terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Portugal: A TROIKA NO SAPATINHO DE NATAL

 


El País, Madrid – Presseurop, 20 dezembro 2012
 
A imagem dos “homens de negro” que controlam as finanças do país é utilizada num jogo e para um anúncio publicitário. Mas, por trás deste humor, reside o medo de ver a situação económica e social degradar-se ainda mais em 2013.
 
 
Em algumas lojas de Lisboa está à venda um novo jogo de cartas chamado Vem aí a troika, que, resumidamente, consiste no seguinte: os jogadores tratam de pôr a bom recato os milhões conseguidos graças às suas influências, procuram ganhar eleições e tentam pôr-se a salvo, antes que apareça na mesa uma carta maléfica e estrague tudo – a carta com três homens de negro, com cara de poucos amigos, a troika, que fica com tudo.
 
E há um anúncio de um novo cartão de crédito que permite fracionar em três meses o pagamento das compras de Natal, que foi reproduzido nos painéis dos centros comerciais e que reza ironicamente: "Ai se a troika sabe…" Quer dizer: que não saibam que, apesar de tudo, gastamos o pouco dinheiro que nos resta (ou que nos emprestam).
 
Quebra de 10% do poder de compra
 
Em Portugal, são constantes as piadas e brincadeiras, para exorcizar a asfixia económica e vital. Porque vão ser umas férias duras. Os funcionários não recebem subsídio de Natal e, além disso, em janeiro, começam a ser aplicadas as novas normas e cortes do orçamento de 2013, o mais polémico e restritivo da história recente do país, que prevê um aumento brutal de impostos, equivalente, em média, à retirada de um mês de salário.
 
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal calcula que o comércio português irá cair entre 10% e 15% em relação ao ano passado, que já foi mau. Alguns comerciantes garantem, de cenho franzido, que vendem cerca de 30% menos e alguns taxistas juram que ganham menos cerca 40%, apesar de passarem todo o santo dia na rua.
 
Nas revistas e nos programas de televisão abundam as informações sobre promoções e lojas de artigos em segunda mão, sobre maneiras de poupar e sobre feiras disto e daquilo. Surgem lojas de móveis usados que reciclam quase tudo, de roupa não muito usada e de apetrechos que se revendem até ao infinito.
 
A economia regrediu cerca de 3% este ano, o consumo em geral quase 2% e o desemprego disparou até aos 16%, uma taxa nunca vista em Portugal. Os sindicatos calculam que, nos últimos anos, os trabalhadores perderam perto de 10% do poder de compra. "E em 2013 vai ser pior", segundo o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos.
 
"Já não estamos à beira do abismo"
 
Assim, os portugueses perguntam-se, acima de tudo, quando vai terminar esta corrida para o nada. O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, considera que tudo começará a mudar no segundo semestre de 2013. O problema é que, precisamente há um ano, pensava o mesmo de 2012, um ano que só serviu para aprofundar o buraco.
 
Para já, tudo indica que 2013 será pior, muito pior. Além do aumento de impostos, da extorsão dos pagamentos extra e das inúmeras taxas que o português médio tem de pagar agora, o Governo já anunciou que, em fevereiro, apresentará à troika um plano estrutural que prevê uma poupança de €4 mil milhões e que se baseará sobretudo em reduzir a dimensão das estruturas do Estado, saúde e educação incluídas.
 
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, já avisou, numa polémica entrevista concedida há algumas semanas, que estava a ser estudada uma maneira de os cidadãos pagarem ou ajudarem a financiar o ensino secundário dos filhos.
 
Seja como for, nem tudo é tão negativo. O mesmo Passos Coelho, que, em geral, aparece na televisão para dar as más notícias à população, deu ontem, numa visita oficial à Turquia, no momento de falar de macroeconomia, uma notícia que poderá ser interpretada como boa: "Pela primeira vez desde há algum tempo, já não estamos à beira do abismo”.
 
Traduzido do castelhano por Fernanda Barão
 
Privatizações
 
Um país à venda
 
Portugal acaba o ano com uma série de privatizações, que incluem a TAP (transportadora aérea portuguesa), a televisão pública (RTP) e a empresa que gere os aeroportos (ANA). O Governo de Lisboa espera ainda finalizar a privatização dos Estaleiros de Viana do Castelo. A escolha será entre as propostas apresentadas pelo grupo brasileiro Rio Nave e pelos russos da RSI Trading.
 
O único comprador interessado na TAP, o magnata brasileiro-colombiano Germán Efromovich, ofereceu €350 milhões pela companhia, atingida por uma dívida de €1,2 mil milhões. O Estado Português (que arrecadará apenas 10% dos 350 milhões) anunciará a sua decisão sobre a venda a 20 de dezembro. Comentando o negócio, o diretor do Jornal de Negócios Pedro Santos Guerreiro escreve:
 
O Estado caiu numa armadilha: só tem um interessado e não tem tempo para melhor. [...] O dinheiro que Efromovich se propõe a gastar vai todo para "dentro" da TAP. [...] O Estado entrega a empresa recebendo nada ou quase nada.
 
A corrida entre quatro consórcios ansiosos para adquirirem a Aeroportos de Portugal (ANA) também é muito controversa. Os "Franceses da Vinci dão 3 mil milhões pela ANA":”, revelou o Jornal de Negócios.
 
Quanto à televisão pública, o Expresso explica que “o Governo tem três modelos para a RTP” – gestão através de concessão a privados, privatização de 49% do capital com um compromisso absoluto de gestão em cooperação com o operador privado ou reestruturação. O Governo parece preferir a privatização, avança o semanário, que acrescenta que o assunto ficará resolvido até ao final do ano. Até agora, o único interessado é o grupo angolano Newshold, dono do semanário português Sol e de parte do grupo de comunicação social Cofina.
 
Em dezembro de 2011, o Governo português vendeu a sua posição maioritária (21,3%) na empresa nacional de eletricidade (EDP) à empresa pública chinesa Three Gorges, por 2,7 mil milhões de euros.
 

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