Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
No curto espaço de
um mês o Governo atirou uma espécie de bomba de neutrões sobre si próprio,
desbaratando por completo o já de si precário elo de confiança com os cidadãos.
Em bom português: a coligação governamental passou-se, quebrou o fraco elo de
confiança e a disponibilidade dos cidadãos para sacrifícios. Erros de avaliação
sucessivos e falência de projeções macroeconómicas geraram o divórcio.
É difícil explicar
como Passos Coelho e os seus ajudantes trocaram o esfacelamento dos pés com uns
tirinhos de pouca pólvora por um estágio superior de destruição. Abriram-se
conflitos desnecessários ou fora de tempo, como no caso do processo de
concessão, privatização ou lá o que for da Radiotelevisão Portuguesa;
produziram-se declarações insensatas e pouco afetuosas e o botão nuclear foi
acionado através do experimentalismo tolo de transferir o dinheiro dos bolsos
dos trabalhadores para os dos patrões no caso da TSU. Um desastre!
Tamanha balbúrdia
deu no que deu. O Governo ficou refém das contradições da coligação, do
presidente da República e da rua. Não capitulou (ainda) mas está lá perto....
Reconhecer os erros
e recentrar as políticas não são defeitos; são virtudes. Os sintomas, no
entanto, não apontam para a regeneração mas sim para a continuidade de um
haraquiri, agora vincado por novos efeitos: o ar apardalado de Passos Coelho e
da maioria dos seus ajudantes agravou-se, é marcado pela acrimónia permanente.
Quando o país precisa de serenar, as feridas abertas na relação entre governantes
e governados não saram. Passos Coelho e os seus ajudantes não estão sitiados,
mas parecem; são vaiados quando saem à rua e a segurança em seu redor aumenta;
em número mas também em nervosismo.
A grave situação do
país dispensava tanto disparate. E agora, antes que apareça um populista
perigoso, como se sai daqui?
O primeiro-ministro
mantém a legitimidade democrática. É ela suficiente para recuperar a
credibilidade política deitada pela janela fora? Uma remodelação orgânica e de
equipa governamental basta? E há quem esteja disposto a ser novo
"compagnon de route" de um primeiro-ministro desgastado na tentativa
de inverter uma marcha trágica para o abismo?
As respostas serão
bem menos taxativas do que a convicção de que o país não dispõe de oposição preparada
para assumir responsabilidades de poder, dispensa novas eleições ou um Governo
de iniciativa presidencial.
Num quadro destes o
mais assisado é o primeiro-ministro dispor de um tempo para refletir sobre
algumas más influências que o rodeiam, postura para a qual é indispensável
envolvê-lo num armistício - ainda que curto - da pressão insuportável e/ou
insultuosa da rua e de uma certa "intelligentzia". Assim como assim,
o remedeio de tanto estrago passa sempre pelo interior do atual arco partidário
responsável pela governação.
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