sobre a tomada de posse do governo de transição da Guiné-Bissau, o retrato é tudo menos positivo. Por detrás do aparente regresso à normalidade quotidiana escondem-se enormes tensões sociais.

A faceta mais visível do isolamento internacional é o corte nos programas financeiros de ajuda internacional, da União Europeia ao PNUD, cortes que agravam a situação vivida no país. Para o politólogo português Paulo Gorjão, do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança (IPRIS), a Guiné-Bissau está sentada sobre um barril de pólvora.

DW África: Qual a situação atual do governo interino na Guiné-Bissau?

Paulo Gorjão: Eu penso que o governo tem basicamente neste último mês procurado responder a duas questões que tocam de alguma maneira na sua legitimidade. Por um lado, tem procurado criar alguma normalidade a nível interno – embora os cidadãos guineenses sejam perfeitamente conscientes de como esse governo emergiu – mas em todo caso o governo tem procurado incutir algum senso de normalidade na gestão pública do Estado.

E por outro lado, tem procurado resolver um problema de difícil resolução que tem que ver com a sua falta de legitimidade internacional, com o seu não reconhecimento, sobretudo pela CPLP. E aí o balanço é perfeitamente negativo. Este governo não tem conseguido, nem de perto nem de longe até agora, apresentar argumentos que levem a CPLP a mudar de posição. Salvo alguma alteração de conjuntura, o que não é previsível neste momento e não parece que venha a acontecer tão depressa.

Sabemos nós que grande parte do financiamento da Guiné-Bissau para o Orçamento Geral do Estado é suportado na base da cooperação por Estados terceiros, e em grande medida através da CPLP, nomeadamente estou a pensar em Portugal, junto à União Europeia, eu não vejo que esse dinheiro tenha sua tarefa facilitada.

DW África: Uma das consequências mais negativas do isolamento externo da Guiné-Bissau é o cancelamento de quase todos os programas de ajuda financeira externos, o que vem a agravar as tensões internas que já existiam e têm vindo a agravar não só no seio da população civil, mas também entre os próprios militares. Poderíamos ter um novo golpe ou uma nova reviravolta na Guiné-Bissau?

PG: Eu penso que sim. Penso que a situação pode ser de aparente normalidade à superfície, mas no fundo é mais instável do que o governo e a liderança militar querem fazer crer. Eu julgo que qualquer pessoa minimamente informada, no governo e nas forças armadas, tem perfeita consciência de que as principais linhas de financiamento neste momento estão bloqueadas e não vão deixar de estar bloqueadas nos próximos tempos. Portanto, a sustentabilidade deste governo é terrivelmente difícil do ponto de vista financeiro.

A CEDEAO tem dado alguns sinais de que ajudará o governo. Mas a história recente mostra-nos que a CEDEAO não será nunca um sustentáculo financeiro da Guiné-Bissau. Não foi no passado, apesar de promessas de ajuda financeira no passado que acabaram por não ser honradas, e não será seguramente no futuro, por todas as razões e mais algumas, nomeadamente porque, do ponto de vista da África Ocidental, a situação na Guiné-Bissau não é central na atual conjuntura. A CEDEAO está muito mais preocupada e centrada no que estar a acontecer neste momento no Mali, e a gestão da situação na Guiné-Bissau será sempre uma questão relativamente periférica na escala das prioridades da CEDEAO. Portanto, do ponto de vista desse governo interino não legítimo, eu acho que temos um problema muito grave de sustentabilidade.

DW África: Aproxima-se a cimeira da CPLP, e a Guiné-Bissau quer ser representada por dois governos: um governo legitimamente eleito e um governo resultante de um golpe de Estado. Maputo está com severas dificuldades em lidar com essa situação. Esta cimeira vai se realizar, na sua perspectiva?

PG: Eu não vejo razão nenhuma para que a cimeira não se realize tal como prevista, na data definida. O que nós de fato aqui temos é um problema sério de como vamos articular a representação da Guiné-Bissau. Sem que haja grandes exercícios de imaginação, eu penso que a CPLP não tem aqui muitas opções, à luz das posições que foram tomadas. A CPLP reconhece apenas o governo que foi deposto pelo golpe, portanto, salvo alguma engenharia política, será o governo deposto que representará a Guiné-Bissau. Quanto muito o governo atualmente em funções será convidado com outro estatuto qualquer, como de observador, por exemplo, mas Carlos Gomes Júnior, para todos os efeitos, à luz das posições tomadas pela CPLP, é o primeiro-ministro da Guiné Bissau, portanto não há aqui muitas opções.

Entrevista: Helena Ferro de Gouveia - Edição: Francis França/António Rocha

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