domingo, 2 de dezembro de 2012

Portugal: UM SINAL TRÁGICO

 


Constança Cunha e Sá – Jornal i, opinião
 
Parece que agora, seguindo as preciosas indicações do Presidente da República, vamos todos discutir até ao Verão as funções sociais do Estado. Com um pequeno pormenor: independentemente deste profícuo debate nacional, o governo já se comprometeu com a troika a apresentar em Fevereiro um conjunto “discriminado” de medidas no valor de 4 mil milhões de euros – “pelo menos”, como não se cansa, de forma algo suspeita, de repetir o primeiro-ministro. A ideia, pelo que se percebe, é acordar com os nossos credores um pacote de cortes num determinado valor e esperar depois que, pela Primavera, surjam algumas ideias giras sobre a matéria que possam substituir as medidas estabelecidas no âmbito da sétima avaliação. Ou seja, o mesmo governo que explicou que não tinha qualquer margem de manobra para alterar o abismo em que se traduz o Orçamento do Estado para 2013 anuncia-nos esta semana que, no que toca ao Estado social, os compromissos com a troika não passam de um modesto e desinteressado contributo que os portugueses podem depois modificar a seu bel-prazer, desde que o valor acordado seja cumprido e a criatividade indígena se manifeste em todo o seu esplendor.
 
Como é evidente, a originalidade deste processo esconde um pequeno problema a que o governo, por motivos decerto compreensíveis, não deu a devida atenção: se o objectivo é envolver a sociedade portuguesa neste meritório desígnio, seria natural que o debate nacional precedesse não só a avaliação da troika como o próprio valor dos cortes a fazer. Até porque – outra insignificância que não colhe junto do primeiro- -ministro – o governo já admitiu que parte deste corte na despesa pode aplicar-se, ainda em 2013, se as suas previsões falharem, mais uma vez, como tudo indica que vão falhar. Registe-se apenas, e a título de exemplo, que as previsões do governo para o desemprego em 2013 correm o risco de ser ultrapassadas em 2012.
 
Assim, como a “coisa” foi apresentada, não restam muitas dúvidas sobre o que nos espera nos tempos mais próximos. Antes de mais, um corte brutal no Estado social, feito em cima do joelho, entre Dezembro e Janeiro. Se dúvidas houvesse, o simples facto de o primeiro-ministro ter admitido calmamente a existência de “taxas moderadoras” na educação – de forma a moderar o acesso obrigatório dos estudantes às escolas, presume-se – é uma prova mais que suficiente do absoluto desnorte que reina no governo sobre o Estado que se prepara para reformar. Vinte e quatro horas depois, o ministro da Educação decidiu desmentir o primeiro-ministro em comunicado, confirmando o carácter gratuito do ensino obrigatório. Ao contrário do que se pode pensar, isto não é propriamente uma anedota de mau gosto: é um sinal trágico do que vai ser a reforma do Estado e da total irresponsabilidade da forma como esta vai ser conduzida. E depois, terminada a sétima avaliação, segue-se um pseudodebate sobre um facto consumado em que, para variar, o CDS deverá assegurar as despesas de duas ou três alterações insignificantes. Como aconteceu no Orçamento do Estado para 2013.
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana