Constança Cunha e
Sá – Jornal i, opinião
Parece que agora,
seguindo as preciosas indicações do Presidente da República, vamos todos
discutir até ao Verão as funções sociais do Estado. Com um pequeno pormenor:
independentemente deste profícuo debate nacional, o governo já se comprometeu
com a troika a apresentar em Fevereiro um conjunto “discriminado” de medidas no
valor de 4 mil milhões de euros – “pelo menos”, como não se cansa, de forma
algo suspeita, de repetir o primeiro-ministro. A ideia, pelo que se percebe, é
acordar com os nossos credores um pacote de cortes num determinado valor e
esperar depois que, pela Primavera, surjam algumas ideias giras sobre a matéria
que possam substituir as medidas estabelecidas no âmbito da sétima avaliação.
Ou seja, o mesmo governo que explicou que não tinha qualquer margem de manobra
para alterar o abismo em que se traduz o Orçamento do Estado para 2013
anuncia-nos esta semana que, no que toca ao Estado social, os compromissos com
a troika não passam de um modesto e desinteressado contributo que os
portugueses podem depois modificar a seu bel-prazer, desde que o valor acordado
seja cumprido e a criatividade indígena se manifeste em todo o seu esplendor.
Como é evidente, a
originalidade deste processo esconde um pequeno problema a que o governo, por
motivos decerto compreensíveis, não deu a devida atenção: se o objectivo é
envolver a sociedade portuguesa neste meritório desígnio, seria natural que o
debate nacional precedesse não só a avaliação da troika como o próprio valor
dos cortes a fazer. Até porque – outra insignificância que não colhe junto do
primeiro- -ministro – o governo já admitiu que parte deste corte na despesa
pode aplicar-se, ainda em 2013, se as suas previsões falharem, mais uma vez,
como tudo indica que vão falhar. Registe-se apenas, e a título de exemplo, que
as previsões do governo para o desemprego em 2013 correm o risco de ser
ultrapassadas em 2012.
Assim, como a
“coisa” foi apresentada, não restam muitas dúvidas sobre o que nos espera nos
tempos mais próximos. Antes de mais, um corte brutal no Estado social, feito em
cima do joelho, entre Dezembro e Janeiro. Se dúvidas houvesse, o simples facto
de o primeiro-ministro ter admitido calmamente a existência de “taxas
moderadoras” na educação – de forma a moderar o acesso obrigatório dos
estudantes às escolas, presume-se – é uma prova mais que suficiente do absoluto
desnorte que reina no governo sobre o Estado que se prepara para reformar.
Vinte e quatro horas depois, o ministro da Educação decidiu desmentir o
primeiro-ministro em comunicado, confirmando o carácter gratuito do ensino
obrigatório. Ao contrário do que se pode pensar, isto não é propriamente uma
anedota de mau gosto: é um sinal trágico do que vai ser a reforma do Estado e
da total irresponsabilidade da forma como esta vai ser conduzida. E depois,
terminada a sétima avaliação, segue-se um pseudodebate sobre um facto consumado
em que, para variar, o CDS deverá assegurar as despesas de duas ou três
alterações insignificantes. Como aconteceu no Orçamento do Estado para 2013.
Sem comentários:
Enviar um comentário