segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Portugal: A AUTOFLAGELAÇÃO DO GOVERNO

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
No curto espaço de um mês o Governo atirou uma espécie de bomba de neutrões sobre si próprio, desbaratando por completo o já de si precário elo de confiança com os cidadãos. Em bom português: a coligação governamental passou-se, quebrou o fraco elo de confiança e a disponibilidade dos cidadãos para sacrifícios. Erros de avaliação sucessivos e falência de projeções macroeconómicas geraram o divórcio.
 
É difícil explicar como Passos Coelho e os seus ajudantes trocaram o esfacelamento dos pés com uns tirinhos de pouca pólvora por um estágio superior de destruição. Abriram-se conflitos desnecessários ou fora de tempo, como no caso do processo de concessão, privatização ou lá o que for da Radiotelevisão Portuguesa; produziram-se declarações insensatas e pouco afetuosas e o botão nuclear foi acionado através do experimentalismo tolo de transferir o dinheiro dos bolsos dos trabalhadores para os dos patrões no caso da TSU. Um desastre!
 
Tamanha balbúrdia deu no que deu. O Governo ficou refém das contradições da coligação, do presidente da República e da rua. Não capitulou (ainda) mas está lá perto....
 
Reconhecer os erros e recentrar as políticas não são defeitos; são virtudes. Os sintomas, no entanto, não apontam para a regeneração mas sim para a continuidade de um haraquiri, agora vincado por novos efeitos: o ar apardalado de Passos Coelho e da maioria dos seus ajudantes agravou-se, é marcado pela acrimónia permanente. Quando o país precisa de serenar, as feridas abertas na relação entre governantes e governados não saram. Passos Coelho e os seus ajudantes não estão sitiados, mas parecem; são vaiados quando saem à rua e a segurança em seu redor aumenta; em número mas também em nervosismo.
 
A grave situação do país dispensava tanto disparate. E agora, antes que apareça um populista perigoso, como se sai daqui?
 
O primeiro-ministro mantém a legitimidade democrática. É ela suficiente para recuperar a credibilidade política deitada pela janela fora? Uma remodelação orgânica e de equipa governamental basta? E há quem esteja disposto a ser novo "compagnon de route" de um primeiro-ministro desgastado na tentativa de inverter uma marcha trágica para o abismo?
 
As respostas serão bem menos taxativas do que a convicção de que o país não dispõe de oposição preparada para assumir responsabilidades de poder, dispensa novas eleições ou um Governo de iniciativa presidencial.
 
Num quadro destes o mais assisado é o primeiro-ministro dispor de um tempo para refletir sobre algumas más influências que o rodeiam, postura para a qual é indispensável envolvê-lo num armistício - ainda que curto - da pressão insuportável e/ou insultuosa da rua e de uma certa "intelligentzia". Assim como assim, o remedeio de tanto estrago passa sempre pelo interior do atual arco partidário responsável pela governação.
 
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