Martinho Júnior, Luanda
1 – Ao mesmo tempo que o Brasil e a Venezuela, dois emergentes produtores de petróleo abertos a filosofias progressistas, vão reorganizando e modernizando as suas Marinhas de Guerra, absorvendo e integrando cada vez mais capacidades tecnológicas no âmbito de cultura naval e implementando medidas geo estratégicas de economia de recursos tendo como um dos pilares a vigilância e controlo de vastos ambientes fluviais, de florestas e dos mares circunvizinhos, Portugal tem vindo a perder suas capacidades e a hipotecar a sua vocação histórica marítima, perdendo até a noção do seu espaço, considerando a vastidão de sua Zona Económica Exclusiva…
É caso para perguntar se efectivamente Portugal ainda existe…
Esse é um dos resultados considerados negativos do percurso seguido a partir da entrada na União Europeia: por um lado Portugal reduziu a sua indústria de construção naval aos estaleiros de Viana do Castelo, perdendo as capacidades instaladas com a LISNAVE (http://pt.wikipedia.org/wiki/Lisnave; http://www.lisnave.pt/) e a SETNAVE (“O caso da LISNAVE” – http://www.esquerda.net/dossier/o-caso-da-lisnave), por outro lado a ditadura financeira a que o país se vai submetendo, coloca-o numa posição de periferia neo colonial, inclusive sob o ponto de vista militar, a que já nem a presença (periférica) na NATO pode disfarçar.
O resultado é assistir-se a Portugal, enquanto neo colónia da União Europeia, ficar militarmente cada vez mais preso à NATO, conforme o exemplo nos Balcãs e no Afeganistão, ou embarcado no “combate à pirataria” na Somália, quando tem sido tão obsoleta e insignificante a sua presença na sua própria Zona Económica Exclusiva!
No momento em que esse processo começa a ser relativamente contrariado com a construção dos Navios de Patrulha Oceânica (NPO) da classe Viana do Castelo, assiste-se a mais uma machadada nas suas pretensões marítimas: a privatização dos ENVC, estaleiros de Viana do Castelo, de forma a garantir com a abertura a capitais brasileiros, a sobrevivência do que resta das capacidades de construção naval! (Brasileiros devem privatizar estaleiro militar de Viana” – http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2546397).
2 – Os conceitos da NATO aplicados à Marinha de Guerra Portuguesa, implicam a atrofia desse instrumento de poder de estado: os NPO só se tornam efectivamente operativos, integrados num plano de utilização de outros meios aéreos e navais mais poderosos e decisivos, todos eles construídos em outras paragens e alguns só existentes na MGP por que existe a NATO.
Se a MGP só é possível em função da NATO, seriam os NPO operacionalmente possíveis no quadro da MGP, sem as fragatas e submarinos construídos na Alemanha e na Holanda (que efectivamente respondem às exigências tecnológicas da NATO) e sem os meios aéreos de reconhecimento, vigilância e intervenção, construídos nos Estados Unidos e em outros países europeus?
O que é mais grave ainda, é Portugal esperar fazer sobreviver o que resta da sua indústria naval, abrindo as iniciativas a capitais privados, neste caso brasileiros, na expectativa que sejam os emergentes lusófonos a insuflar o sopro de vida em relação ao que hipotecou no quadro do neo colonialismo que a União Europeia aplica à sua própria periferia sul e sudoeste: não será isso mais um presente envenenado duma globalização tão distorcida como a que está em curso?!
Os ENVC e os estaleiros da LISNAVE já haviam construído 3 fragatas Dealey (as da “classe Almirante Correia da Silva” – http://pt.wikipedia.org/wiki/Classe_Almirante_Pereira_da_Silva; http://www.areamilitar.net/DIRECTORIO/nav.aspx?nn=8), mas desde essa época, 1966 / 1970, só agora, mais de trinta anos depois, estaleiros portugueses voltam a construir navios de carácter próximo ao militar, o que significa que há um rompimento que conduziu à perda duma cultura de construção naval militar com possibilidades de acompanhar as evoluções que vêm sendo introduzidas desde então.
Para todos os efeitos, Portugal parece assumir que essa cultura só é possível ter continuidade com o socorro dos emergentes e fora do âmbito da Europa!
