Relatório da Open
Society Foundations, ligada ao arquimilionário George Soros, traz 216 páginas
em que se reúnem casos de 136 “cidadãos do mundo” sequestrados a mando da CIA
norte-americana, em diferentes países, levados para diferentes países, neles
eventualmente torturados, alguns terminando a trajetória na infame Guantánamo.
Para isso, 54 governos colaboraram com a CIA e os EUA. O artigo é de Flávio
Aguiar, de Berlim, para a Carta Maior
Flávio Aguiar - Carta Maior
Berlim - O
relatório, divulgado esta semana, é devastador. São 216 páginas reunindo os
casos de 136 “cidadãos do mundo” sequestrados a mando da CIA norte-americana,
em diferentes países, levados para diferentes países, neles eventualmente
torturados, alguns terminando a trajetória na infame Guantánamo, ainda não
fechada. São 54 países nomeados, que colaboraram com a CIA e os EUA neste
trajeto hediondo de crimes contra a humanidade e contra as normas dos direitos
nacionais e do direito internacional. O relatório pode ser encontrado aqui:
Em tempo: a Open Society Foundations é uma rede de fundações de direito
privado, fundada pelo arquimilionário George Soros. Sei que diante disso muitos
torcerão o nariz – mas antes que virem o rosto para o outro lado, prestem
atenção nas informações.
Muitas delas já circulavam na mídia e na internet. Mas é a primeira vez que
aparecem em conjunto e sistematizadas dessa forma. Seu nome é “Open Society
Justice Initiative – Globalizing Torture”, e sua operação conceitual é
demonstrar que a luta antiterrorista, baseada na tortura e na violação do
conceito mesmo de direito, iniciada pelom governo Bush é inócua, a não ser do
ponto de vista de corroer instituições governamentais e a credibilidade dos
Estados Unidos por onde passe.
O relatório abre com uma citação do então vice-presidente dos Estados Unidos,
Dick Chaney, feita em 2001:
“We also have to work, through, sort of the dark side, if you will.
We’ve got to spend time in the shadows in the intelligence world.
A lot of what needs to be done here will have to be done quietly, without any
discussion, using sources and methods that are available to our intelligence
agencies, if we’re going to be successful. That’s the world these folks operate
in, and so it’s going to be vital for us to use any means at
our disposal, basically, to achieve our objective.”
U .S. Vice President Dick Cheney, September 16, 2001.
Ou seja:
“Nós também temos de trabalhar através, digamos, desse lado trevoso, se vocês
quiserem. Nós temos de passar algum tempo nas trevas do mundo dos serviços de
inteligência. Muito do que deverá ser feito aqui deverá ser feito em silêncio,
sem muita discussão, utilizando fontes e métodos que estão disponíveis para
nossas agências de inteligência, se nós quisermos ter sucesso. Este é o mundo
em que essa gente opera, e assim será vital para nós o uso de quaisquer meios
ao nosso alcance para atingirmos nosso objetivo”.
Chaney está abrindo as portas – legalmente, porque antes elas já estavam
abertas – do inferno, não para que as almas de lá saiam, como fez Cristo na
História Sagrada, mas para que lá os suspeitos e acusados entrem, o inferno dos
sequestros, das torturas clandestinas, novamente, como no tempo do nazismo, da
“barbárie” descoberta no coração da “civilização”. Com base em documentos, o
relatório afirma que 54 países colaboraram, de uma ou outra maneira, com as
operações decorrentes, seja permitindo os sequestros, os executando, sendo
cúmplices neles, permitndo o tráfego (tráfico?) oculto das vítimas, mantendo
prisões clandestinas, praticando torturas, ou as estimulando através de auxílio
nos interrogatórios:
Afeganistão, África do Sul, Albania, Argélia, Austrália, Áustria, Alemanha, Arábia Saudita, Azerbaijão, Belgica, Bosnia-Herzegovina, Canadá,
Croacia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Djibouti, Egito, Emirados Árabes,
Espanha, Etiópia, Finlândia, Gâmbia, Georgia, Grécia, Hong Kong, Islândia,
Indonésia, Irã, Irlanda, Itália, Jordânia, Kenya, Libia, Lituania, Macedonia,
Malawi, Malasia, Mauritânia, Marrocos, Paquistão, Polônia, Portugal, Reino
Unido, Romênia, Somália, Sri Lanka, Suécia, Síria, Tailândia, Turquia,
Uzbequistão, Yemen, Zimbábue.
Algumas (várias) observações:
1) A esmagadora maioria das operações se refere ao governo de George Bush Filho.
2) Em muitos desses países os governos que colaboraram com a política dos
EUA/CIA foram substituídos por outros.
3) Causa espanto ver alguns dos países listados. Por exemplo: a Líbia listada
era a de Muammar Ghadaffi, depois deposto e assassinado – melhor, linchado, com
a cooperação pró-ativa do Ocidente. A Síria listada é a Síria de Bashar
al-Assad, hoje hostilizado por esse mesmo Ocidente e com o governo (não sei se
a cabeça) posto a prêmio em nível internacional.
4) Que faz o Irã nesse meio?
5) Não há (felizmente) nenhum país latino-americano listado, nem mesmo aqueles
que mais se alinhavam ou se alinham com a política norte-americana, como
México, Colômbia, Chile, Peru.
6) O relatório critica o governo de Barack Obama por ter se limitado a exigir,
por via diplomática, garantias de que os centros de tortura e prisão não
estariam mais sendo utilizados. Diz o relatório que seria necessária uma
atitude mais vigorosa, investigando se essas práticas deixaram de fato de
acontecer e os centros foram fechados. Mas como, até agora, os EUA sequer fecharam
Guantánamo, talvez seja demais pedir tanto...
7) O relatório aponta suspeitas de que a CIA (coibida por uma proibição do
governo atual), ainda que diminuindo o ritmo de tais práticas, tornando-as
ocasionais, continue a exercê-las secretamente na Somália, no Afeganistão e até
a bordo de navios da Marinha Norte-Americana.
8) O relatório assinala alguns (poucos) pontos positivos. A) A Itália foi até
agora o único país a condenar agentes por tais práticas. B) O Canadá foi o
único país a pedir desculpas oficialmente a um detido nestas circunstâncias, no
caso, Maher Arar. C) O Canadá, a Suécia, a Austrália e o Reino Unido foram os
únicos países a dar compensações às vítimas, ainda que nos dois últimos casos
mediante desistência de ações legais por parte delas. O relatório destaca o
papel negativo do Judiciário norte-americano, dispensando o exame de casos que
“poderiam prejudicar a segurança nacional”, e o papel positivo da Corte
Européia de Direitos Humanos, que vem aceitando o exame de casos apresentados
pelas vítimas.
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