segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TERRORISMO PSICOLÓGICO E INSTIGAÇÃO DO MEDO ANDAM À SOLTA EM PORTUGAL

 


Liberal esteve no Bairro de Santa Filomena - Amadora (I)
 
Liberal (cv)
 
É no silêncio que a ignomínia levada à cena no Bairro de Santa Filomena se tem instalado, transformando pessoas com identidade própria em entidades abstratas de natureza anónima
 
A partir de hoje, publicamos três peças de uma reportagem feita naquele bairro da Amadora (Portugal), em 2 de Dezembro último. De viva voz, residentes cabo-verdianos contam o calvário da sua precária situação e denunciam a apatia das autoridades do nosso país
 
Praia, 10 dezembro 2012 – À chegada ao bairro já alguns moradores sabiam ao que íamos e, logo nos primeiros passos pela rua da entrada principal, foram-se acercando do repórter numa simpatia que nos faz pensar não estar tudo perdido, que a morabeza das ilhas tem ali, naquele recôndito mundo de emaranhado de ruas serpenteantes e casas modestas, uma trincheira da alma cabo-verdiana.
 
Numa primeira vista, o Bairro de Santa Filomena parece zona de guerra, com habitações arrasadas e casas esventradas. E, na pressa de mostrarem serviço, os funcionários do município que destroem o lugar sagrado que é o lar de uma família, deixaram jorrando para os destroços a água límpida que brotava dos canos de uma habitação, desde o último dia 19 de Novembro, quando a investida das máquinas madrugou pelo bairro, acordando crianças estremunhadas e arrancando velhos doentes das camas.
 
NEM OS DOENTES ESCAPAM
 
O homem com quem primeiro falamos não quer dar a cara. No democrático Portugal de Abril, o medo anda varejando à solta como se velhos fantasmas regressassem das tumbas, agora pela mão dos “socialistas” que mandam na Câmara Municipal da Amadora…
 
António, chamemos-lhe assim, padece de apneia do sono, uma doença que o obriga a utilizar um aparelho, ligado à eletricidade, para que a morte súbita não surpreenda o seu descanso e se afirme irreversível. Nessa segunda-feira, 19 de Novembro, o corte de luz que antecedeu a demolição desligou a máquina e resgatou-o do sono.
 
“Logo de manhã senti que o aparelho desligou e levantei-me para ver o que se passava, quando saí para a rua os cabos elétricos estavam espalhados pelo chão”, diz António, que afiança não o terem avisado de nada. Um facto que o Liberal pôde confirmar. Efetivamente, os avisos afixados pela Polícia Municipal são generalistas, não se dirigem a ninguém em particular, como se os habitantes do bairro não tivessem identidade nem rosto, como se houvessem sido despidos da sua natureza humana. E também não indicam a data precisa da demolição, o que pode ser entendido como “terrorismo psicológico e instigação permanente do medo”, como referiu um ativista social.
 
“Cortaram a luz e a água e nem bateram à porta”, diz António, que tinha interposto, inclusive, uma providência cautelar que obrigava a Câmara Municipal a aguardar pela decisão do juiz, e violando assim a Lei, no que já não constitui novidade tendo em conta o histórico de reiteradas violações da legalidade promovidas pela autarquia liderada pelo “socialista” Joaquim Raposo, ele próprio suspeito já de negócios pouco claros mas nunca apurados convenientemente. Lá como cá aos ricos e poderosos a Lei raramente é aplicada… E o argumento para, no caso de António, violarem a Lei, é um expediente comum com a alegação que a Câmara desconhecia a providência cautelar…
 
Para além da apneia do sono, o nosso interlocutor padece ainda de hipertensão e diabetes, doenças clinicamente comprovadas, mas que não demoveram a ação destruidora ironicamente enquadrada pela Polícia de Segurança Pública (PSP) e pela Polícia Municipal (PM), forças que têm por missão cumprir e fazer cumprir a Lei.
 
Com mobílias e haveres remetidos para um armazém municipal, António e a esposa, ainda assim, tiveram alguma “sorte” e foram alojados numa pensão de Lisboa, de onde a qualquer momento poderão ser despejados.
 
MÃO-DE-OBRA BARATA
 
Desde 1995 em Portugal, o homem sem casa, que sempre pagou as suas contribuições, mesmo até as correspondentes ao imóvel que, apesar de “ilegal”, o município sempre arrecadou nos seus cofres, é também, desde há cinco anos, cidadão português, o que obstou a colocarem-no na rua de imediato como aconteceu aos demais que apenas ostentam a cidadania cabo-verdiana. Legalmente “tuga”, António e a esposa beneficiaram da especial atenção das autoridades…
 
Durante anos, o homem afável que abordamos trabalhou na construção civil, quando o Estado português, no frenesim das obras públicas que os fundos comunitários suscitaram, precisava de mão-de-obra barata e sem direitos e a riqueza súbita do país foi responsável pelo “boom” dos setores de construção e imobiliário.
 
António, como milhares de outros cabo-verdianos, ajudou ao crescimento de Portugal, nunca se eximiu a liquidar as suas contribuições e nunca qualquer autoridade obstou a que tivesse habitação em Santa Filomena, pelo contrário, até receberam durante anos o imposto autárquico e, apesar da “ilegalidade” da construção, fizeram com ele contratos de fornecimento de água e energia elétrica.
 
O seu caso, comum a tantos outros, tem ainda um fio condutor: as “beneméritas” assistentes sociais exigem o silêncio. E, por isso, António não pode dar a cara nem revelar a sua verdadeira identidade.
 
O medo instalou-se entre os desalojados, a chantagem terrorista impede as pessoas de contactarem associações e, muito menos, falarem com jornalistas.
 
É no silêncio que a ignomínia levada à cena no Bairro de Santa Filomena se tem instalado, transformando pessoas com identidade própria em entidades abstratas de natureza anónima. E tudo isto com a cumplicidade da nossa embaixada em Lisboa, de gatas e de mão estendida às “ajudas” portuguesas ao nosso país.
 
(continua)
 

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