Para dourar ainda mais a pílula, é através dos seus relacionamentos militares bilaterais e multilaterais com os parceiros no âmbito da CPLP, que Portugal ao serviço da NATO transmite os conceitos de conveniência dessa Organização militar que deveria ter sido extinta como a do Pacto de Varsóvia, quando os emergentes, entre eles Angola, precisam sobretudo planificar suas geo estratégias integradas com base na economia de recursos, a fim de garantir desenvolvimento sustentável ao longo do século XXI e para além dele.
3 – A cooperação militar portuguesa em Angola enferma desses indicativos e inclusive a experiência operacional que os portugueses desenvolveram nos rios africanos durante a guerra colonial em três frentes (sobretudo na Guiné Bissau), estando obsoleta em muitos dos seus aspectos, não tem hoje aplicabilidade táctica, muito menos geo estratégica, uma vez que Portugal possui praticamente uma Brigada de Fuzileiros Navais que corresponde agora por inteiro aos padrões da NATO e não está rodada nas situações típicas de, por exemplo, teatros operacionais com ambientes tropicais húmidos e com grande cobertura florestal (ao contrário do que acontece com outros parceiros como a França e a Grã Bretanha). (http://fuzileiros.marinha.pt/PT/unidades/basefuzileiros/Pages/BasedeFuzileiros.aspx).
Do passado, no que diz respeito a Angola, não há herança alguma quanto a planificação geo estratégica com economia dos recursos, particularmente em função da questão vital da água interior e dos ambientes que nessa base é tão urgente preservar.
No mar aplicam as doutrinas adquiridas com a NATO, em relação aos rios africanos pouco ou nada poderão ensinar, na indústria naval está hipotecada a cultura histórico-marítima e há sérias dúvidas até na aptidão que estão a desenvolver sobre a sua Zona Económica Exclusiva, pelo que há que perguntar: quem entre os emergentes como o Brasil e Angola está interessado em “beneficiar” das experiências de Portugal relativas ao mar, quando elas têm sido subjacentes à ditadura do capital que está a asfixiar o país e ao processo de neo colonialismo que ele está a ser sujeito?
4 – Das naves adquiridas pelo Brasil, pela Venezuela e por Portugal, no que diz respeito à categoria de Navios de Patrulha Oceânica, comparativamente verifica-se:
- Que a classe Viana de Castelo possui um grau relativamente mais elevado de robotização para várias das funções, em relação às similares brasileiras e venezuelanas (classe Viana do Castelo – http://pt.wikipedia.org/wiki/Classe_Viana_do_Castelo).
- Que em função disso e do facto do armamento ser tão escasso na classe Viana do Castelo, a tripulação prevista nela é até inferior aos previstos nos Guarda Costas Venezuelanos construídos pela Navantia em Espanha (classe Guaicamacuto – http://es.wikipedia.org/wiki/ANBV_Guaicamacuto_(GC-21)).
- Que em termos de equipamento militar a classe Amazonas do Brasil e as classes Guaiqueri (http://es.wikipedia.org/wiki/ANBV_Guaiquer%C3%AD_(PC-21)) e mesmo a dos Guarda Costas da Venezuela, possuem um armamento superior.
- Que os portugueses, em função disso, estão a preparar ofertas mais adequadas, não só para a MGP, mas também para as Marinhas de Guerra de Marrocos, Argélia, Argentina, Tunísia e Líbia (6 patrouilleurs Classe Viana do Castelo commandées au Portugal – http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1358153), havendo a previsão de financiamentos com recurso ao BES e à CGD, o que por si não deixa de ser significativo (consulte-se a série “As veias abertas de África” – I, II e III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-i.html; http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-ii.html; http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-iii.html).
Apostar num país que tem vindo a hipotecar a sua vocação marítima nos termos em que Portugal o tem feito inclusive em relação à sua Zona Económica Exclusiva, parece a pior das opções e nem mesmo a privatização com os brasileiros permite vislumbrar uma bóia de salvação em relação às questões militares, pois não há dúvida que Portugal não tem alternativas de vulto, para além das que tem vindo a apresentar no quadro da NATO.
Foto: O Navio de Patrulha Oceânica Viana do Castelo atracado ao cais da Base do Alfeite.
1 comentário:
E se em Setembro fosse diferente?
por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 24 de Julho de 2012
Crónica 29/2012
Vivemos sob a ditadura do sistema financeiro, sob a bota de um poder absoluto, anti-democrático e sem controlo. Que parte é que ainda não percebemos?
http://versaletes.blogspot.com/2012/07/e-se-em-setembro-fosse-diferente.html
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